28 de Outubro de 2019, Segunda-feira – Festa de São Simão e São Judas, Apóstolos: Nesses dias, Jesus foi para a montanha a fim de rezar. E passou toda a noite em oração a Deus (v. 12).

Festa de São Simão e São Judas, Apóstolos

Leitura: Ef 2,19-22

A leitura foi escolhida por falar da Igreja que tem “como fundamento os apóstolos” (v. 20; cf. Pedro em Mt 16,18). A nossa Igreja Católica é “apostólica”, não só por que vem do tempo dos apóstolos. Nossa fé não é mito nem ficção, mas baseia-se no testemunho ocular de homens reais que seguiram Jesus de perto desde o tempo do seu batismo até sua ressurreição (cf. At 1,22-23).

A carta aos Efésios tem muitas semelhanças com a carta aos Colossenses e ambas apresentam uma igreja e teologia mais evoluídas do que nas primeiras cartas de Paulo. Este fato leva muitos exegetas a considerá-las “deuteropaulinas”, ou seja, não escritas pelo próprio apóstolo Paulo, mas por discípulos em nome dele, talvez por Epafras (cf. Cl 1,7; 4,2; Fm 23) ou Tíquico (At 20,4; Ef 6,21-22; Cl 4,7; 2Tm 4,12; Tt 3,12) por volta de 80 d.C.; não se trata de falsificação, mas era costume de época para permanecer no espírito do mestre e apóstolo.

No cap. 2, o autor da carta falou sobre a inimizade entre judeus e pagãos superada pelo Cristo: ”Vós que agora estáveis longe, fostes tornados próximos pelo sangue de Cristo. É ele, com efeito, que é nossa paz. Do que era dividido, fez uma unidade. Em sua carne destruiu o muro da separação: o ódio” (vv. 13-14). Havia um muro na área do templo de Jerusalém que interditava aos pagãos, sob pena de morte, o acesso ao santuário (cf. At 21,28s). Na guerra Judaica, porém, o templo foi destruído pelos romanos em 70 d.C. e nunca mais reconstruído (hoje, um santuário muçulmano está no lugar; aos judeus, restou apenas o muro da lamentação).

Já não sois mais estrangeiros nem migrantes, mas concidadãos dos santos. Sois da família de Deus (v. 19).

Aos membros da comunidade cristã de Éfeso, uma cidade grega na atual Turquia, é afirmada: “Já não sois mais estrangeiros nem migrantes, mas concidadãos dos santos” (v. 19). Os “migrantes”, ao contrário dos estrangeiros de passagem, eram reconhecidos pela lei, admitidos a residir na Terra Santa, sem todavia gozar de pleno direito de cidadania (cf. Ex 12,48).

Os “santos” podem ser os membros do povo de Deus batizados (cf. 1,1; At, 9,13 etc.). A perspectiva celeste desta carta (cf. Dn 7,25.27) e suas afinidades com o judaísmo tardio (ex. Qumran) podem aludir também aos anjos, à comunidade do céu (cf. Cl 1,12; Hb 12,22-23). Pensa-se ainda nos judeu-cristãos representando o resto santo de Israel, ao qual os outros cristãos (das outras nações pagãs) são associados (cf. Rm 15,25; 1Cor 16,1; 2Cor 8,4; 9,12). Da Igreja em Jerusalém, o título passa a todos os cristãos (cf. Rm 1,7; 12,13).

“Da família de Deus”, são todos os que fazem a vontade de Deus, ouvem sua Palavra e a praticam (Mc 3,35p); pelo Espírito, os batizados são “filhos de Deus” (cf. Rm 8,14-17; Gl 3,26-28; 4,4-7).

Vós fostes integrados no edifício que tem como fundamento os apóstolos e os profetas, e o próprio Jesus Cristo como pedra principal (v. 20).

No sentido metafórico, “casa” significa as pessoas da família e criados (cf. Gn 15,3; 2Sm 7; At 16,7 etc.). Israel se chamava Casa de Deus, e no meio dela habitava Javé no templo, agora nós somos membros do povo/casa de Deus, que é também um templo espiritual (cf. Jo 2,18-22p; 4,21-24; 1Cor 3,9-16; 6,19; sobre o alicerce cf. Is 28,16; Ap 21,14). Lembramos que o templo de Jerusalém já foi destruído em 70. d.C., agora resta só um templo espiritual, a Igreja, o Corpo de Cristo (cf. Mc 13,2p; 14,58p; Jo 2,19-22).

