28 de Novembro de 2018, Quarta-feira: Sereis entregues até mesmo pelos próprios pais, irmãos, parentes e amigos. E eles matarão alguns de vós. Todos vos odiarão por causa do meu nome (vv. 16-17).

Leitura: Ap 15,1-4

O texto de hoje introduz as últimas pragas com que se manifestará o julgamento de Deus (cap. 16). No entanto, mostra antes o povo das comunidades, que resistiu à Besta (imperador romano) e se manteve fiel a Deus, e que agora canta louvores ao Cordeiro (Jesus). Recorda-se aqui o “cântico de Moisés” com o povo de Isael, em agradecimento a Javé pela libertação frente ao poder do faraó (Ex15).

(Eu, João,) vi no céu outro sinal, grande e admirável: sete anjos, com as sete últimas pragas. Com elas o furor de Deus ia-se consumar (v. 1).

João vê outro sinal, “grande e admirável” como as obras de Deus cantadas em v. 3b. Assim a ação dos sete anjos já se caracteriza como execução da vontade de Deus.

Em 12,1 “um sinal grande apareceu no céu, uma mulher”, símbolo do povo de Deus, da comunidade cristã que será protegida da perseguição do dragão. Mas o sinal dos sete anjos com as sete últimas pragas traz maldição para os inimigos de Deus e perseguidores dos cristãos (cf. no capítulo de maldições a ameaça de Lv 26,21 “multiplicarei por sete meus golpes”). “Se consumar (esgotar)” é expressão corrente em Ezequiel (Ez 5,13; 6,12; 20,21 etc.).

A visão das sete taças das sete “últimas pragas” retoma a das sete trombetas (8,2ss). No Ap, o número sete significa totalidade. Aqui sinaliza que o julgamento divino chegará ao seu cume.

Entre os vv. 1 e 5 intercala-se o cântico entoado pelos eleitos em louvor daquele que os salva.

A Bíblia do Peregrino (p. 2964) comenta os cap. 15-16: Surge novo setenário, de pragas, que de certa forma repete ou renova os sete selos e as sete trombetas.  Só que é o último setenário, no qual se está consumando o julgamento. Repetem-se as pragas na terra, no mar, nos rios e nos astros; mencionam-se as trevas, o Eufrates e a tempestade teofânica; o alcance desta vez não é limitado, mas universal. A introdução é solene, o sinal se projeta no mundo celeste, como antes os da mulher e do dragão. Antes de começar o castigo, uns versículos apresentam os vencedores agindo na liturgia celeste.

Vi também como que um mar de vidro misturado com fogo. Sobre este mar estavam, de pé, todos aqueles que saíram vitoriosos do confronto com a besta, com a imagem dela e com o número do nome da besta. Seguravam as harpas de Deus. Entoavam o cântico de Moisés, o servo de Deus, e o cântico do Cordeiro, dizendo: (vv. 2-3a).

Os “que saíram vitoriosos” são os que resistiram ao culto do imperador, a besta-fera do mar descrita no cap. 13, cujo número 666 é a soma numérica das letras hebraicas “César Nero” (cf. 13,18), autor da primeira perseguição dos cristãos por parte de Roma (martírio de Pedro e Paulo em 64-67 d.C.). Em 94 d.C., o imperador Domiciano exigiu ser adorado como “Senhor e deus” e foi considerado um novo Nero por perseguir os cristãos em todo império; em consequência disso, João foi exilado na ilha de Patmos (cf. 1,9; 3,10). “Venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho” (12,11), e trazem “escrito sobre a fronte o nome dele e de seu Pai” (14,1).

João vê um “mar de vidro misturado com fogo” representa a prova que os vencedores atravessaram: “Quando cruzares as águas, eu estarei contigo, a correnteza não te afogará; quando passares pelo fogo, a chama não te abrasará” (Is 43,2).

