29 de setembro de 2017 – Sexta-feira, Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael

Os anjos são sinais da presença ativa de Deus na história. Além do “anjo do Senhor” que significa o próprio Javé Deus aparecendo aos seres humanos, sabemos os nomes hebraicos de três anjos que têm papel importante na Bíblia.

O nome Miguel significa “quem como Deus?” é o arcanjo que se insurgiu contra satanás e seus seguidores (Jd 9; Ap 12,7; cf. Zc 3,1-2). É defensor dos amigos de Deus (Dn 10,13. 21), protetor do seu povo (Dn 12,1). Gabriel quer dizer “força de Deus”. É um dos espíritos que estão diante de Deus (Lc 1,19) e revelou a Daniel os segredos do plano de Deus (Dn 8,16; 9,21-22), anunciou a Zacarias o nascimento de João Batista (Lc,1,11-20) e a Maria, o de Jesus (Lc 1,26-38). O nome Rafael tem o significado de “Deus curou”. É um dos sete anjos que estão diante do trono de Deus (Tb 12,15; cf. Ap 8,2), acompanha e protege, nas peripécias de sua viagem, o jovem Tobias, de quem cura o pai cego. Peregrina na terra, a Igreja se associa às multidões dos anjos que, na Jerusalém celeste, cantam a glória de Deus (cf. Ap 5,11-14; SC 8). O martirológio jeronimiano (século VI) recorda, no dia 29 de setembro, a dedicação da basílica de S. Miguel (século V) na Via Salária em Roma (cf. Missal Romano, p. 665).

 

Leitura: Dn 7,9-10.13-14

A leitura da festa de hoje nos apresenta os “milhares e milhões” (de anjos) que servem a Deus no céu na visão apocalíptica de Daniel. Nos livros proféticos antigos encontramos pregações de profetas enviados por Deus em missão, mas o autor de Dn se esconde atrás de um pseudônimo usando o nome de “Daniel”, um sábio antigo (Ez 14,4-20; 28,3). Os acontecimentos relatados em Dn 11, porém, indicam a verdadeira data desta obra: durante a perseguição do rei selêucida (grego-sírio) Antíoco IV Epífanes entre 167 e 164 a.C.

O livro de Daniel encontra-se na Bíblia grega e latina (e portuguesa) entre os livros proféticos, mas na Bíblia hebraica faz parte dos (outros) “escritos”, ou seja, sapienciais. De fato, é de outro gênero literário do que as pregações dos profetas antigos: Os capítulos 1-6 são narrativos; os capítulos 7-12 apresentam visões apocalípticas (revelações sobre o fim do mundo). Partes do livro estão escritos em aramaico, o que indica uma data mais recente, porque o hebraico estava saindo do uso. As narrativas dos capítulos 13-14 estão escritos em grego e faltam na Bíblia hebraica (e dos protestantes), como também o cântico dos três jovens na fornalha em 3,24-90.

Os caps. 1-6 são histórias edificantes de um jovem sábio na corte do rei (como outros escritos de sabedoria, Est e Tb; um exemplo antigo é a novela de José no Egito em Gn 37-50). O cap. 6 apresenta Daniel na cova dos leões. O cap. 7 é o nexo entre as duas partes do livro e é comentado na visão do cap. 8, mas tem um paralelo no cap. 2 (no sonho do rei Nabucodonosor, quatro reinos são destruídos por um quinto, uma pedra, que representa “o reino de Deus”).

Diferente dos profetas antigos que anunciavam um “dia de Javé” para fazer justiça aos fiéis em Israel (Am 5,18s), o gênero apocalíptico é mais universal e escatológico: O reino de Deus se estenderá sobre todos os povos e será sem fim. Dn 12,2 fala sobre a ressurreição dos mortos para a vida ou o opróbrio eterno. A expectativa do fim do mundo está presente no livro todo (Dn 2,44; 3,33; 4,31; 7,14).

O objetivo do livro de Dn (e do gênero apocalíptico, como também o Ap de João no NT) é sustentar a fé e a esperança dos fiéis perseguidos usando uma linguagem secreta e simbólica que o inimigo não consegue entender de imediato e pode confundir por ex. com uma fábula de animais em cap. 7, pois começa falar de animais ou “bestas-feras” que na verdade significam os reinos pagãos: os babilônios em v. 4; os medas em v. 5; os persas em v. 6 e os gregos em vv. 7-8; os dez chifres são os dez reis selêucidas, o último é o rei arrogante Antíoco IV, perseguidor na época do autor (cf. a interpretação em vv. 15-28; cf. também as bestas-feras em Ap 13). Na visão protestante, a última besta-fera seria a Igreja Católica de Roma com o Papa, polêmica que remonta já a M. Lutero no séc. XVI. O papa daquela época chamou Lutero de Anticristo. Hoje, graças a Deus, as Igrejas Católicas e a Luterana se entendem bem, se respeitam e trabalham juntos no ecumenismo.

