29 de maio de 2018, terça-feira: Esperais com anseio a vinda do Dia de Deus, quando os céus em chama se vão derreter, e os elementos, consumidos pelo fogo, se fundirão?

Leitura: 2Pd 3,12-18

Continuamos lendo a carta considerado o escrito mais novo de todo Novo Testamento (NT). Ela quer ser o “testamento” do grande apóstolo Pedro que aparece próximo da morte (1,14). O autor escreve em nome de Pedro (1,1) mas suas recomendações se referem ao início do século II, quando efetivamente esta carta foi escrita. Menciona as cartas de Paulo (3,15s) e retoma a carta de Judas na crítica aos falsos mestres e seu comportamento reprovável (2,14-22). No cap. 3 trata da questão da parusia (vinda de Cristo), cuja a demora suscitou “cínicos e zombadores” (3,3).

A Novo Bíblia Pastoral (p. 1493) a introduz: Também se dirige aos cristãos decepcionados com a demora da vinda do Senhor, algo que tanto animou algumas comunidades do início. O fato de Deus não agir com os calendários humano não deve conduzir à acomodação nem a autossuficiência: o sonho, a espera por um novo céu e uma nova terra já devem ser ensaiados aqui, numa vida pautada pela justiça.

O autor da carta apresenta duas explicações pela demora da vinda (parusia) de Cristo (vv. cf. 2ª leitura do 2ºDomingo do Advento, Ano B): Em v. 8, citou Sl 90,4 (“para o Senhor, um dia é como mil anos, e mil anos como um dia”) para dizer que o tempo do Deus eterno é outro, não pode ser medido por nós seres humanos. Outra explicação dos pretendidos atrasos da parusia é a misericórdia divina (vv. 9.15; cf. Sb 11,23s; 12,8). Em Mc 13,10, antes do fim do mundo “é necessário que primeiro o evangelho seja proclamado a todas as nações”.

(Caríssimos:) Esperais com anseio a vinda do Dia de Deus, quando os céus em chama se vão derreter, e os elementos, consumidos pelo fogo, se fundirão? (v. 12).

Apesar da demora da parusia, a autor da carta assegura que “o Dia do Senhor chegará como um ladrão” (v. 10, omitido pela nossa liturgia). A mesma frase encontra-se no documento mais antigo do NT: 1Ts 5,1. Esta vinda do Senhor de maneira surpreendente era ideia comum desde os primeiros cristãos (cf. 1Ts 5,1-9; 1Cor 1,8).

“O Dia do Senhor” é uma imagem profética do AT (Am 5,18; Jl 2,1; Sf 1,7) usada também no NT (At 2,20; 1Cor 5,5). Enquanto na tradição se referia a Deus (kyrios – “Senhor” é tradução grega do hebraico Yhwh – Javé), Paulo o identifica depois com “o dia do Senhor Jesus” (1Cor 1,8; Fl 1,6.10). A especulação sobre a vinda do fim do mundo é típico do gênero apocalíptico (Dn 9,2.24-27), mas “o dia do Senhor virá como ladrão” (cf. Mt 24,43; Lc 12,39s; Ap 3,3), de noite”, quando as pessoas dormirem (cf. vv. 4-6) ou disserem: “Paz e segurança” (cf. Jr 6,14; Ez 13,10.16), mas “não poderão escapar” (cf. Am 2,14s).

Saber com precisão a data da vinda (parusia) de Cristo é desejo muito humano, porém fadado à frustração. Conforme a tradição cristã, só Deus Pai conhece o momento exato: “Quanto a esse dia e hora, ninguém sabe nada, nem os anjos do céu, nem o Filho. Somente o Pai é quem sabe” (Mc 13,32p).

A Bíblia de Jerusalém comenta (p. 2281): A destruição do mundo pelo fogo era um dos temas correntes entre os filósofos da época greco-romana, como nos apocalipses judaicos e nos documentos de Qumrã. Aqui todo esse vocabulário tradicional é posto a serviço da mensagem cristã sobre o Dia (cf. 1Cor 1,8).

Nos vv. anteriores 5-7, o autor se referiu ao dilúvio (Gn 6-8) e afirma que “os céus e a terra de agora estão reservados para o fogo” (v. 7). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2396) comenta (cf. vv. 5-7): O dilúvio pelo fogo pertence ao imaginário apocalíptico judaico. Há aqui uma correspondência com o primeiro dilúvio, o dilúvio de água dos tempos de Noé. Assim com o mundo ímpio de outrora tinha sido submerso pelas águas, o mundo ímpio de hoje está destinado ao julgamento pelo fogo, que aniquilará os ímpios. Como outrora, os justos escaparão do cataclismo (cf. 2,5) e habitarão o mundo novo, no qual reinara a justiça.

A expressão “a terra será consumida com tudo o que nela se fez” é leitura corrigida; lit. “a terra e suas obras se tornarão manifestas (descobertas)” diante do julgamento de Deus.

