3 de Março de 2020, Terça-feira – Quaresma: Quando orardes, não useis muitas palavras, como fazem os pagãos. Eles pensam que serão ouvidos por força das muitas palavras. Não sejais como eles, pois vosso Pai sabe do que precisais, muito antes que vós o peçais. Vós deveis rezar assim: (vv. 7-9a)

 1ª Semana da Quaresma

Leitura: Is 55,10-11

Para apreciar melhor esta frase única (só dois versículos) da leitura de hoje, olhamos para o contexto. O capítulo 55 conclui a obra do Segundo Isaías (“Deutero-Isaías”: Is 40-55) que exerceu o ministério entre os judeus desterrados na Babilônia, durante a ascensão do rei persa Ciro (553-530 a.C.). Sua mensagem é consolação (“consolai”; 40,1) e esperança, porque anuncia a volta do exílio (que Ciro concederá em 538, após conquistar Babilônia em 539, cf. 2Cr 36,22s; Esd 1,1-4), como um segundo êxodo, semelhante e mais glorioso do que o primeiro.

Através do profeta no exílio, o “Senhor” (Yhwh, Javé) se declara o único Deus do universo: “Fora de mim não há Deus” (44,6; 45,5-7.14; cf. 40,12-31; 41,4 etc.). Mas o Senhor tem de vencer múltiplas resistências: a Babilônia e seus múltiplos ídolos (falsos deuses) e, pior, o cansaço do próprio povo que tem medo (41,13) e protesta (40,27), é cego e surdo (42,18-20), nostálgico (43,18), pecador (43,23s), incompreensível (45,9-11), falso e obstinado (48,1-8), julga-se totalmente abandonado (49,14). Um “servo” anônimo de Deus há de carregar a culpa desse povo, morrerá, mas triunfará (53,1-12).

O profeta tem de converter à esperança esse povo fracassado, resignado ou desanimado. Para sua tarefa, o profeta dispõe só da palavra, que marca a obra inteira (v. 11; 40,8; cf. 1Pd 1,24-25), é eficaz (cf. Hb 4,12; Gn 1) como promessa de Deus. O profeta tem o título novo de “evangelista”, ou seja, “mensageiro da boa notícia” (40,9; 41,27; 44,26; 52,7).

Assim como a chuva e a neve descem do céu e para lá não voltam mais, mas vêm irrigar e fecundar a terra, e fazê-la germinar e dar semente, para o plantio e para a alimentação, assim a palavra que sair de minha boca: não voltará para mim vazia; antes, realizará tudo que for de minha vontade e produzirá os efeitos que pretendi, ao enviá-la (vv. 10-11).

Neste último capítulo (55) da sua obra, Deutero-Isaías convida para o banquete de uma nova e eterna aliança com Deus (“escutai-me atentos e comereis bem”, v. 2a). A realização deste projeto atrairá os povos, porque transforma as relações sociais e assegura vida e dignidade para todos. O profeta insta os obstinados a se converter e confiar no perdão de Deus, pois sua visão ultrapassa a deles (vv. 8-9: “meus planos não são vossos planos…”) e sua palavra nunca decepciona.

A Bíblia do Peregrino (p. 1811) comenta os vv. 6-11: O arauto da boa noticia pronunciou tantas palavras, tão magníficas que chegam a ser incríveis. Serão verdade? Sim, porque o Senhor que as pronunciou, as cumprirá. O que acontece é que Deus tem outro estilo ou modo de planejar e agir (40,14s).

Entre a proximidade de Deus (v. 6) e sua distância (v. 9) é a sua palavra que media, desce do céu para realizar e revelar a salvação. É “como a chuva”, benção e dom que vem irrigar e fecundar a terra e fazê-la germinar e dar sementes para o plantio e alimentação. Seu ritmo não é de eficiência, mas de fecundidade (cf. Mc 4,26-29). A chuva põe em movimento o ciclo: alimento hoje, semente para a colheita de amanhã (cf. Sl 104,13-15; 2Cor 9,10).

A palavra de Deus é irreversível (45,23) como uma lei da natureza, “terá êxito” (53,10; Jr 29,10; cf. Jo 19,30), “não voltará para mim vazia … e produzirá os frutos que pretendi ao enviá-la” (v. 11).

