3 de Dezembro de 2020, Quinta-feira – 1ª Semana do Advento: Esperai no Senhor por todos os tempos, o Senhor é a rocha eterna (v. 4).

1ª Semana do Advento 

Leitura: Is 26,1-6

Este cântico de ação de graças liga-se ao hino de 25,6-9 (escrito no pós-exílio; cf. leitura de ontem) ou é a segunda estrofe do mesmo. Também evoca o monte de Sião. À cidade rebelde (cf. caps. 24-25) se opõe a cidade santa; ao orgulho, o povo justo ou inocente; ao vão esforço, a segura confiança.

Naquele dia, cantarão este canto em Judá: “Uma cidade fortificada é a nossa segurança; o Senhor cercou-a de muros e antemuro” (v. 1).

“Naquele dia” é o “dia do Senhor” (cf. 2,12: “contra tudo que é orgulhoso e altivo…”) que se manifesta como Deus e Senhor de toda a terra, julgando e vencendo os inimigos (cf. Am 5,18-20; Jl 2,1s; Ez 7,7.10; Sf 1,14-18 etc.). Nos profetas antigos, era um dia de terror, ameaçando o povo infiel com uma invasão dos assírios ou babilônios). No exílio, torna-se objeto de esperança (cf. 30,26), porque a ira do Senhor se dirige contra os opressores de Israel. Depois do exílio, tende a tornar-se um julgamento que assegura o triunfo dos justos e a ruina dos pecadores (Ml 3,19-23; Pr 11,4) numa perspectiva universalista (Is 26,1-27,2; 33,10-16).

Esta “cidade fortificada” pelo Senhor Javé (cf. o “povo poderoso” de 25,3) só pode ser Jerusalém (cf. Sl 48,13s), oposta à cidade inacessível e da desolação (cf. v. 5; 24,10; 25,12; 27,10). Os arqueólogos podiam mostrar em Lakish que uma cidade em Judá era protegida por duas fortificações cujos vestígios podem ser encontrados ao pé e no cume da colina (“antemuro e muralha”). Depois do exílio, Neemias restaurou as muralhas de Jerusalém (Ne 6,15; 12,27).

Abri as suas portas, para que entre um povo justo, cumpridor da palavra, firme em seu propósito; e tu lhe conservarás a paz, porque confia em ti (vv. 2-3).

Servindo de refúgio aos justos, Jerusalém é oposta à “cidade inacessível” (v. 5). A entrada do povo justo acontece como em Sl 24,7.9 e Sl 118,19s, de acordo com Is 7,9 e Hab 2,4 (cf. Rm 1,17): “O justo viverá pela fé”. “Tu lhe conservarás a paz, porque confia em ti”; a Nova Bíblia Pastoral (p. 920) comenta a ação de Javé: Ele restaura a verdadeira paz: terra, comida, família, saúde, bem-estar (cf. Sl 128). É a vitória dos pobres e fracos que confiam em Javé

Esperai no Senhor por todos os tempos, o Senhor é a rocha eterna (v. 4).

O Senhor Javé é frequentemente designado como o rochedo de Israel, defesa de seus fiéis, e evoca simultaneamente o abrigo seguro e o fundamento inabalável sobre o qual é possível manter ou construir a própria casa (17,10; 44,8; cf. Gn 49,24; Dt 32,4; Sl 18,3,32; 31,3s; 92,16; 144,2; cf. no NT: Mt 7,24s; 16,18). Em hebraico, “fé” vem da mesma raiz de “amém” (a mesma raiz também em “verdade” e “fidelidade”); significa um chão firme no qual se pode apoiar, “confiar” para montar sua tenda (cf. a casa construída na rocha em Mt 7,24s).

Ele derrubou os que habitam no alto, há de humilhar a cidade orgulhosa, deitando-a por terra, até fazê-la beijar o chão. Hão de pisá-la os pés, os pés dos pobres, as passadas dos humildes” (vv. 5-6).

Esta outra cidade, orgulhosa (lit. “inacessível”, cf. 25,12), parece ser a cidade de Moab cuja arrogância e destruição é evocada no caps. precedente (25,10b-12). Esta cidade de região montanhosa (“no alto”) a leste do Mar Morto é uma cidade também fortificada, mas oposta a Jerusalém. O contraste entre o orgulho da gente “altamente situada” e a ação de Javé Deus que a rebaixa até o chão é uma imagem frequente no AT (cf. Ex 15,21; Jr 49,16; 50,31s; Ab 3-4; Pr 16,18;  a respeito da inversão social cf. Lc 1,51-53; 1Sm 2,2-9;  Sl 89,11; Jó 5,11; 12,19 etc…).

