29 de Novembro de 2020, 1º Domingo do Advento: Vigiai, portanto, porque não sabeis quando o dono da casa vem

 1º Domingo do Advento 

“Advento” quer dizer “vinda”. Estamo-nos preparando para comemorar a vinda de Jesus, o Natal de 2000 anos atrás, mas o 1º Domingo do Advento, com o qual se inicia o ano litúrgico, nos convida a olhar para o futuro, para a segunda vinda de Jesus (parusia), a revelação no dia do Senhor no fim dos tempos (2ª leitura, evangelho)

1ª Leitura: Is 63,16b-17.19b; 64,2b-7

A 1ª leitura é do profeta Isaías. Ele é o profeta do advento, as leituras dos dias da semana deste tempo apresentam uma sequência de Isaías, e não dos evangelhos como de costume. Também nos primeiros três domingos do Advento e no próprio Natal a 1ª leitura é de Isaías.

O Terceiro Isaías (caps. 56-66) escreve na volta do exílio (entre 520 e 440 a.C.). O povo voltou à terra de Israel, mas está com muitas dificuldades. Isaías lembra-se das antigas maravilhas de Deus com saudade, mas também dos pecados do povo com arrependimento. Apresenta uma súplica mais antiga no estilo de Salmo em quatro partes: meditação histórica (63,7-14, omitida pela nossa liturgia); invocação a Deus Pai (63,15-19a); pedido por uma manifestação de Deus (63,19b-64,4a); confissão do pecado (64,4b-11).

A Bíblia de Jerusalém (p. 1465) comenta o conjunto: O longo poema (63,7-64,11) tem a forma de salmo de súplica coletiva (cf. especialmente Sl 44 e 89 e Lamentações).

Senhor, tu és nosso Pai, nosso redentor; eterno é o teu nome (63,16b).

Hoje ouvimos uma oração, que começa quase igual ao Pai Nosso, chamando Deus de “nosso Pai” (novamente em 64,7) e louvando seu santo “Nome”.

No antigo Israel, o “redentor” (cf. 41,14) ou defensor era aquele que reivindicava um direito que um de seus parentes próximos já não podia exercer por si mesmo (Lv 25,25; Nm 35,19; Rt 2,20; 4,4; Jó 16,18-21; 19,25). Depois se aplica-se muitas vezes a Deus, salvador do seu povo e vingador dos oprimidos. Os rabinos do judaísmo aplicaram este termo ao messias (em grego: Cristo).

Na sua tradução normativa para Igreja Católica (Vulgata), S. Jerônimo traduziu o original hebraico go’el por redemptor (= resgatador), e o latim passou as nossas línguas. Os cristãos aplicaram o título ao Cristo que nos livra da culpa (com seu próprio sangue) e nos reconcilia com Deus. Umas das imagens mais famosas do Brasil e do mundo é o Cristo Redentor em Rio de Janeiro (1931). O título da primeira encíclica do papa João Paulo II foi “Redemptor hominis” (redentor do homem), escolhido depois como lema episcopal por Dom Ricardo Weberberger (Barreiras-BA, 1979).

A Bíblia do Peregrino (p. 1097) comenta: O vingador é uma instituição jurídica antiga. Um membro da família, do clã, da tribo, por graus, está obrigando a vingar seu próximo. Em caso de assassinato, matando o culpado, Dt 19,6-12 (a legislação antiga não admite compensação). O ato e a obrigação de vingar baseiam-se em laços de solidariedade. Deus assume essa função com relação a Israel (ver sobretudo o Segundo Isaías). Nosso texto se refere ao vingador de sangue, e o ato da vingança deve consistir em provar a inocência da vítima.

Se o nome de Deus (Yhwh) é eterno, ele continua sendo pai e redentor para seu povo, mesmo depois do pecado de Israel que o levou ao exílio na Babilônia.

Os judeus costumam chamar Deus de Senhor (tradução do Nome Yhwh), ou Rei, Juiz, Criador. Ele não é só criador, oleiro do gênero humano (64,7; 29,16; Gn 2,7; Jr 18,1-6), mas acompanha seu povo na história, considerando Israel seu Filho primogênito (Ex 4,22; Os 11,1; Dt 1,31; 14,1), e depois também o Messias como Filho de Deus (2Sm 7,14; 1Cr 17,13; Sl 2,7; 89,31-34; 110,3 grego). Referir-se a um deus como pai era comum no Antigo Oriente, mas raramente no AT, Deus é chamado de Pai explicitamente, como aqui numa oração (cf. Dt 32,6; Sl 89,27; Is 64,7; Jr 3,19; 31,9; Ml 2,10s). Jesus demonstrará tanta intimidade com Deus ao ponto de chamá-lo de Papai (“Abba”, cf. Mc 14,36; Rm 8,15; Gl 4,6).