Eu continuava olhando até que foram colocados uns tronos, e um Ancião de muitos dias aí tomou lugar. Sua veste era branca como neve e os cabelos da cabeça, como lã pura; seu trono eram chamas de fogo, e as rodas do trono, como fogo em brasa. Derramava-se aí um rio de fogo que nascia diante dele; serviam-no milhares de milhares, e milhões de milhões assistiam-no ao trono; foi instalado o tribunal e os livros foram abertos (vv. 9-10).

Uma besta-fera (reino pagão) sempre destruiu a outra. O último chifre (rei Antíoco IV) proferia ainda “palavras arrogantes” (v. 8), mas a intervenção definitiva de Deus já está se preparando. Acontecerá o juízo de um “ancião de muitos dias” (Deus), cujo “trono” com “rodas como fogo”, ardente e deslumbrante, recorda o do carro divino na visão de Ez 1. O fogo é elemento divino (cf. Gn 15,17s; Ex 13,22; 19,18; 1Rs 18,38s) e serve na separação de metais (separar o ouro de outros elementos menos preciosos, cf. 1Pd 1,7; Ml 3,2s), assim é elemento da justiça divina que separa os bons dos maus (cf. Mt 13,41s.49s). Branco é a cor da pureza (vestes) e da sabedoria (cabelos). Como um rei do antigo oriente, Deus é servido por milhares e milhões (de anjos).

Haverá mais tronos: os santos são convocados a julgar com Ele (cf. Mt 19,28; Lk 22,30; Ap 3,2; 20,4). Nos “livros” do “tribunal” estão registrados todos os atos humanos, bons e maus (cf. Jr 17,1; Ml 3,16; Sl 40,8; 56,9; Lc 10,20; Ap 20,12).

Continuei insistindo na visão noturna, e eis que, entre as nuvens do céu, vinha um como filho de homem, aproximando-se do Ancião de muitos dias, e foi conduzido à sua presença. Foram-lhe dados poder, glória e realeza, e todos os povos, nações e línguas o serviam: seu poder é um poder eterno que não lhe será tirado, e seu reino, um reino que não se dissolverá (vv. 13-14).

Depois da destituição do poder e destruição da última besta-fera (vv. 11s), aparece nas nuvens outra figura, não mais uma fera animal, mas um ser humano, um “filho de homem”, que receberá o “poder, glória e realeza” de um reino “eterno” sobre “todos os povos” e que jamais passará (cf. Lc 1,32s).

Em seguida, nos vv. 17-18 explica-se a visão: “os que receberão o reino são os santos do Altíssimo”, ou seja, os que não desistem da sua fé (interpretação coletiva: povo santo, cf. Ex 19,6; Nm 16,3; Sl 34,10; Is 4,3; 1Pd 2,9), mas depois pode designar também o cabeça e representante deste mesmo povo, o rei-messias (esta interpretação individual já se encontra no Apocalipse de Henoc, um livro apócrifo do judaísmo: o juízo do mundo será entregue a um “filho do homem”; cf. Mt 25,31ss).

Jesus usa muito esse termo para falar de si (Mt 8,20; Mc 2,27p; 13,24p, … ), porque pode significar simplesmente “eu, ser humano” (lit. “filho de Adão”, cf. Sl 8,5; Ez 2,1 etc.) como designar também o messias, juiz e salvador não só de Israel, mas do mundo inteiro. Este, porém, não fará guerra nacionalista como Davi, como os macabeus (contemporâneos do autor de Dn) ou como os zelotes (contemporâneos de Jesus, cf. Barrabás e At 5,36-37). Nos anúncios da sua paixão, Jesus associa este Filho do homem de origem celeste (vindo nas nuvens, cf. Mc 13,26; 14,62) ao sofrimento do Servo de Deus de Is 53 (cf. Mc 8,31p etc.).

No contexto da visão toda de Dn, pode-se afirmar que o Reino de Deus não é tirania nem capitalismo selvagem, não tem feições predadoras como animais bestas-feras, mas tem um rosto humano, onde não valem os poderes do mais fortes, mas os direitos humanos. De maneira semelhante, L. Boff fala de Jesus: “Tal humano, só Deus (pode ser)”. Assim cantamos de Jesus, “rosto divino do homem e rosto humano de Deus”.

 

Evangelho: Jo 1,47-51

No evangelho de João, depois de João Batista conduzir dois de seus discípulos a Jesus (v. 35), e um deles, André trazer seu irmão Simão Pedro (vv. 40-42), Jesus decide partir para a Galileia (nos outros evangelhos só voltou para lá depois que João Batista foi preso, cf. Mc 1,14). Lá ele mesmo chama agora um homem com a palavra “Segue-me” (21,19; cf. Mc 1,17; 2,14). Era Filipe, da mesma cidade de Pedro e André, Betsaida, onde o rio Jordão emboca no mar da Galileia. Filipe, por sua vez chama Natanael que era de Caná (v. 45; 21,2), onde acontecerá o próximo episódio. Parece que Jesus foi convidado ir aos lugares de origem dos discípulos (Betsaida; Caná em 2,1).