A destruição desta cidade pagã constitui a oportunidade deste “apocalipse de Isaías” (cf. 24,7-12; 25,2.12; 26,5; 27,10s) e torna-se símbolo do julgamento divino. Todos estes textos provavelmente não foram sempre aplicados à mesma cidade. No conjunto dos cap. 24-27 poderia significar Babilônia (cf. 21,9) que tombou em 485 a C. sobre os golpes do rei persa Xerxes. Aliás, Babilônia tornou-se símbolo da cidade do mal (cf. Ap 17,5) e os nossos textos podem ser aplicados a destruição de outras cidades pagãs: Tiro por Alexandre em 322, Cartago pelos romanos em 146, Samaria por Hircano em 110 e até Roma no sec. V d.C. (cf. 1Pd 5,13; Ap 14,8; 16,19; 17,5.9).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 920) comenta: Ao mesmo tempo que fortifica e protege Jerusalém, Javé abate e arrasa Babilônia, a “cidade inatingível” dos “moradores das alturas” (cf. Gn 11,1-9).

Evangelho: Mt 7,21.24-27

No tempo de Advento até o dia 17, os evangelhos são escolhidos em vista da leitura. Por isso ouvimos hoje a parábola da casa construída na rocha (cf. Is 26,4 na leitura de hoje; cf. Mt 18,16), no contexto do evangelho de Mt é a conclusão do Sermão da Montanha (Mt 5-7; já esteva na sua fonte Q, cf. Lc 6,46-49).

O cristão deve tomar decisões e caminhar entre dificuldades e ambiguidades. Jesus o previne e lhe oferece critérios para distinguir, usando e renovando as imagens tradicionais do caminho (vv. 13s), da arvore (vv. 16-20) e da construção (vv. 24-27). A insistência do verbo “fazer” (aqui traduzido: “pôr em prática, praticar”) indica o sentido prático da instrução.

Nem todo aquele que me diz: “Senhor, Senhor”, entrará no Reino dos Céus, mas o que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos céus (v. 21).

Os últimos vv. do sermão da montanha traçam um horizonte escatológico (do fim, do juízo final, da meta “entrar no Reino dos Céus”) que todo sermão em Mt adotará. Porque nele está a “vontade do (meu) Pai” (6,10; cf. Sl 143,10) a ser cumprida, é o caminho estreito, mas que leva à vida, enquanto “muitos” já andam pelo caminho largo (v. 13).

Nossa liturgia do Advento omite os vv. 22-23, a inserção de Mt que condena os falsos profetas e exorcistas que atuam “em nome” do Senhor. “Em nome de” significa: como enviados, representando ou invocando o Senhor; também o fazem os falsos profetas (cf. Jr 27,15). Se o ato de fé pela palavra não for acompanhado por ações, é vazio e sem sentido.

Invocar Jesus como “Senhor” é profissão solene de fé (cf. At 2,36; Rm 10,9; Fl 2,11), mas não basta só pela boca, nem duas vezes (“Senhor, Senhor”; cf. Lc 6,46). Em Mt, “Senhor” é a invocação dos discípulos a Jesus, principalmente ao juiz do mundo (18 vezes no último discurso em 24,42-25,46). Para Paulo e João, confessar Jesus como Senhor é importante, mas o critério decisivo é o amor-caridade (1Cor 12,3; 13; 1Jo 3,10; 4,2).

Nem mesmo o ato de fé mais profunda da comunidade, que é o reconhecimento de Jesus como o Senhor, faz que alguém entre no Reino. Na descrição do juízo final em Mt 25,31-46 são mostradas as ações que qualificam o autêntico reconhecimento de Jesus como Senhor: as obras da misericórdia, o amor ao próximo. Tampouco bastarão as atividades carismáticas de profetizar e fazer milagres (cf. v. 22). Para judeus e cristãos, milagres fazem parte da atividade profética e missionária (cf. 5,2; 10,1.7s; 11,20-24; 17,19s; 23,24). Mt não é contra, mas eles não bastam, há de praticar a “justiça maior” para entrar no Reino dos céus (5,20).