O “mar de vidro” (4,6) significa a abóbada celeste que se estende diante do trono de Deus (4,6; as águas superiores de Gn 1,7; Sl 104,3; cf. o mar de bronze no templo em 1Rs 7,23-26). ”Misturado com fogo” pode designar os relâmpagos que anunciam o juízo próximo (4,5; 11,19; 16,18; cf. Ex 19,16-19; 17,24; Mt 24,27). Pode haver uma recordação da passagem do mar Vermelho: os salvos se encontram na outra margem. Esta interpretação se apoia pelo nome do hino seguinte: o “cântico de Moisés” (Ex 15) preludia o do Cordeiro, o qual se povoa de recordações (Sl 11,2; 99; 102; Tb 13,7). Relacionando o cântico novo do Cordeiro com o cântico antigo de Moisés, o autor quer traçar um paralelo entre a ação libertadora do Cordeiro (Jesus) e a libertação de Israel pela liderança de Moisés. Como antigamente Deus venceu os egípcios com seu faraó, assim será vencido o imperador romano com seu exército. O mar de vidro oferece proteção aos eleitos que “seguravam as harpas de Deus” (cf. 5,8).

“Grandes e admiráveis são as tuas obras, Senhor Deus, Todo-poderoso! Justos e verdadeiros são os teus caminhos, ó Rei das nações! Quem não temeria, Senhor, e não glorificaria o teu nome? Só tu és santo! Todas as nações virão prostrar-se diante de Ti, porque tuas justas decisões se tornaram manifestas” (vv. 3b-4).

Assim como o cântico de Moisés (Ex 15), este é também um cântico de libertação (cf. 14,1-5).  Ele é tecido de reminiscências bíblicas. Não evoca tanto o rigor dos castigos, como o triunfo do Senhor e dos seus. O hino apresenta o julgamento de Deus como salvação para seu povo. Por isso, chama as suas obras “grandes e admiráveis” como antes o sinal em v. 1; só é capaz disso o “Senhor Deus, Todo-poderoso” (cf. 4,8; 11,17; 16,7). “Justos e verdadeiros são os teus caminhos” (cf. Sl 145,17; Dt 32,4). O título “Rei das nações” (cf. Jr 10,7) sublinha o poder de Deus sobra a história dos povos que faz todos seus adversários a reconhece-lo e honrá-lo, como indicam as perguntas retóricas: “Quem não temeria, Senhor, e não glorificaria o teu nome?”.

Justifica-se isso porque Deus é o único santo: “Só tu es santo” (cf. 4,8; Is 6,3; Sl 99; 83,19; Dt 32,4; Dn 3,45 grego;). Por isso, “todas as nações virão” adorá-lo como na romaria dos povos a Sião em Is 2,2-4; Jr 16,19. João quer consolar e fortalecer os aflitos da comunidade com a vitória de Deus sobre as nações (pagãos), tal certa que já pode ser proclamada com antecedência, já antes de derramar as taças das últimas pragas (15,5-16,21).

 

Evangelho: Lc 21,12-19

Nesta parte do discurso escatológico (sobre o fim), Lc segue o roteiro de Mc (cf. Mc 13,9-13).

Antes que estas coisas aconteçam, sereis presos e perseguidos; sereis entregues às sinagogas e postos na prisão; sereis levados diante de reis e governadores por causa do meu nome. Esta será a ocasião em que testemunhareis a vossa fé (vv. 12-13).

Segundo os Atos, os apóstolos Pedro, João, Tiago e Paulo em particular (Fl 1,12-13), compareceram diante de tribunas religiosas e civis, deram testemunho de Jesus e anunciaram o evangelho diante deles; o diácono Estêvão (At 7) e o apóstolo Tiago (At 12,2) foram os primeiros mártires que morreram pela fé em Cristo. Ora, o que é história para Lucas se converte aqui em anúncio e exortação para os sucessores que lerem seu evangelho.

É a fase final que interessa aos ouvintes (v. 7), mas Jesus avisa que será precedida por um período histórico de testemunho da fé no meio das perseguições. Como o Cristo tinha que sofrer para entrar em sua glória (24,26), também os discípulos devem atravessar gloriosamente essa prova. Em At 25,13-26,32, Lc narra um destes testemunhos “diante de reis e governadores” (Paulo diante do rei Agripa e sua esposa Berenice na prisão do governador Festo em Cesareia).