O que nós esperamos, de acordo com a sua promessa, são novos céus e uma nova terra, onde habitará a justiça. Caríssimos, vivendo nesta esperança, esforçai-vos para que ele vos encontre numa vida pura e sem mancha e em paz (vv. 13-14).

A expressão “novos céus e uma nova terra” já aparece no Terceiro Isaías (Is 65,17; 66,22), uma nova criação de Deus com sua presença igual ao paraíso (Ap 21,1).

A Bíblia do Peregrino (p. 2919) comenta: Foram amplamente refutados os zombadores sarcásticos; é preciso tirar consequências para os bons cristãos. Pelo que esse dia terá de julgamento, devem conservar-se “sem mancha nem defeito”. Pelo que tem de salvação, vivam com esperança. Naquele mundo futuro reinará a justiça (Is 32,16-17; Sb 1,15).

A Novo Bíblia Pastoral (p. 1495) comenta: Já que havia pessoas especulando sobre quando se daria a vinda do Senhor, o autor propõem um desafio: que tal nos aplicarmos a uma vida santa e à piedade? Que tal fixar o olhar e o agir do novo céu e na nova terra, habitação da justiça? Quem sabe assim chegue logo a dia da vinda de Deus!

Considerai também como salvação a longanimidade de nosso Senhor (v. 15a).

A “longanimidade” (ou paciência, misericórdia) do Senhor é uma explicação dos pretendidos atrasos da parusia (v. 9; cf. Sb 11,23s; 12,8).

Nossa liturgia omite os vv. 15b-16, nos quais o autor menciona as cartas do “nosso amado irmão Paulo … em todas as suas cartas … nelas há pontos difíceis de entender, que os ignorantes e vacilantes distorcem, como fazem com as demais Escrituras” (cf. 1Mc 12,9; 1Ts 5,27).

O autor já conhece um conjunto de cartas de Paulo. Os “pontos difíceis” nelas são, entre outros, a vinda do Senhor, da qual aqui se trata aqui. Embora alguns conteúdos sejam difíceis de compreender, a mensagem que decorre das cartas de Paulo é a “salvação” que Deus deseja para todos.

“As demais Escrituras” temos aqui um dos primeiros indícios de uma equivalência entre escritos cristãos (que formarão o NT) e os livros do AT, ou seja, do conjunto dos textos bíblicos canônicos do qual as epístolas de Paulo parecem já fazer parte por ocasião da composição de 2Pd.

A Bíblia do Peregrino (p. 2920) comenta: Isso supõe que já existisse um corpo paulino reconhecido, que Paulo tratava de temas semelhantes (p. ex. Rm 2,4-10; Fl 1,10-11; 1Ts 3,13), que seus escritos tinham sido mal interpretados por alguns. Tudo isso se enquadra melhor na segunda geração cristã. Mas a sorte adversa de escritos paulinos é partilhada em grau diferente pelo resto da Escritura, ou seja, pela AT (cf. 1,21).

Vós, portanto, bem-amados, sabendo disto com antecedência, precavei-vos, para não suceder que, levados pelo engano destes ímpios, percais a própria firmeza. Antes procurai crescer na graça e no conhecimento de nosso Senhor e salvador Jesus Cristo. A ele seja dada a glória, desde agora, até ao dia da eternidade. Amém (vv. 17-18).

Na despedida, o autor de 2Pd insiste naquilo que foi o objetivo principal de sua carta: alertar a comunidade diante da presença de mestres falsos que podem comprometer o constante e crescente conhecimento de Jesus Cristo.

Pela última vez menciona o “conhecimento” de Jesus Cristo, com seus títulos “Senhor e Salvador”. A Bíblia de Jerusalém (p. 2278) comenta: Em toda a epístola, Cristo é o objetivo do conhecimento dos fiéis (1,3.8; 2,20; 3,18; cf. Os 2,22+; Jo 17,3; Fl 3,10; etc). Esse conhecimento inclui o discernimento moral e a prática das virtudes (vv. 5.6.8).

 

 

Evangelho: Mc 12,13-17

Continuamos nas controvérsias de Jesus em Jerusalém, o lugar continua o templo, onde Jesus circulava (até 13,1).

(As autoridades) mandaram alguns fariseus e alguns partidários de Herodes, para apanharem Jesus em alguma palavra. Quando chegaram, disseram a Jesus: “Mestre, sabemos que tu és verdadeiro, e não dás preferência a ninguém. Com efeito, tu não olhas para as aparências do homem, mas ensinas, com verdade, o caminho de Deus. Dize-nos: É lícito ou não pagar o imposto a César? Devemos pagar ou não?” (vv. 13-14).