A admoestação é grave, termina com uma sentença definitiva de condenação: “Afastai-vos de mim, vós que praticais o mal!” (v. 23, cf. Sl 6,9).

A parábola das dez virgens em 25,1-13 tem uns paralelos com a leitura de hoje: o contraste entre prudente e insensato (cf. a parábola em seguida: vv. 24-27) e a invocação dupla “Senhor, Senhor” (v. 21) daquelas que queriam “entrar” (cf. a reposta do noivo que não as deixa entrar: “Não vos conheço” com a de Jesus em v. 23, omitido hoje).

Portanto, quem ouve estas minhas palavras e as põe em prática, é como um homem prudente, que construiu sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as enchentes, os ventos deram contra a casa, mas a casa não caiu, porque estava construída sobre a rocha. Por outro lado, quem ouve estas minhas palavras e não as põe em prática, é como um homem sem juízo, que construiu sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, vieram as enchentes, os ventos sopraram e deram contra a casa, e a casa caiu, e sua ruína foi completa! (vv. 24-27).

Semelhante aos finais da Lei da santidade (Lv 26) e do Deuteronômio (Dt 30,15-20), o final do sermão da montanha (e já sua fonte Q, cf. Lc 6,47-49) coloca os ouvintes diante de uma grande escolha, aqui em forma de parábola: construir a casa (o projeto de vida) sobre a rocha ou sobre a areia. Construir sobre a rocha é viver e agir de acordo com a justiça do Reino apresentada no sermão da montanha. Construir a casa sobre a areia é ficar na teoria, sem passar para a prática.

O Senhor Javé é frequentemente designado como o rochedo de Israel, defesa de seus fiéis, e evoca simultaneamente o abrigo seguro e o fundamento inabalável sobre o qual é possível manter ou construir a própria casa (cf. Gn 49,24; Dt 32,4; Is 17,10; 26,4; 44,8; Sl 18,3,32; 31,3s; 92,16; 144,2; cf. no NT: Mt 7,24s; 16,18). Em hebraico, “fé” vem da mesma raiz de “amém” (a mesma raiz também em “verdade” e “fidelidade”); significa um chão firme em que se pode confiar para montar a tenda (ou aqui, construir a casa).

Jesus apresenta com autoridade a sua mensagem como terreno firme sobre o qual se pode construir uma vida frente à fúria dos elementos. Os dois tipos são qualificados de “prudente” (sábio) e “sem juízo” (insensato), termos sapiências (cf. Mt 11,18-19; 25,2; 1Cor 1,30;): o sermão de Jesus oferece ao homem que o cumpre a sabedoria autêntica, para que seja realmente homo sapiens (“homem sábio”, nome científica da nossa espécie).

Em Mt 16,18, Jesus construirá sua Igreja sobre a rocha, ou seja, a fé firme de Simão Pedro (mesma palavra grega: Pedro = pedra = rocha); “e as portas do inferno nunca prevalecerão sobre ela”. Paulo interpretou a rocha de onde saiu água no deserto com o próprio Cristo (1Cor 10,4; cf. Ex 17,5-6; Nm 20,7-11).

Para Mt, o importante é praticar (lit. “fazer”) estas palavras de Jesus que nos ensinam a praticar a lei e os mandamentos interpretados por Jesus deste sermão para uma justiça maior (vv. 24.26; cf. 5,19-20; 28,20). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1871) comenta: Muito frequente em Mt, o verbo “fazer” não é fácil de traduzir (cf. 5,19.46; 7,12.24; 12,33); ele não descreve nem práticas externas nem sentimentos íntimos, mas atos que empenham o homem integralmente.

No site da CNBB resume-se: Somente quem faz a vontade do Pai que está nos céus irá participar plenamente do seu Reino. Jesus veio até nós para nos revelar quem é o Pai, assim como a sua vontade, para que, a partir do seu conhecimento, pudéssemos praticá-la e participar conscientemente do Reino. Por isso, todos os que desejam a vida eterna devem fundamentar a sua existência na palavra de Jesus e procurar viver segundo os valores que ele pregou no Evangelho, colocando em prática a vontade do Pai, que Jesus, ao se fazer homem e vir ao mundo, revelou para todos nós.

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