29 de Maio de 2021, Sábado: Jesus respondeu: “Vou fazer-vos uma só pergunta. Se me responderdes, eu vos direi com que autoridade faço isso.

8ª semana sábado – Ano Ímpar

Leitura: Eclo 51,17-27 (grego 12-20a)

Quem acompanhou as leituras do livro Eclesiástico nas últimas duas semanas, sabe como toda esta obra do autor Ben Sirac está impregnada do tema da “sabedoria”; destacam-se poesias sobre a sabedoria no início (1,1-10), no meio (capítulo 24) e no fim (51,18-38; na contagem grega de versículos: vv. 13-30). Este final do livro do qual ouvimos hoje uma parte, é um poema acróstico alfabético (exceto v. 17 que pertence ainda à seção anterior): cada versículo começa com uma letra sucessiva do alfabeto hebraico (também Sl 25; 37; 119; Pr 31). Esta característica encontra-se no fragmento hebraico de Eclo (encontrado no ano 1947 numa caverna em Qumran). Descreve o amor e a procura de sabedoria (6,27; 24,32; 33,18; 39,1) sob a imagem das relações entre uma criança e sua ama, e depois entre um jovem e a sua namorada.

Quero dar-te graças e louvar-te, e bendirei o nome do Senhor. Na minha juventude, antes de andar errante, procurei abertamente a sabedoria em minhas orações; diante do santuário eu suplicava por ela, e até ao fim vou procurá-la; ela floresceu, como a uva amadurecida. Meu coração nela colocou sua alegria; meu pé andou por um caminho reto, e desde a juventude segui suas pegadas (vv. 17-20).

“Antes de andar errante” (v. 18), o verbo alude às viagens de Ben Sirac (cf. 34,9-12), mas possui também outra significação, a de errar. O autor conta na primeira pessoa seus esforços para adquirir sabedoria “desde minha juventude” (vv. 18.20: cf. 6,18; 7,23; Mc 10,20), exorta os alunos a seguir os passos dele e convida depois para frequentar sua escola (cf. final do cap., omitido pela nossa liturgia). Muitos temas e formulas vêm de 6,18-31, onde são simples exortação. Nos Salmos, vários desses verbos dos vv. 17-20 são usados tendo Deus como complemento (no Dt, o complemento é a Lei). A única imagem da “uva temporã” (v. 19) recorda o grande hino do cap. 24.

Inclinei um pouco o ouvido e a acolhi, e encontrei para mim abundante instrução, e por meio dela fiz grandes progressos: por isso glorifico a quem me dá a sabedoria. Porque resolvi pô-la em prática, procurei o bem e não serei confundido. Minha alma aprendeu com ela a ser valente e na prática da Lei procurei ser cuidadoso. Levantei minhas mãos para o alto e me arrependi por tê-la ignorado. Para ela orientei a minha alma e na minha purificação a encontrei (vv. 21-27).

O pouco trabalho -“inclinei um pouco meu ouvido” (v. 21) – e o grande resultado estão em contraste: “abundante instrução… grandes progressos” (v. 22). “Por isso glorifico a quem me dá sabedoria” (v. 23); quem lhe ensinou foi Deus: “Levantei minhas mãos para o alto” (v. 26). O erro era “tê-la ignorado”, mas “para ela orientei minha alma e na minha purificação (lit. na pureza) a encontrei” (v. 27); duplo sentido: “para ela dirigi meu desejo e guardando-me puro, encontrei-a” ou “encontrei-a em sua purificação”, isto é, num período lícito de relações sexuais. Seria uma metáfora sabedoria-mulher, talvez continuada no versículo seguinte: “eis por que jamais conhecerei abandono.” A sabedoria é incapaz de abandonar a quem a procure.

Este salmo (poema) alfabético convida os ignorantes, “os que não tem instrução” para obter sabedoria, para adquiri-la entrando na “casa de instrução” (v. 31[23]), na escola rabínica.