Como nos deixaste andar longe de teus caminhos e endureceste nossos corações para não termos o teu temor? Por amor de teus servos, das tribos de tua herança, volta atrás (63,17).

De volta na pátria, os exilados encontraram ainda muitas dificuldades: o lugar do templo ainda estava em ruinas; os samaritanos se opuseram à reconstrução do templo etc. (cf. v. 18; Esd 4) Segunda a mentalidade da época, a situação de desgraça é provocada pelo pecado do povo, este, porém, confessa os desvios e a dureza do coração (cf. 64,4b-6), e pede perdão e nova intervenção de Deus (cf. Lm). De um lado destaca-se a dependência total de Deus (“temor”), do outro lado o afeto e o “amor” filial (cf. 1Jo 4,18).

A Bíblia do Peregrino (p. 1832) comenta: A primeira pergunta parece tornar o Senhor culpado pelo pecado do povo. É pergunta retorica e sincera. Como se não pudessem entender essa dureza interior que mantêm e sofrem, que lamentam e não conseguem extirpar; até imaginar que há de ser Deus o autor dessa força superior às suas forças. Onde fica o coração de carne (Ez 36,26)?

Ah! se rompesses os céus e descesses! As montanhas se desmanchariam diante de ti. Desceste, pois, e as montanhas se derreteram diante de ti (63,19b; 64,2b)

Isaías deseja uma intervenção com maior aproximação de Deus: “Ah! Se rompesses os céus e descesses!” (19b). Naquela época imaginava-se o céu como uma placa firme (“firmamento”) que segura as águas de cima (cf. Gn 1,6-8). No batismo de Jesus, “o céu se rasgou e o Espírito desceu” (Mc 1,10) e na morte de Jesus, “a cortina do santíssimo (no templo) rasgou-se” (Mc 15,38).

“As montanhas se desmanchariam diante de ti”. O poder de Deus sobre a criação dá esperança de que as coisas possam mudar, que os obstáculos se desfaçam, mesmo parecendo insuperáveis, e “seu fogo destrua os adversários… Aí hão de tremer as nações” (64,1). No Sinai, Javé Deus desceu no fogo e houve terremoto (Ex 19,18).

A Bíblia do Peregrino (p. 1832) comenta: Confessado o pecado, com proposito de conversão, o povo esperava a salvação. Para isso pede um advento ou teofania, com seu acompanhamento cósmico e seu consequente efeito sobre os inimigos (Sl 68,2-3; Mq 1,3-4).

Nunca se ouviu dizer nem chegou aos ouvidos de ninguém, jamais olhos viram que um Deus, exceto tu, tenha feito tanto pelos que nele esperam (v. 3).

Paulo cita este v. quando fala da sabedoria divina (1Cor 2,9). A Bíblia de Jerusalém (p. 1467comenta: São Paulo (1Cor 2,9) parece citar este texto numa formula de melhor ritmo: “o que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram …”. É difícil afirmar se ele cita por alto ou se possuía um texto de Isaias diferente do nosso.

No exílio da Babilônia, o Segundo Isaías enfatizou o monoteísmo exclusivo, não há “um Deus, exceto tu” (cf. 45,5). No mesmo período do Segundo a terceiro Isaías, o livro de Dt recebeu uma nova introdução (Dt 1,1-4,43) que afirma a mesma coisa (cf. Dt 4,32.35.39), o evento único do êxodo e a manifestação do único Deus no Sinai por amor a seu povo ao qual deu a terra de Israel.

Vens ao encontro de quem pratica a justiça com alegria, de quem se lembra de ti em teus caminhos. Tu te irritaste, porque nós pecamos; é nos caminhos de outrora que seremos salvos (v. 4).