Deutero-Isaias atua na mesma época quando a redação sacerdotal escreveu Gn 1,1-2,4a, o poema da criação: Deus criou tudo apenas com sua palavra (Gn 1, cf. comentário de 2ª e 3ª feira da 5ª semana comum, ano ímpar). A palavra de Deus é acontecimento, ação (falou e assim se fez, cf. Sl 33,9: “Ele diz e a coisa acontece”; cf. Sl 148,5). A palavra do Senhor é semelhante a um mensageiro que não regressa senão após haver cumprido sua missão (cf. a fé do centurião em Mt 8,9p). A palavra de Deus é personificada, como em outros livros a Sabedoria (Sb 18,14-15; cf. Sb 7,22; Pr 8) ou o Espírito (Is 11,2), e se faz ser humano (carne) em Jesus Cristo (Jo 1,1.14; cf. Jo 19,30 com Gn 2,1s).

Podemos nos perguntar ao final, quem é que faz história? Só os poderosos com todas suas máquinas de dinheiro e propaganda? Ou a palavra profética que não tem nenhuma proteção institucional, econômica, política?

Evangelho: Mt 6,7-15

Hoje se apresenta o centro do Sermão da Montanha que foi omitido no Evangelho de 4ª feira de Cinzas (vv. 1-6.16-18). É a “oração do Senhor”, porque foi ele que a ensinou (cf. Lc 11,1-4).

Quando orardes, não useis muitas palavras, como fazem os pagãos. Eles pensam que serão ouvidos por força das muitas palavras. Não sejais como eles, pois vosso Pai sabe do que precisais, muito antes que vós o peçais. Vós deveis rezar assim: (vv. 7-9a)

No contexto, Mt critica a oração, o jejum e a esmola dos fariseus que fazem “só para serem visto pelos homens” (vv. 1-6.16-18). No mesmo esquema, “quando orardes,… não fazeis isso…, mas aquilo” (vv. 5-6), inseriu a oração do Senhor na recomendação “quando orardes, não useis muitas palavras” (v. 7). Não se condena a frequência (Lc 18,1), nem a ansiedade, mas a prolixidade, ou seja, dizer coisas vãs ou pretender, por sua extensão, pressionar a divindade (cf. 1Rs 18,27; Is 1,15; Eclo 7,14; Tg 1,26).

A oração do Senhor assemelha-se, tanto pelo conteúdo como pela forma, às orações judaicas (ex. a “Oração das 18 preces” que os judeus rezam ainda hoje), mas distingue delas por sua simplicidade e liberdade com que se invoca Deus.

Contém duas partes, uma em honra de Deus (“tu/vós”), outra em favor dos seres humanos (“nós”). Na primeira, pede-se que Deus manifeste seu projeto de salvação (reino); na segunda, pede-se o essencial para que possamos viver segundo este projeto: pão para o sustento, bom relacionamento com os irmãos e perseverança até o fim.

Esta oração nos foi transmitida por Mateus e por Lucas. A versão de Lc 11,2-4 é mais breve e por isso considerada mais original, porque, segundo os exegetas (peritos da Bíblia), é muito mais provável que alguém acrescente mas palavras a esta oração fundamental do que alguém tire uma parte dela. Por exemplo: vários manuscritos acrescentaram a fórmula de uma antiga liturgia: “Pois teus são o reino, o poder e a gloria” (cf. o texto ecumênico do Pai Nosso). Muitos católicos gostam de acrescentar uma Ave Maria depois do Pai Nosso.

A liturgia da missa reza o Pai nosso na versão de Mt, porque antigamente achava-se este evangelho o mais original por ser relacionado com o nome de um apostolo; “Mateus” (cf. 9,9; 10,3). Hoje, porém, sabe-se que Marcos é o evangelho mais antigo (mas não contém esta oração, a não ser um pedido em Mc 14,36). Muita coisa indica que Mt não foi escrito por um apóstolo, porque usava todo o relato de Mc (até a própria vocação Mt 9,9-13 é cópia de Mc 2,13-17).

Portanto, podemos supor que Mt (ou a comunidade antes dele) aumentou o número de pedidos de cinco (Lc 11,2-4) para sete. Mt escreveu para judeu-cristãos; para estes, “sete” é o número sagrado da perfeição (cf. a criação em Gn 1,1-2,4a; no culto Lv 4,6-17; 8,11; Nm 28,11; Ez 45,23; cf. Zc 3,9; Tb 12,15; Ap 1,20; 3,1; 5,1s; 8,6). É número predileto por Mt: 2 vezes 7 (14) na geneologia (1,17); sete parábolas (cap. 13), perdoar 70 vezes 7 (18,21s). Aqui, Mt acrescenta no final de cada parte da oração uma prece, o 3º e o 7º pedido.