 

Evangelho: Mc 11,27-33

Depois de entrar em triunfo na cidade de Jerusalém e “purificar” o templo, tirando o comércio do átrio do santuário, os responsáveis pelo templo “ouviram disso” (v. 18), mas reagem só no próximo dia. Depois da conversa com os discípulos sobre a fé (vv. 22-25), Jesus enfrenta a descrença e a hostilidade dos poderosos.

No evangelho de hoje, as autoridades em Jerusalém tentam fazer uma armadilha para desmoralizar a autoridade de Jesus diante do povo que o tinha aclamado messias dois dias antes. Mas Jesus usa o mesmo truque: Se as autoridades responderem, eles ficarão desmoralizadas.

Jesus e os discípulos foram de novo a Jerusalém. Enquanto Jesus estava andando no Templo, os sumos sacerdotes, os mestres da Lei e os anciãos aproximaram-se dele e perguntaram: “Com que autoridade fazes essas coisas? Quem te deu autoridade para fazer isso?” (vv. 27-28).

De Betânia, onde costumavam passar a noite, “Jesus e os discípulos foram de novo a Jerusalém” (cf. 11,1.12.15.19s; 14,1.13.17). Ele “estava andando (lit. circulando) no Templo”, talvez ensinando o povo (cf. v. 18; 12,14.35.38), assim escrevem Mt 21,23 e Lc 20,1.

“Os sumos sacerdotes, os mestres da lei e os anciãos” (cf. 8,31) são os três grupos do Supremo Tribunal dos judeus (sinédrio) que condenarão Jesus à morte (14,53-65; 15,1). O sinédrio mantinha uma guarda do templo com um oficial (cf. At 4,1). Mc deve pensar num grupo de representantes (não em todos os conselheiros) que se aproximam de Jesus perguntando: ”Com que autoridade fazes estas coisas? ”

A pergunta é vaga e genérica. Pelo contexto próximo, pode limitar-se à purificação do templo que Jesus realizou no dia anterior; pelo contexto mais amplo, parece abranger o conjunto de sua atividade, inclusive os milagres e seu ensinamento (cf. Mt 21,23: Lc 20,1).

Já em 1,22.27 se falava da “autoridade” do ensinamento de Jesus, diferente dos escribas. Ele a tem para curar e perdoar pecados (2,10) e a deu também aos doze apóstolos para expulsarem demônios (3,15; 6,7).

A pergunta é dupla: “Com que autoridade … Quem te deu autoridade?” Jesus não tinha estudado a Lei na faculdade de Jerusalém, portanto não tinha a autoridade de um rabino ordenado. Pergunta-se então da forma e origem de sua suposta autoridade. Os adversários o desafiam a declarar a origem da sua autoestima. Se Jesus disser “de Deus”, ele devia provar isso. O evangelista já contou muitos milagres como provas disso. Mas as autoridades descrentes procuram um motivo para acusá-lo como profeta falso.

No AT, os falsos profetas (cf. Jr 14,13-16; 23,9-40; 28; Ez 13,1-16) arrogavam-se a autoridade de enviados de Deus; inventavam profecias seguindo sua inspiração. Diziam oráculo do Senhor quando o Senhor não os enviava, quando o Senhor não falava. De modo semelhante, as falsas profetisas arrogavam-se a autoridade para “destinar à vida ou à morte” (Ez 13,17-23). De fato, Jesus será julgado pelo sinédrio na base da lei Dt 13,2-6 sobre os falsos profetas (cf. Mc 14,65).

Jesus respondeu: “Vou fazer-vos uma só pergunta. Se me responderdes, eu vos direi com que autoridade faço isso. O batismo de João vinha do céu ou dos homens? Respondei-me” (vv. 29-30).

A pergunta dupla dos adversários apontou para a autoridade messiânica de Jesus, que os interlocutores negam de antemão. Para eles, incrédulos, se Jesus se arroga essa autoridade, é impostor, comete delito. Impossível convencer a quem se nega a crer, depois de tudo o que viu e ouviu.