É incerto onde colocar a pausa, por causa do texto difícil de 4a. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 701) comenta: Versículo difícil; parece que a metáfora do caminho lhe está subjacente e o explica: Deus prepara o seu encontro (4a) para aqueles que “dele” se lembrem nos “caminhos” (4b); seus filhos o irritam ao se desviar (4c); mas se voltarem “a estes (caminhos)” de outrora, serão salvos (4d). Os caminhos de outrora são com efeito os caminhos seguros traçados pelos ancestrais fiéis: Jr 6,16; 18,15; Sl 139,24.

A Bíblia do Peregrino (p. 1833) comenta: O texto hebraico diz: “em teus caminhos se recordam de ti”. Este versículos pode ser unido ao seguinte como fundo de contraste: com o honrado és benévolo, com nos pecadores estavas irado. A segunda frase é muito duvidosa. Outras leituras: “desde antigamente e nos rebelamos”, “quando te ocultavas…”

Todos nós nos tornamos imundície, e todas as nossas boas obras são como um pano sujo; murchamos todos como folhas, e nossas maldades empurram-nos como o vento. Não há quem invoque teu nome, quem se levante para encontrar-se contigo, escondeste de nós tua face e nos entregaste à mercê da nossa maldade (vv. 5-6).

“Nossas boas obras são como pano sujo”, lit. panos menstruais; cf. Lv 12,2; 15,19-33; Lm 1,8.17. “Nos entregaste à mercê da nossa maldade”, lit.: tu nos fizeste amolecer na mão da nossa iniquidade.

A Bíblia do Peregrino (p. 1833) comenta: O pecado é a mancha que profana repugnância, é o contágio que faz o homem murchar; e depois, como vento escatológico, o arrebata. Romperam-se as relações, e o Senhor sanciona a ruptura ocultando o rosto. Entrega o homem ao poder do seu maior inimigo: sua culpa (Rm 1,26).

Assim mesmo, Senhor, tu és nosso pai, nós somos barro; tu, nosso oleiro, e nós todos, obra de tuas mãos (v. 7).

A Bíblia do Peregrino (p. 1833) comenta: Ao título paterno, decisivo, se acrescenta a imagem artesã do oleiro: ver Gn 2; Is 29,16; 45,9; Jr 18; Sl 103,13-14.

O autor alude à criação de Adão do barro por Deus como se fosse um artesão, um “oleiro” (Jr 18,1-6; os deuses egípcio também formaram o gênero humano da argila). Assim Deus é pai e nós somos pó da terra (29,16). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 701) comenta: A argila humana cai na desagregação quando é o pecado que a toma nas mãos (v. 6); e ela recobra a consistência quando é Deus que, na sua mão, a modela; cf. Is 29,16; 45,9-11; Jr 18,1-6; Jó 10,9; Rm 9,2-24.

Estamos iniciando novo ano litúrgico, entrando no Advento, tempo de renovar as esperanças, na expectativa da vinda de Jesus, preparando-nos para a celebração do Natal.

Diante do sofrimento, o povo relembra o passado com suas horas tristes e seus momentos de esperança, e dirige sua súplica a Deus, Pai e protetor de Israel, único que pode libertar seu filho da miséria. Para o povo, a libertação é uma questão de honra para Javé: que ele perdoe os filhos humilhados e lhes reavive a esperança.

Mesmo com as infidelidades dos seus filhos, o Pai permanece fiel à aliança de amor. Ele perdoa e protege os pecadores arrependidos; está próximo de quem pratica a justiça e age em favor de quem espera nele. Deus Pai nos educa e nos transforma: nós somos a argila, e ele é o oleiro (v. 7). A súplica transforma-se em arrependimento pelas transgressões, com firme propósito de emendar-se e deixar-se moldar por Deus Pai: “Tu és nosso Pai, nós somos a argila; e tu és o nosso oleiro, todos nós somos obras de tuas mãos” (64,7). Essa bela confissão pode muito bem tornar-se, para cada um de nós, um caminho de espiritualidade neste tempo de Advento e na caminhada ao encontro definitivo com Deus.

Deixemo-nos transformar pela Mão de Deus. Queremos estar seguros nas mãos de Deus, mas oferecemos muitas vezes resistência. Deus quer nos formar através da sua Palavra. Nos encontros eclesiais exige-se mais formação. Mas quando é oferecida, só poucas pessoas participam, por ex. nos Círculos Bíblicos. Deixemos as nossas resistências e durezas, deixemo-nos transformar pelas mãos de Deus e formar pela Palavra de Deus.