Na lista dos apóstolos nos evangelhos sinóticos (Mt 10,3; Mc 3,18; Lc 6,14) não encontra-se o nome Natanael, mas Filipe é o quinto nome, Bartolomeu é o sexto. Provavelmente devido a esta sequência, a tradição da Igreja identificou Bartolomeu com Natanael. Como André em v. 41, Filipe convida o com uma profissão de fé: “Encontramos aquele de quem Moises escreveu na lei e também os profetas, Jesus de Nazaré, o filho de José” (v. 45; cf. Dt 18,15-18; Is 7,14; 9,6; 53; Jr 23,5; Ez 34,23).

O preconceito de Natanael a respeito do povo da roça de Nazaré é geral (cf. Jo 7,40-52; Lc 4,15-29): “De Nazaré pode sair coisa boa?” Filipe convida: “Vem ver” (v. 46; como Jesus no v. 39). O conhecimento de Jesus nasce do encontro com ele e da escuta da sua palavra. Natanael parece desconfiado, mas sério na procura; como Tomé diante da ressurreição (20,24-29).

Jesus viu Natanael que vinha para ele e comentou: “Aí vem um israelita de verdade, um homem sem falsidade”. Natanael perguntou: “De onde me conheces?” Jesus respondeu: “Antes que Filipe te chamasse, enquanto estavas debaixo da figueira, eu te vi”. Natanael respondeu: “Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel” (vv. 47-49).

Jesus conhece misteriosamente todos que dele se aproximam (v. 48; 2,24-25; 4,15-19). O significado da figueira pode ser uma alusão rabínica ao estudo das escrituras (cf. Os 9,10; 1Rs 5,5).

A figura de Natanael deve ser entendida sobre o pano de fundo do patriarca Jacó-Israel, visto por Gn 28; 32 e Os 12: o nome de “Jacó” soa ao ouvido hebreu popular como “falso, traiçoeiro”; viveu fiel ao seu nome armando ciladas para seu irmão (Gn 27,36; Os 12,4), e por isso tinha de fugir. A caminho, numa visão noturna contemplou uma escada ou rampa, que uniu terra e céu, pela qual subiam e desciam mensageiros divinos (Gn 28). Voltando para se reconciliar com seu irmão, em nova visão noturna, ele lutou com Deus, que lhe mudou o nome para “Israel”. Natanael é “israelita de verdade, um homem sem falsidade” (v. 47). Logo ele reconhece Jesus como messias, “Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és rei de Israel” (v. 49; cf. 2Sm 5,1-3; Mt 3,17; 4,2), bem antes das confissões de fé de Pedro e de Marta neste evangelho (6,69; 11,27; cf. Mt 14,33; 16,16p).

Jesus disse: “Tu crês porque te disse: Eu te vi debaixo da figueira? Coisas maiores que esta verás!” E Jesus continuou: “Em verdade, em verdade, eu vos digo: Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem” (vv. 50-51).

Jesus responde com uma revelação dirigida ao grupo (“vos digo”): É ele mesmo a verdadeira rampa que une o céu e a terra (“Filho de Deus”, “Filho do Homem”, cf. Dn 7,13s), o mediador das mensagens celestes e orações humanas. Natanael-Bartolomeu deve ver o Pai agir e habitar no Filho (cf. 14,9). Será unido a ele inclusive na paixão, será humilhado, exaltado na cruz e introduzido na glória de Deus (segunda a tradição sofreu o martírio na Armênia). “Vem ver” (v. 46; cf. v. 39): quem vem a Jesus, “verá coisas maiores”, verá o céu aberto e subirá com aquele que desceu do céu, o enviado do Pai (cf. 3,13-15; 6,37-38; 14,1-9).

Um canto de Pe. Marcelo Rossi lembra este trecho bíblico: “… anjos subindo e descendo sobre o altar.”

O site da CNBB comenta: Muitas vezes, nós nos sentimos espantados com o que conhecemos sobre o poder de Deus, mas devemos ter consciência de que de fato devemos nos maravilhar muito mais, uma vez que não conhecemos quase nada sobre este poder. Uma das grandes manifestações do poder de Deus, e que de fato nos faz fascina, é a existência dos anjos, essas criaturas maravilhosas que assistem diante de Deus e sempre estão presentes também nas nossas vidas, como o caso dos arcanjos que festejamos hoje e que têm a sua existência e a sua ação descritas nas Sagradas Escrituras.

 

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