Por isso, Jesus não responde com uma afirmação, mas faz outra pergunta, que se pode entender como um desaforo no contexto político histórico. As autoridades têm direito de pedir credenciais a quem se apresenta como Jesus o faz: Os interlocutores representam o braço eclesiástico (sacerdotes), o braço civil (anciãos, ou seja, senadores), a autoridade doutrinal (mestres, letrados). Porém, de onde lhes vem a autoridade? (Uma resposta está na parábola seguinte em 12,1-12, evangelho de amanhã; cf. Jo 19,11).

Por isso Jesus responde, no estilo rabínico, com outra pergunta que transfere o assunto para a autoridade de João Batista. A concentração da questão em “uma só pergunta” acirra e demonstra a segurança de Jesus. Sua pergunta desarma seus opositores com um dilema: “O batismo de João vinha do céu ou dos homens?” (v. 30) O “céu” é para os judeus da época uma das maneiras de designar Deus sem pronunciar seu nome inefável (Dn 4,23: 1Mc  3,18).

Aqui Jesus não se declara discípulo de João, mas está em sintonia dele. Quem reconheceu o batismo de João deixou se batizar por ele, como Jesus. No caso dele, o Espírito “vinha do céu” sobre ele e o impeliu para iniciar sua missão (cf. 1,11). Mas aqui Jesus não aponta no seu Espírito, mas na autoridade de profeta verdadeiro, a missão de João vinha de Deus.

Eles discutiam entre si: “Se respondermos que vinha do céu, ele vai dizer: “Por que não acreditastes em João?” Devemos então dizer que vinha dos homens?” Mas eles tinham medo da multidão, porque todos, de fato, tinham João na qualidade de profeta. Então eles responderam a Jesus: “Não sabemos.” E Jesus disse: “Pois eu também não vos digo com que autoridade faço essas coisas” (vv. 31-33).

A pergunta de Jesus apertou os adversários de modo que precisavam debater o assunto “entre si”. Seu julgamento não se baseia em convicção, mas conveniência tática.

Se admitissem a origem divina do batismo de João, eles se confessariam desobedientes a Deus porque não se batizavam. Se negassem a origem divina desse batismo, enfrentariam a opinião do povo. O Batista foi morto por Herodes (6,17-29), mas isso só podia ter aumentado a estima do povo por ele, ”todos, de fato, tinham João na qualidade de profeta”. Jesus também é considerado profeta pelo povo (6,14s; 8,28), mas também é o messias (“Cristo”, cf. 1,1; 8,29; 14,61s).

No batismo de João, tomado em seu conjunto, está implícita a justificação: porque preparava a vinda do Messias, porque dera ocasião ao testemunho do Pai (a voz do céu no batismo, cf. 1,10). O batismo e João estavam em função de Jesus Messias. Esse dilema funciona muito mais com Jesus, em que eles tão pouco creem, mas temem o povo, “tinham medo da multidão” (v. 32; cf. 11,18; 12,12; 14,2; Lc 20,19).

A pergunta de Jesus fica sem resposta e, conforme as regras, ele também não precisa responder. Os adversários foram vencidos nesta questão, mas não desistem. Assim se inicia a sequência de controvérsias de Jesus com seus adversários em Jerusalém (11,27-12,40).

O site da CNBB comenta: O Evangelho de hoje nos mostra os sumos sacerdotes, os fariseus e os doutores da lei questionando Jesus sobre sua autoridade. Muitas vezes, vemos pessoas que duvidam das verdades da fé e questionam o próprio Deus sobre a legitimidade de suas ações e de seus princípios, mas se formos analisar mais a fundo a vida das pessoas que manifestam tal atitude, veremos que na verdade as suas vidas é que apresentam aspectos contraditórios porque os seus princípios de vida não são legítimos. Essas pessoas querem, na verdade, legitimar a sua vida marcada pelo erro e pelo pecado, por princípios que, na verdade, encontram o seu fundamento unicamente no egoísmo.

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