Testemunhar é a função essencial dos doze apóstolos (Lc 24,28; At 1,8.22; 2.32; 3.15; 4.33; 5.32; 10.39; 13,31), de Estevão e de Paulo (22,15.20; 26,16; cf. 18,5; 20,21; 22,18; 23,11; 26,22; 28,23). Ele consiste em proclamar a ressurreição de Cristo e seu senhorio. A palavra grega martírion, traduzida por “testemunho”, toma nas gerações seguintes o sentido de “martírio” (ser morto por causa da sua fé).

Fazei o firme propósito de não planejar com antecedência a própria defesa; porque eu vos darei palavras tão acertadas, que nenhum dos inimigos vos poderá resistir ou rebater (vv. 14-15).

Não havia advogados defendendo o réu em processos judiciais da época, mas peritos jurídicos podiam aconselhá-lo. Jesus promete sua assistência (cf. Jo 14,18-21). Nos paralelos em Lc 12,11-12; Mt 10,19-20; Mc 13,11-12, esta assistência é atribuída ao Espírito Santo (cf. At 6,10 e o Espírito paráclito em Jo 14,17.29; 15,26-27; 16,8-11; paráclito significa consolador, defensor, advogado). Lc queria reservar aqui o anúncio do Espírito para o dia de Pentecostes (24,46; At 1,4-8; 2) ou relacionar estas palavras à paixão próxima de Jesus (caps. 22-23)?

A Bíblia do Peregrino (p. 2526) comenta: Equivale a um carisma de uma sabedoria superior: “Observando a ousadia de Pedro e João, e constatando que eram homens simples e iletrados, admiravam-se…” (At 4,13; 6,10; cf. Jó 32,13); como Moisés ou Salomão: “Vê, eu estarei em tua boca e te ensinarei em tua boca e te ensinarei o que terás de dizer” (Ex 4,11; 1 Rs 5,14).

Sereis entregues até mesmo pelos próprios pais, irmãos, parentes e amigos. E eles matarão alguns de vós. Todos vos odiarão por causa do meu nome (vv. 16-17).

Até os próprios “parentes e amigos” podem tornar-se adversários (v. 16; cf. a traição dos parentes em Mq 7,6; Jr 12,6; Jó 6,15). O “ódio do mundo” (cf. Jo 15,18-19) é herança da origem judaica (os judeus eram odiados pelos outros povos por sua negação dos outros deuses).

Mas vós não perdereis um só fio de cabelo da vossa cabeça. É permanecendo firmes que ireis ganhar a vida! (vv. 19-19)

As testemunhas de Jesus “não perderão um só fio de cabelo” (cf. Lc 12,7; Mt 10,30, expressão proverbial, cf. 1Sm 14,45). Também os Atos registram episódios de libertação milagrosa (At 5,19s; 12,6-11; 16,25s).

Do anúncio passa à exortação, que vale para os cristãos de qualquer época. “Ireis ganhar a vida pela perseverança” (21,19; cf. 8,15). A constância/perseverança é virtude capital. Este termo, próprio de Lc e familiar a Paulo (1Ts 1,3; 2Cor 1,6; 6,4; 12,12; Rm 2,7; 5,3-4; 8,25; 15,4-5; Cl 1,11), designa a resistência aos perigos que ameaçam a palavra.

O site da CNBB comenta: Ganhar a vida eterna significa ser capaz de lutar no dia a dia pelos valores que a caracterizam. Mas os valores que caracterizam a vida eterna são completamente diferentes dos valores que caracterizam a nossa sociedade de hoje, sendo que a consequência dessa diferença é o conflito, que é seguido da perseguição, do ódio e, muitas vezes, da morte. Mas quem de fato acredita na vida eterna e a deseja ardentemente para si assume o projeto de Deus e os valores do Reino dos céus e luta constantemente por eles, não temendo a perseguição e desafiando até mesmo a morte, porque sabe que nada o separará da vida e vida em abundância.

 

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