Jesus compara a si mesmo com uma “pedra angular (principal)” na parábola de Mc 12,10p (citação de Sl 118,22). Alguns pensam aqui na pedra angular de base (Cristo em 1Cor 3,11; Pedro em Mt 16,18); outros na pedra do cimo, que faz a abóbada não cair; este último combina melhor com o tema da soberania de Cristo destacada nesta carta. A Igreja tem como fundamento “os profetas e os apóstolos” (cf. Lc 11,49-51) ou aqueles que participam da comunidade com os apóstolos da revelação do mistério de Deus (3,5; 4,11-12; cf. At 11,27; 13,1; 15,32; 21,9-10; 1Cor 12-14; Ap 1,3…).

É nele que toda a construção se ajusta e se eleva para formar um templo santo no Senhor. E vós também sois integrados nesta construção, para vos tornardes morada de Deus pelo Espírito (vv. 21-22).

Estamos acostumados pensar numa igreja construída de pedras, tijolos, cimento. Mas antes que uma só igreja fosse construída (em público, só aconteceu depois do término da perseguição em 313 d.C.), pensava-se numa casa espiritual, um estranho edifício que se transforma em templo, feito de pedras vivas e capaz de crescer (vv. 21-22; 1Pd 2,4-8). Não é mais num lugar fixo, mas é na comunidade, na “assembleia” (significado de ekklesia = igreja), nas pessoas de fé em que Deus se faz presente (cf. Mt 18,20; Jo 2,20-22; 4,20-24; 14,23). A Trindade vem morar na Igreja (cf. Jo 14,23), que é “Povo de Deus (Pai), Corpo de Cristo (Filho), Templo do Espírito”. A Conferência em Aparecida em 2007 chamou a Igreja também “morada de povos irmãos e casa dos pobres” (DAp 8.524) e “casa e escola de comunhão” (DAp 158.170.188.272).

 

Evangelho: Lc 6,12-19

O dia de hoje comemora dois apóstolos cujos nomes não devem ser confundidos, porque tem outros apóstolos com o mesmo nome e ambos os nomes aparecem também entre os parentes de Jesus (Mc 6,3; Mt 13,55). O Simão de hoje não é Simão Pedro, mas é chamado de “Zelota” (Lc 6,15; At 1,13) ou “Cananeu” (Mc e Mt). No que se refere a São Judas, os evangelistas fazem tudo para distingui-lo de Judas Iscariotes, o traidor (cf. sua pergunta em Jo 14,22). É chamado de “Judas de Tiago” (Lc 6,16; At 1,13); cf. o parente de Jesus (Mt 13,55; Mc 6,3), o apóstolo, dito também “irmão do Senhor” (Gl 1,19; 1Cor 15,7); ou “Tadeu” (Mt 10,3; Mc 3,18), nome mais interessante, porque pode indicar a sua personalidade: Tadeu em aramaico significa: “magnânimo, de coração grande”. Santa Brígida contou que Jesus numa visão lhe disse nas suas maiores aflições recorresse a São Judas. Tornou-se patrono dos aflitos e das causas impossíveis e desesperadas.

No Evangelho de hoje, Lc apresenta a lista dos doze apóstolos, copiando a do evangelho mais antigo de Mc (cf. Mc 13-19p). No seu segundo volume (Atos dos Apóstolos), Lc reapresenta esta lista sem o traidor Judas, mas com Maria, a mãe de Jesus e as mulheres (At 1,13-15).

Nesses dias, Jesus foi para a montanha a fim de rezar. E passou toda a noite em oração a Deus (v. 12).

Jesus vai à montanha para rezar. Lc menciona muitas vezes a oração de Jesus (3,21; 5,16; 6,12; 9,18.28-29; 10,21; 11,; 22,32.40-46; 23 34,46). Sai da massa entusiasta e dos rivais hostis, sobe à “montanha”, lugar do encontro com Deus (1Rs 19), “passa a noite” (Sl 1,2; 42,4; 119,55) “orando”. Sobre o conteúdo da oração de Jesus, os evangelhos sinóticos (Mc, Mt, Lc) são muito sóbrios: uma efusão do Espírito Santo (10,21-22), a angustia em Getsêmani (22,39-46); O evangelho de João é mais explícito. No contexto, essa oração prepara a escolha dos doze e o grande discurso da planície.