 

2ª Leitura: 1Cor 1,3-9

As segundas leituras no Advento não são uma sequência da mesma carta, mas foram escolhidas para combinar com o tema da vinda de Cristo. Hoje ouvimos parte da saudação inicial (v. 3) e a ação de graças (vv. 4-9) de 1Cor, na qual se anuncia a palavra e a sabedoria cristã, os dons ou carismas cristãos e a perseverança até o final no “Dia do Senhor”.

Paulo escreveu esta primeira carta aos Coríntios por volta de 56 d.C. quando estava em Éfeso. A Bíblia Pastoral comenta na introdução: Corinto era uma rica cidade comercial, com mais de 500.000 habitantes, na maioria escravos. Nesse porto marítimo se acotovelava gente de todas as raças e religiões à procura de vida fácil e luxuosa, criando ambiente de imoralidade e ganância. A riqueza escandalosa de uma minoria estava ao lado da miséria de muitos. Surgiu, inclusive, uma expressão: «Viver à moda de Corinto», que significava viver no luxo e na orgia. Paulo, entre os anos 50 e 52, permaneceu aí durante dezoito meses (At 18,1-18) e fundou uma comunidade cristã formada por pessoas da camada mais modesta da população (1Cor 1,26-28).

Nossa liturgia de hoje omite os vv. 1-2 da saudação inicial, na qual Paulo se apresenta como “apóstolo de Jesus Cristo” e seu companheiro e coautor Sóstenes (talvez o ex-chefe da sinagoga de At 18,16). A Bíblia do Peregrino (p. 2738) comenta: A introdução à carta contém, como de costume, saudação e ação de graças. Na saudação mencionam-se remetente e destinatários; a ação de graças é específica nesta carta … Nota-se também a presença dominadora de Jesus Cristo, mencionado nove vezes em nove versículos mais um pronome: todo o sentido do evangelho é orientar para a pessoa de Jesus Cristo.

Para vós, graça e paz, da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo (vv. 1-3).

Na saudação (vv. 1-3), a vocação do apóstolo, a fraternidade (v. 1), a santidade da assembleia (“igreja”) destinatária, a unidade de toda a igreja em Cristo (v. 2) e o augúrio de graça e paz (v. 3; cf. Rm 1,1). “Graça e paz” une a saudação grega (charis; cf. Lc 1,28) com a hebraica (shalom) numa dimensão nova.

Dou graças a Deus sempre a vosso respeito, por causa da graça que Deus vos concedeu em Cristo Jesus: Nele fostes enriquecidos em tudo, em toda a palavra e em todo o conhecimento, à medida que o testemunho sobre Cristo se confirmou entre vós. Assim, não tendes falta de nenhum dom, vós que aguardais a revelação do Senhor nosso, Jesus Cristo. É ele também que vos dará perseverança em vosso procedimento irrepreensível, até ao fim, até ao dia de nosso Senhor, Jesus Cristo (vv. 4-8).

A costumeira ação de graças se concentra em dons particulares com que foram enriquecidos: “Não tendes falta de nenhum dom” (v. 7), lit. nenhum carisma. O apóstolo se ocupa muito dos carismas diversos nesta carta (caps. 12 e 14). Estes têm uma função no presente, mas ficam orientados e submetidos à “revelação” (lit. apocálipsis) última de Jesus Cristo, quando chegar “seu dia” (cf. Am 5,18; Jl 3,4).