Pai nosso que estás nos céus (v. 9b),

Não era muito comum para um judeu chamar Deus de Pai (na Bíblia só a oração do rei em Sl 89,27 e de um particular em Eclo 51,10; cf. Is 63,16; Dt 1,31; 14,1; 32,6). Jesus autoriza os discípulos a invocarem Deus como “Pai nosso” (cf. vv. 1.8.14.26.32; 5,16.45; 7,11 etc., e “teu Pai” em vv. 4.6.18). Em Lc 11,2 só lemos “Pai”, que equivale o novo nome de Deus (“Abbá”) que implica a consciência da filiação testemunhada no Espírito (no batismo, cf. Rm 8,15s; Gl 4,6s; Mc 1,11).

Chamar Deus de “Abba” (papai em aramaico; cf. 14,36; Rm 8,15; Gl 4,6) revela a intimidade do próprio Jesus com Deus (Mc 14,36; cf. 11,25-26p; Jo 3,35; 5,19s; 8,28s etc.). Em Mt, os discípulos dirigem-se ao Pai comum (“nosso”) que é único (23,9) e “está nos céus”. Não é uma localização no espaço, mas expressa que Deus domina a terra inteira e ao mesmo tempo está perto (“nosso”) dos homens (cf. Mc 11,25; Mt 5,16.45; 7,21; 10,32-33 etc.).

Santificado seja o teu nome (v. 9c).

“Santificar a Deus” ou “seu nome” é expressão clássica na Bíblia. O nome representa a pessoa e no judaísmo é usado para designar o próprio Senhor, cujo nome não se pronunciava mais (Yhwh, “Javé”, depois traduzido por “Senhor” para não violar o segundo mandamento, cf. Ex 20,7). Já que Deus é o Santo por excelência (cf. Lv 11,44; 19,2; 21,8; Is 6,3; Sl 99 etc.), santificá-lo não é dar ou acrescentar algo a sua santidade, mas reconhecer, que se proclame o que ele é, que se preste glória (cf. Lv 10,3; Jo 12,28; 17,6.26). Não mostrar a santidade de Deus foi o delito de Moisés (Nm 27,14).

Santidade foi entendido pelos sacerdotes como separação/pureza através de um ritual (em oposição ao profano do cotidiano), mas pelos profetas como sinceridade ética (pureza de coração, cf. Is 1,15-18; 5,16-24 etc.; cf. Mt 5,8). Os legistas e rabinos convidam os fieis a santificar Deus pela obediência aos seus mandamentos e com isso reconhecer sua autoridade (Lv 22,31s; Dt 32,51; Is 8,13; 19,13). Além disso, os profetas anunciam que Deus mesmo vai santificar seu nome, manifestando-se aos olhos de todos como justo juiz e salvador (Is 5,16; 29,23; Ez 20,41; 28,22.25; 36,23; 38,16.23; 39,27), apesar dos pecados do povo.

Ao lado do próximo pedido da vinda do reino, que só Deus pode realizar, a forma passiva, “seja santificado teu nome”, indica esta intervenção de Deus discretamente sem nomeá-lo (passivo divino, cf. 5,6.7.9; 7,1.2.7.8…). O contrário é seu nome ser ignorado e profanado, manipulado e banalizado por interesses humanos o que de fato aconteceu muitas vezes na história humana e ainda acontece (cf. guerras “religiosas” por motivos econômicos ou políticos).

Venha o teu Reino (v. 10a),

“Venha o teu Reino” é o pedido que a realeza permanente de Deus sobre o mundo (Sl 93,1-3; 95,3; 99,1-4…) se manifeste plenamente no tempo da salvação (Is 52,7; Sl 96,10; 97,1; 98,6-9…). “Venha” é símbolo espacial que se resolve na realização histórica final (Sl 98,6-9). Este pedido corresponde ao anúncio principal da Boa Nova (Evangelho) por João Batista e Jesus (3,2; 4,17; sobre o Reino de Deus, cf. o comentário da 2ª feira da 1ª semana do Tempo Comum). Aliás, quando não se lê “entrar no reino” (5,20; 7,21; 18,3; 19,23), convém traduzir por “reinado” para não confundi-lo com uma área geográfica, já que se trata do exercício do poder de Deus e sua soberania.

Seja feita a tua vontade, assim na terra como nos céus (v. 10b).