Ao amanhecer, chamou seus discípulos, e escolheu doze dentre eles, aos quais deu o nome de apóstolos (v. 13).

Jesus tem a iniciativa da escolha (no AT, Javé: 1Sm 10,24; Sl 78,68.70) de doze apóstolos, que formarão o núcleo da comunidade nova que ele veio criar. A palavra grega apóstolos significa “enviado”, aquele que Jesus envia para continuar a sua obra. São doze, como também eram doze as tribos que formavam o Israel clássico (cf. Gn 29,31-30,24; 35,21; Ex 1,2-5; etc. 1Rs 4,7). Os apóstolos são doze, como corpo ou colégio. No tempo da Igreja, embora os doze tenham um lugar único, o título se estende e se aplica com maior facilidade; e forma derivados, como apostólico, apostolado, …

Lc emprega o título apóstolo seis vezes em seu evangelho (6,13; 9,10; 11,49; 17,5 22,14; 14,10; Mt e Jo 1 vez; Mc: 2 vezes). Ao contrário de Paulo (1Cor 12,20; Ef 2,20), Lc reserva este nome para os Doze (salvo At 14,4.14).

Simão, a quem também deu o nome de Pedro, e seu irmão André; Tiago e João; Filipe e Bartolomeu; Mateus e Tomé; Tiago, filho de Alfeu, e Simão, chamado Zelota; Judas, filho de Tiago, e Judas Iscariotes, aquele que se tornou traidor (vv. 14-16).

Em Lc, Simão já foi mencionado com seu outro nome Pedro em 5,8. Para o pensamento bíblico, aquele que dá um nome novo a um homem assume o poder sobre ele (2Rs 23, 34; 24,17), como ele um destino novo pela eficácia do mesmo, sobretudo quando é o próprio Deus quem impõe o nome novo (Gn 17,5.15;32,29). A atribuição a Simão do nome de Pedro é relatada pelos evangelhos em momentos diferentes: Jo 1,42 a situa no primeiro encontro do discípulo com o Mestre; Mc 3,16 e Lc a vinculam à escolha dos Dozes; ambos sublinham esse dado mencionando até então Simão (Lc 4,38; 5,1-10, salvo 5,8), e em seguida Pedro (Lc 22,31 e 24,34, usando o nome Simão, devem provir de fontes particulares).

Os doze apóstolos são de origem e mentalidade muito diversa: nomes hebraicos e gregos, pescadores, um cobrador de impostos (publicano) que trabalhou pelos opressores romanos, um zelota (os zelotas cometiam atos de terroristas contra os romanos). Esta diversidade tem seu centro de unidade em Jesus mostrando sua capacidade em unir pessoas divergentes.

A lista dos doze apóstolos (cf. Mc 3,14 e Lc 6,13) chegou a nós sob quatro formas diferentes, a saber: de Mt, Mc, Lc e At. Divide-se sempre em três grupos de quatro nomes (na pintura famosa da última ceia, Leonardo da Vinci os dividiu em quatro grupos de três), sendo o primeiro de cada lista sempre o mesmo em todas elas : Pedro, Filipe e Tiago, filho de Alfeu. A ordem pode variar no interior de cada grupo. Pedro é sempre o primeiro, Judas Iscariotes o último da lista.

No primeiro grupo vemos os discípulos mais ligados a Jesus (cf. Mc 13,3): Mt e Lc colocam juntos os irmãos Pedro e André e os irmãos Tiago e João, enquanto em Mc e At, André está no quarto lugar, para dar lugar aos dois filhos de Zebedeu que juntamente com Pedro se tornam os três íntimos do Senhor (cf. Mc 5,37; 9,2; 14,33). Em At, um filho de Zebedeu, Tiago, cederá o seu lugar a seu irmão mais moço, João que se tornou mais importante (cf. At 1,13; 12,2 e já Lc 8,51p; 9,28p).