Trata-se da manifestação gloriosa do fim dos tempos, da sua parusia (segunda vinda de Cristo no fim dos tempos). Outro nome para designar a mesma realidade denominada de “revelação” no v. 7 (cf. 3,13 e 5,5) é o “Dia do Senhor”, uma expressão que vem do AT (cf. Am 5,18). Nos momentos supremos da revelação dos secretos desígnios de Deus (Rm 16,25), Cristo se revelará em sua glória no fim dos tempos (Mc 13,24-27p) por ocasião da sua “vinda” (parusia, 1Cor 15,23) e da sua “aparição” (1Tm 6,14; cf. Lc 17,30; Rm 2,5; 8,19; 2Ts 1,7; Hb 9,28; 1Pd 1,5.7.13; 4,13; Ap 1,1).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2147) comenta: Esse “Dia do Senhor” (5,5; 2Cor 1,14; 1Ts 5,2; 2Ts 2,2; cf. 2Pd 3,10) é também chamado “o Dia de Cristo” (Fl 1,6.10; 2,16), ou simplesmente “o Dia” (1Cor 3,13; 1Ts 5,4; cf. Hb 10,25), “aquele dia” (2Ts 1,10; 2Tm 1,12.18; 4,8; cf. Mt 7,22; 24,36; Lc 10,12; 21,34), “o Dia do Filho do Homem” (Lc 17,24; cf. 26), “o Dia de Deus” (2Pd 3,12), “o Dia da Visita” (1Pd 2,12), “o grande Dia” (Jd 6; Ap 6,17; 16,14), “o último Dia” (Jo 6,39.40.54; 11,24; 12,48). É o cumprimento, na era escatológica inaugurada por Cristo, do “Dia de Iahweh” anunciado pelos profetas (Am 5,18). Já, em parte, realizada pela primeira vinda de Cristo (Lc 17,20-24) e a punição de Jerusalém (Mt 24,1), essa última etapa da história da salvação (cf. At 1,7) será consumada pela volta gloriosa (1Cor 1,7; 15,23; 1Tm 6,14) do Soberano Juiz (Rm 2,6; Tg 5,8-9). Será acompanhada da reviravolta e renovação cósmicas (cf. Am 8,9; Mt 24,29p; Hb 12,26s; 2Pd 3,10-13; Ap 20,11; 21,1; cf. Mt 19,28; Rm 8,20-22). Esse dia de luz aproxima-se (Rm 13,12; Hb 10,25; Tg 5,8; 1Pd 4,7; cf. 1Ts 5,2-3). A data desse dia é incerta (1Ts 5,1); é preciso preparar-se para ele durante o tempo que resta (2Cor 6,2).

“À medida que o testemunho sobre Cristo se confirmou entre vós” (v. 6); este “testemunho de (ou sobre) Cristo” equivale ao evangelho proclamado, que recebeu confirmações com os carismas na comunidade e que por sua vez confirmará os que creem. Pode ser uma alusão aos milagres que acompanharam a pregação de Paulo.

“Vos dará perseverança em vosso procedimento irrepreensível”, cf. Fl 1,10; 2,15s; Ef 1,4; Cl 1,22; 1Ts 3,13; 5,23; Jd 24.

Deus é fiel; por ele fostes chamados à comunhão com seu Filho, Jesus Cristo, Senhor nosso (vv. 9).

A fidelidade de Deus à sua promessa, tema dominante do AT, realiza-se no apelo aos seres humanos para estarem em comunhão com o Cristo, para participarem da sua filiação e da sua vida. “Deus é fiel” (título divino em Dt 7,9; Is 49,7) para concluir ao que havia começado (Sl 138,8; cf. 1Cor 10,13; 2Cor 1,18; 1Ts 5,24; 2Ts 3,3, 2Tm 2,13; Hb 10,23; 11,11).

Os cristãos entram em “comunhão” com o Filho de Deus e por ele com o Pai (1Jo 1,3). O posicionamento cristológico e eclesiológico (doutrina a respeito de Cristo e da Igreja) dessa introdução marca e orienta toda a carta.

A palavra koinonia (comunhão) tornou-se característica da comunidade cristã (cf. At 2,42; 4,32-35; Gl 2,9). Ela tem sua fonte em realidades possuídas em comum por diversas pessoas, sejam realidades espirituais ou materiais. Entre cristãos, os bens materiais nunca ocorrem sem os bens espirituais (Rm 15,26s; 2Cor 8,4; 9,13; Gl 6,6; Fl 4,15-17). Existe participação em ações ou sentimentos (2Cor 1,7; 6,4; 1Tm 5,22; 2Jo 11; Ap 1,9). A comunhão da qual se derivam todas as demais dá participação nos bens divinos (1Cor 9,23; Fl 1,5; Fm 6), une os cristãos ao Pai e a seu Filho (v. 9; 1Jo 1,3.7), ao próprio Cristo (1Cor 10,16; Fl 3,10; 1Pd 4,13), ao Espírito (2Cor 13,13; ; Fl 2,1) e nos faz participar da glória futura (1Pd 5,1). Como Cristo teve comunhão com nossa natureza humana (Hb 2,14; Jo 1,14), nós temos comunhão com a natureza divina (2Pd 1,4; Jo 1,12s).