No evangelho mais velho, encontra-se a oração de Jesus agoniado no Jardim das Oliveiras: “Não o que eu quero, mas o que tu queres” (Mc 14,36), Mt (ou a comunidade antes dele) a traz para dentro da oração do Pai-Nosso. Assim Mt acrescentou o terceiro pedido “seja feita a tua vontade” (falta em Lc 11,2-4). Esta prece equivale àquela anterior (cf. Is 44,28; 46,10-11; 48,14; Ez 1,5,9) que Deus exerça seu reinado. Não é fatalismo, nem resignação, porque a vontade divina não se poderá cumprir sem a adesão por parte dos seres humanos, tanto no fim do tempo por sua concordância perfeita entre as vontades humanas e a dele (Jr 31,31-33; Ez 36,27), como agora, pelo cumprimento dos mandamentos, cuja necessidade Mt acentua tantas vezes (5,17-20; 7,21.24-27; 12,50; 21,30…). Em Jo 6,38-40, a vontade do Pai é a vida eterna através do seu Filho.

O sentido de “assim na terra como no céu” (cf. Is 55,8-11; leitura de hoje) é que se realize na terra o que já existe no céu, da mesma forma que no esquema apocalíptico (cf. Dn 4,31; 1Mc 3,60). O céu é concebido como reinado de Deus totalmente realizado, a terra deve ser imagem dele (como o homem deve ser imagem de Deus; cf. Gn 1,26s). Aliás, é possível que esta frase não se refira só as últimas palavras, mas ao conjunto dos três pedidos.

O pão nosso de cada dia dá-nos hoje (v. 11).

No pedido pelo “pão nosso” (v. 11), há dificuldade de traduzir a palavra grega. A Bíblia latina (Vulgata de S. Jerônimo) traduz de forma diferente a mesma palavra, em Mt supersubstancialem e em Lc, cotidianum. Pode ser, então, o pão cotidiano para hoje (Sl 136,25; cf. Pr 27,1; 30,8-9) e também o pão do amanhã escatológico (o banquete do mundo vindouro; cf. 8,11; 22,2-14; 26,29; Is 25,6; 55,1-2; Sl 22,27; Lc 14,15; Ap 3,20; 19,9), antecipado no pão eucarístico (cf. 26,26; Jo 6,32-35).

Embora a tradução exata permaneça incerta, fica claro que tal pedido não é uma exigência de segurança para o futuro. Jesus convida seus discípulos missionários a pedirem dia após dia (cf. 6,34; Mc 6,8) o alimento de que precisam, na certeza de que Deus proverá cada dia, assim como alimentava Israel no deserto com o “maná” colhido um dia após outro (Ex 16).

Perdoa as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido (v. 12).

Mt usa no pedido pelo perdão a palavra “dívidas” (v. 12). No mundo antigo, uma dívida podia acarretar até a perda da liberdade (cf. Mt 18,23-28). Desconhecida no AT, esta figura é usada no judaísmo para indicar a situação do ser humano diante de Deus: é devedor insolente, é o estado de pecador. No mundo moderno, onde se recorre habitualmente ao crédito e empréstimo, perde-se o sentido dessa tradução. Talvez a palavra “faltas” indique melhor a ofensa feita pessoalmente como situação miserável do pecador. Jesus une nossas obrigações para com Deus e para com nossos irmãos (cf. 22,34-40), adaptando-se ao tema da aliança: assim devemos perdoar aos nossos devedores, aos que nos ofendem, aos que tem faltas contra nós, para que Deus nos perdoe (cf. Eclo 28,1-7; Mt 5,7; 6,14-15; 18,23-35; Mc 11,25; Ef 4,32). Este perdão fraterno não compra o perdão de Deus, mas atesta a nossa sinceridade.

E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal (v. 13).

Com formulação negativa, “não nos deixes cair em tentação” (lit. “não nos conduzas/exponhas à tentação”), pedimos para superá-la (cf. 26,41). A provação é condição do ser humano, particular do religioso (Eclo 2,1-5; 23,1; 33,1). No AT, é o próprio Deus que tenta e sujeitou à prova Abraão (Gn 22,1; 1Mc 2,52; Eclo 44,20) ou experimenta seu povo (Ex 15,25; 16,4; 20,20; Dt 8,2.16; 13,4; Jz 2,22; 3,1.4; 2Cr 32,31; Sb 11,9s), se este é fiel e obediente fazendo a vontade de Deus ou foge dos seus compromissos escolhendo o caminho mais fácil. Nos textos posteriores, há uma tendência de distinguir Deus como sujeito soberano que quer o bem, de outro sujeito que quer o mal e tenta, Satanás (Deus tenta em 2Sm 24,1 e Satanás no paralelo 2Cr 21,1; cf. Jó 1-2 e já a serpente em Gn 3). Na literatura sapiencial, a tentação pode ser vista de maneira positiva como meio pedagógico, como prova (Sb 3,5s; 11,9; Eclo 2,1.6; 4,17; 1Mc 2,52; Jt 8,25s; cf. Sl 26,2), mas aqui a situação é mais dramática.