O segundo grupo parece ter tido mais afinidade com os não judeus, ou seja, com os pagãos (cf. Jo 12,20-21; Mt 9,9). Neste, Filipe em primeiro lugar. Mateus ocupa o último lugar nas listas de Mt e de At; e só em Mt 10,3 é chamado “ o cobrador de impostos” o que faz dele colaborador do Império Romano; Mt contou sua vocação trocando o nome Levi (cf. Mt 9,9s; Mc 2,13; Lc 5,27). A tradição identificou Bartolomeu com Natanael (por sua proximidade a Filipe em Jo 1,45-50; cf. 21,2)

O terceiro grupo é o mais judaizante, encabeçado por Tiago, filho de Alfeu, chamado de Tiago menor, que pela tradição foi identificado com Tiago, o “irmão (parente) do Senhor” (cf. 13,55; Mc 6,3p; 16,1; Jo 19,25; At 12,17; 15,13-21; 21,18-26; 1Cor 15,7; Gl 1.19; 2,9.12; Tg). Parentes de Jesus (cf. 13,55) têm nomes iguais também aos próximos da lista: “Tadeu” (var. Lebeu) de Mt e de Mc, se é a mesma pessoa que “Judas de Tiago” (filho, ou irmão de Tiago em Jd 1; cf. sua pergunta em Jo 14,22), de Lc e de At, e passa nestes últimos, do segundo para o terceiro lugar. Simão, o “zelota”, de Lc e At, não é senão a tradução grega do aramaico, Simão Qan’ana (“cananeu”) de Mt e Mc; significa “zeloso” (a palavra portuguesa “zelo” vem desta palavra grega e significa ardor, fervor, emulação; os zelotes tinham tanto zelo ao ponto de se tornarem fanáticos e violentos contra os romanos, ex. Barrabás em Mc 15,7p; cf. At 5,36-37).

Judas Iscariotes, o “traidor”, figura sempre em último lugar na lista e se menciona seu destino. O nome é interpretado freqüentemente como “homem de Cariot” (cf. Js 15,25; Am 2,2), mas poderia também ser um derivado do aramaico sheqarya, “o mentiroso, o hipócrita” ou transcrição semítica de sicárius, equivalente latino de zelota (assim formaria um par com Simão Cananeu); esta última interpretação ajudaria entender o motivo da sua traição, porque Jesus repudiou a ideologia dos zelotas (cf. 17,24-27; 22,15-22).

Jesus desceu da montanha com os doze apóstolos, e parou num lugar plano. Estava aí numerosa multidão de seus discípulos com muita gente do povo de toda a Judéia, de Jerusalém, e do litoral de Tiro e Sidônia. Foram para ouvir Jesus e serem curados de suas doenças. E aqueles que estavam atormentados por espíritos maus, foram curados. Toda a multidão procurava tocar em Jesus, porque uma força saía dele, e curava a todos (vv. 17-19).

Um novo sumário, de ensinamento e curas, serve de fundo ao discurso que se segue. Como Moisés, Jesus desce da montanha para dirigir-se ao povo. O narrador insiste na multidão de discípulos e de povo vindo da capital e da sua província (não se menciona a Galileia) até o litoral pagão de Tiro e Sidônia (cf. 10,13-14). Essa afluência significa primeiramente uma reunião da diáspora; num segundo tempo simboliza a Igreja de judeus e pagãos. Jesus atrai por seu ensinamento (cf. 11,31); é um dado que prepara o próximo discurso; e por seu poder curador, que se transmite por contato. Podemos falar do poder de Deus encarnado em corpo humano, do poder vivificante que “nossas mãos tocam” (1Jo 1,1). O povo vem de todas as partes ao encontro de Jesus, porque a ação dele faz nascer a esperança de uma sociedade nova, libertada da alienação e dos males que afligem os homens.

Lc copiou este sumário de Mc 3,7-12 (só antecipou o grito dos possessos a respeito do Filho de Deus em 4,41). O lugar desse sumário em Mc estava antes de Jesus subir à montanha e escolher seus apóstolos. Mt e Lc o apresentam antes de um sermão que em Mt acontece na montanha (5,1-7,29) e em Lc na planície (vv. 17.20-49). Apesar desta diferença geográfica é surpreendente o fato que os dois evangelistas inseriram este sermão no mesmo lugar da narração, porque eles trabalharam independentemente um do outro (cf. a narração divergente da infância de Jesus). Foi o Espírito Santo que inspirou esta inserção paralela ou existia outra versão redigida (na qual o sermão já estava inserido neste lugar) de Mc (Deuteromarcos), que Mt e Lc usavam?

 

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