Já na introdução da 2ª leitura Paulo expressa uma ação de graças a Deus e incentiva os cristãos à fidelidade ao Senhor Jesus Cristo. A graça de Deus foi derramada abundantemente. sobre todos nós por meio do seu Filho, Jesus. Paulo constata o efeito dessa graça no comportamento dos cristãos de Corinto.

Desde o início, Paulo já salienta o aspecto da unidade, que é um dos temas fundamentais da carta: o único Senhor das igrejas é Jesus Cristo.

A comunidade de Corinto era formada, em sua maioria, por gente que não era sábia segundo a lógica do mundo, não era poderosa e não tinha prestígio social. Mas a evangelização da comunidade de Corinto foi completa: ela recebeu a riqueza do Evangelho e da sabedoria da vida cristã. Este é outro tema importante da carta. Resta à comunidade perseverar no testemunho de Jesus Cristo até o fim. Também a nós, hoje, Deus concede todos os dons da sua graça para sermos irrepreensíveis na esperança da plena revelação de Cristo.

Evangelho: Mc 13,33-37

No evangelho deste primeiro domingo não estamos olhando para atrás, para o nascimento de Jesus há 2000 anos, mas para frente, a segunda vinda (parusia) de Cristo no final dos tempos, dando continuidade às leituras das semanas passadas. É o final do cap. 13 de Marcos.

Hoje começa o ano B do calendário litúrgico, quer dizer, que na maioria dos domingos ouviremos o evangelho de Mc. É o mais antigo dos quatro evangelhos, não se sabe se foi João Marcos o autor, um companheiro de Paulo e intérprete de Pedro em Roma (cf. At 12,12.25; 13,13; 1Pd 5,13). Nenhum dos evangelistas assinou com seu nome, só no segundo século procurava-se nomes no âmbito dos apóstolos para designar quem poderia ter escrito os evangelhos. Uma coisa, porém, é certa (provada pelas análises literárias da ciência bíblica, “exegese”): O evangelho segundo Mc é o primeiro. Mt e Lc já usaram este evangelho como modelo. Mc deve ter escrito por volta do ano 70 d.C., porque Mc 13 apresenta o último discurso de Jesus falando sobre as tribulações no fim do mundo e do templo.

Um acontecimento histórico está por trás das reflexões contidas neste capítulo 13: a profanação e destruição do Templo (v. 14) e da cidade de Jerusalém pelo exército romano, na guerra Judaica no ano 70. Foi enorme o impacto desta catástrofe que arrasou os símbolos maiores da fé judaica, provocou a morte de inúmeras pessoas e forçou a fuga de quem conseguiu se salvar. Muita gente do povo foi pega de surpresa. A comunidade de Marcos extrai desse acontecimento, à luz da fé em Jesus Cristo, importantes lições que orientam o modo de viver dos cristãos. Trata-se de uma exortação para a vigilância. Por três vezes, nesse pequeno texto, aparece o imperativo: “vigiai!”

Cuidado! Ficai atentos, porque não sabeis quando chegará o momento (v. 33).

As alusões à profanação do templo de Jerusalém pelos romanos (v. 14) deixam entrever a data da redação do evangelho (por volta de 70 d.C.). Mc vive neste tempo de guerra e horrores e neste discurso mistura os acontecimentos históricos (destruição do templo) com as expectativas apocalípticas (fim do mundo, vinda do messias do céu, o “Filho do Homem”, já predito por Dn 7,13s).

A frase anterior à nossa leitura disse: “Quanto àquele dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem o Filho, mas somente o Pai” (v. 32). No gênero apocalíptico se gastava tempo e energia para decifrar e calcular o fim (ainda há seitas que tem esta pretensão).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1244) comenta: A comunidade cristã não deve ficar fazendo cálculos sobre o tempo em que se darão esses eventos que foram anunciados. O que importa é que a esperança depositada no Filho do Homem não leve a comunidade a nenhuma atitude que conduza ao afastamento dos seus compromissos.

Daí o apelo ao cuidado e à vigilância nos vv. 9.23.33.35.37.

É como um homem que, ao partir para o estrangeiro, deixou sua casa sob a responsabilidade de seus empregados, distribuindo a cada um sua tarefa. E mandou o porteiro ficar vigiando. Vigiai, portanto, porque não sabeis quando o dono da casa vem: à tarde, à meia-noite, de madrugada ou ao amanhecer. Para que não suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo (v. 34-36).