No NT, é a prova pela qual satanás procura arruinar aquele contra quem investe (1Cor 7,5; 1Ts 3,5; 1Pd 5,5-9; Ap 2,10; cf. Lc 22,31; Jó 1,2). Nunca se diz no NT que o próprio Deus tenta e Tg 1,13 o excluí expressamente (cf. Eclo 15,11s; cf. 2Sm 24,1 e 1Cr 21,1). Nada, porém, escapa da soberania de Deus, nem sequer a tentação nem o poder de satanás. Ele não quer que o homem peque, mas pode conduzir ou confrontar alguém a uma situação crítica (prova), como “o Espírito impeliu Jesus ao deserto para ser tentado por Satanás” (4,1; cf. Hb 2,18; 4,15). Também no jardim Getsêmani, a oração de Jesus é exemplar; para Mt é ocasião de lembrar dois pedidos da oração do Pai-Nosso (26,41s).

Na oração do Pai-Nosso rezamos que nos poupe de uma provação tal que corramos risco de não poder suportá-lo e “cair” (cf. 1Cor 10,13: o próprio Deus nos oferece uma “saída”). Sabemos da nossa fraqueza e culpa (pedido anterior); agora pedimos que Deus não nos coloque diante de situações tal tentadoras que possamos perder a salvação eterna.

Para chegar ao número sete, Mt (ou a comunidade antes dele) acrescentou o pedido final (v. 13b): “mas livra-nos do mal” ou “do maligno”, isto é satanás (identificado como o tentador de v. 13a). Os dois sentidos são possíveis (quanto ao primeiro, cf. 5,11; 6,23; cf. 2Tm 4,18; quanto ao segundo, cf. 13,19; 5,37; 13,38; Jo 17,15; 2Ts 3,3). Pelo pedido anterior, o sentido pessoal é preferível (cf. “o tentador” em 4,3; 1Ts 3,5) e restitui a situação dramática da tentação, o qual se perde hoje pelo uso da propaganda publicitária que associa a palavra “tentação” à uma coisa desejável de consumo.

Em Mt, estes dois últimos pedidos reduzem-se num só. A última prece também está incluída de certo modo na segunda: quando vier o reino de Deus em plenitude, o mal (maligno) desaparece (cf. Lc 10,18; Ap 12,7-11; 20,1; 21,3-4).

De fato, se vós perdoardes aos homens as faltas que eles cometeram, vosso Pai que está nos céus também vos perdoará. Mas, se vós não perdoardes aos homens, vosso Pai também não perdoará as faltas que vós cometestes (vv. 14-15).

Depois das palavras da oração, Mt repete a importância do perdão (citando Mc 11,25; cf. Mt 18). Assim ele volta ao estilo e a simetria das recomendações anteriores sobre esmola, oração e em seguida sobre o jejum (“se vós…, vosso Pai que está nos céus…”).

O Pai-Nosso é chamado “o evangelho dentro do evangelho” porque está no centro do sermão da montanha e resume o ensino de Jesus em forma de oração. A Bíblia nos ensina a ter fé, ou seja, responder à Palavra de Deus na ação e na contemplação.

O Pai-Nosso não é só uma oração cristã, é uma oração na espiritualidade judaica. Os pedidos do Pai Nosso lembram a experiência de Israel no processo de sua libertação, provações no deserto, o maná cotidiano (Ex 16), a vontade de Deus promulgada como lei (Ex 20ss), a santidade do nome (Yhwh, Javé) revelado a Moises (Ex 3,14), e o reinado de Deus pela aliança na terra prometida e entregue. Não é nada nesses pedidos que contrarie um judeu hoje, porque não fala que Jesus é o Messias. Portanto, nós cristãos podemos rezá-la, não só os católicos, protestantes, ortodoxos juntos, mas juntos também com os judeus, nossos irmãos mais velhos na fé (cf. Vaticano II, NA 4).

O site da CNBB comenta: A eficácia da oração não é determinada pela quantidade de palavras nela presentes, pelo seu volume ou pela sua visibilidade, mas antes de tudo pela capacidade de estabelecer um relacionamento sério, profundo e filial com Deus. Quem fala muito, grita e fica repetindo palavras é pagão, que não é capaz de reconhecer a proximidade de Deus e ter uma intimidade de vida com ele. A oração também deve ter um vínculo muito profundo com o próprio desejo de conversão e de busca de vida nova, de modo que ela não seja discursiva, mas existencial e o falar com Deus signifique estabelecer um compromisso de vida com ele e para ele.

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