Depois da primeira derrota (11,27-12,12) dos representantes do sinédrio (“autoridades”, acrescenta-se no texto litúrgico), os adversários fazem outra tentativa. Os sumos sacerdotes não entram em ação no momento, mas “os fariseus e os herodianos”. Estes já conspiraram contra Jesus na Galileia (cf. 3,6) agora alguns deles são enviados pelas autoridades (sinédrio) “para apanharem Jesus em alguma palavra”. Elogiam com hipocrisia a veracidade e a imparcialidade do mestre (cf. Pr 29,5; 28,23; 26,23) e fazem uma pergunta: “É lícito ou não pagar o imposto a César?” (v. 14)

A pergunta é uma armadilha para desacreditar Jesus como colaboracionista dos romanos ou acusá-lo como revoltoso. Os fariseus aceitavam resignados o império romano e seus tributos como castigo divino que cessaria por ação do Messias. Os partidários de Herodes aceitavam e tiravam até proveito da situação atual. Fariseus e herodianos não costumam concordar entre si. Só se une contra o inimigo comum (Mc 3,6). O partidarismo se condena e cega no julgamento (Pr 24,23; Jó 13,8.10; 32,21).

O tributo de César significava no campo econômico a submissão política ao imperador. Se Jesus responde “sim”, os fariseus o desacreditarão diante do povo: não seria um profeta; se ele diz “não”, os partidários de Herodes poderão acusá-lo de subversão.

Jesus percebeu a hipocrisia deles, e respondeu: “Por que me tentais? Trazei-me uma moeda para que eu a veja.” Eles levaram a moeda, e Jesus perguntou: “De quem é a figura e a inscrição que está nessa moeda?” Eles responderam: “É de César.” Então Jesus disse: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.” E eles ficaram admirados com Jesus (vv. 15-17).

Jesus “percebe a hipocrisia deles” e antes de responder exige que lhe mostrem uma moeda. Os adversários levam uma moeda, fato que prova que eles mesmos fazem uso da moeda imperial, pior se acontece dentro da área sagrada do templo (11,27; 12,41; 13,1; 14,49), onde imagens de César não deveriam entrar. A moeda para pagar o imposto era o denário (moeda de prata que corresponde uma diária, cf. Mt 20,2). A imagem de César na moeda cunhada multiplicava sua presença e circulava na vida econômica cotidiana do país. Além disso, a moeda ostentava símbolos do culto imperial. Desde a época do rei persa Dario, as moedas eram um meio excelente de propaganda. Alexandre Magno começou a cunhar não só símbolos, mas um retrato idealizado do seu próprio rosto (os primeiros “santinhos” da política).

O retrato de César Tibério trazia uma inscrição que o identificava como “divi Augusti filius” (filho do divino Augusto). A imagem de Deus era terminantemente proibida e a imagem de reis judeus tradicionais nunca foi usada em moeda (foi usada pelos Asmoneus e pela família de Herodes). A única imagem de Deus é o homem (cf. Gn 1,26s).

“Jesus perguntou: ‘De quem é a figura e a inscrição que está nessa moeda?’ Eles responderam: ‘De César.’ Então Jesus disse: ‘Pois devolvam a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.’” (vv. 16-17). Eles disseram “pagar”, Jesus responde “devolver”.

A frase de Jesus, por sua forma lapidar e por sua amplidão indiferenciada, tornou-se proverbial e aplicável a múltiplas situações. Mas Jesus não discute a questão do imposto. Ele se preocupa é com o povo: a moeda é «de César», mas o povo é «de Deus». O imposto só é justo quando reverte em benefício do bem comum. Jesus não é revolucionário igual aos zelotas que faziam ataques terroristas contra o império romano, nem quer justificar qualquer submissão ao sistema vigente.

Jesus aceita o imposto e o imperador, mas ao mesmo tempo os coloca dentro dos limites. Deus é mais do que o imperador, se houver concorrência ou conflito entre o poder político e o divino, há de decidir em favor de Deus (At 4,19; 5,29; cf. o livro do Ap que apresenta o imperador como besta-fera porque persegue os cristãos).

A frase de Jesus incentiva a cidadania e permite uma secularização sadia, ou seja, certa independência de assuntos políticos, econômicos, culturais… (cf. Concílio Vaticano a chama “justa autonomia das realidades terrestres”, GS 36).  A “separação de estado e igreja” não pode ser total, porque os fiéis da igreja também são cidadãos. Mas a falta desta separação se pode lamentar nos estados islâmicos onde não há tolerância. No Brasil atual se pode aplicar a frase de Jesus assim: O estado é laico, mas o povo é religioso.

O site da CNBB comenta: Dois pontos nos são sugeridos pelo Evangelho de hoje. O primeiro é: por que nos aproximamos de Jesus? Condenamos as autoridades porque mandaram pessoas até Jesus para o apanharem em alguma palavra, mas muitas vezes nos aproximamos de Jesus para a satisfação de nossos interesses pessoais e não para o encontro pessoal com aquele que é nosso Deus e que nos ama com amor eterno. O segundo é: dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus, o que significa que César deve dar a Deus o que é de Deus, de modo que Jesus nos mostra também as responsabilidades dos dirigentes das nações em relação a Deus e nós devemos cobrar isso deles.

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