Quatro vigílias, cada uma de três horas, dividiam a noite: “à tarde, à meia-noite, de madrugada ou ao amanhecer”. Como em vários outros momentos, o evangelista faz uso da parábola (recurso que Jesus usava frequentemente) para despertar a atenção e levar à reflexão e a conclusões pessoais. Os “empregados” e o “porteiro” (S. Pedro na tradição cristã) são os membros da comunidade, convocados a não “adormecer” (seduzidos pelas propostas de um mundo afastado de Deus) nem desanimar diante das perseguições (vv. 9-13) e de todos os tipos de dificuldades.

Uma dessas dificuldades, evidentes no evangelho de Marcos, é a disputa interna pelo poder, como podemos constatar nos três anúncios da Paixão (8,31-38; 9,30-37; 10,32-45). Jesus insiste na prática do serviço: “Aquele que dentre vós quiser ser grande seja o vosso servidor, e aquele que quiser ser o primeiro dentre vós seja o servo de todos” (10,43s).

Quem leva a sério essas palavras de Jesus é “servo vigilante”. Não precisa temer a hora em que voltará o Senhor…

A Bíblia do Peregrino (p. 2436) comenta: Conclusão de tudo é um convite a vigiar como atitude básica do cristão. A breve parábola procura sublinhá-lo com os detalhes gráficos do porteiro sonolento: “guardas caídos, amigos do sono” (cf. Is 56,10). Servos, patrão e casa apontam para a comunidade cristã. A nova páscoa inaugura para o cristão uma noite de vigília (Ex 12,42), até que amanheça o dia da parusia.

O que vos digo, digo a todos: “Vigiai!” (v. 37).

O capítulo 13 de Mc é um discurso de Jesus para quatro discípulos (vv. 1-4). Agora se dirige “a todos”, sejam os outros discípulos, os outros cristãos da época de Mc e os leitores do tempo atual. A exortação de Jesus é, em primeiro lugar, para os discípulos que se encontram ao seu redor, mas também para todos os que viriam depois deles.

Mas na interpretação deve se procurar primeiro o sentido original, ou seja, o que o autor bíblico queria dizer aos seus leitores da época. Só a partir daí, levando em conta o contexto histórico, podemos interpretar o texto de maneira correta e tirar conclusões para os nossos contemporâneos.

Uma interpretação fundamentalista, porém, quer pular este passo importante (analisar o contexto e a intenção do autor), e logo aplicar aos leitores e circunstâncias atuais. Nesta interpretação, a Palavra de Deus pode ser mal entendido, a luz da Palavra torna-se um curto circuito, ou seja escuridão.

Hoje a Palavra de Deus é dirigida a todos nós que temos a graça de ouvi-la e praticá-la. O evangelho não é apenas um relato do passado (biografia de Jesus), mas uma orientação para o presente, em vista do futuro que se espera (volta de Cristo com seu reino).

Devemos vigiar, no sentido de ficar atentos aos sinais da nossa saúde para não ser surpreendidos por uma doença latente. Devemos ficar atentos aos “sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho” (Vaticano II GS 4; cf. GS 11; 44; PO 9; 18; AA 14; DH 15; por ex. observar as mudanças climáticas na nossa casa comum, o planeta terra (aquecimento global), vigiar e fiscalizar nossos representantes, os políticos, para não cair numa “conversa para o boi dormir” e de tanta propaganda não ver os sinais da crise.

Devemos vigiar como cristãos também neste tempo de Natal, que dizer, ficar atentos para que esta festa não perca seu sentido espiritual. Muitas pessoas acham que Natal é só comer, beber, comprar e mais comprar ainda – nunca é suficiente. Há de pensar também naqueles que não podem comprar porque não tem condições. Graças a Deus muitas pessoas sentem compaixão nestes dias, doando cestas básicas. Mas isso não pode ser só no Natal, precisa no ano todo. Uma preparação para Natal deve ser também espiritual, fazendo orações, junto com seus familiares e vizinhos na Novena de Natal (livretos a disposição). Assim seremos vigilantes atentos ao Cristo que vem, deixando nos transformar e renovar por Deus, nosso Pai e Redentor.

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