30 de Janeiro de 2019, Quarta-feira: E Jesus dizia: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (v. 9).

Leitura: Hb 10,11-18

A parte doutrinal desta carta (que é mais um sermão sacerdotal) termina com estes versículos, que resumem os pensamentos mais importantes: Jesus Cristo supera o sacerdócio da antiga aliança.

Todo sacerdote se apresenta diariamente para celebrar o culto, oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios, incapazes de apagar os pecados. Cristo, ao contrário, depois de ter oferecido um sacrifício único pelos pecados, sentou-se para sempre à direita de Deus. Não lhe resta mais senão esperar até que seus inimigos sejam postos debaixo de seus pés. De fato, com esta única oferenda, levou à perfeição definitiva os que ele santifica (vv. 11-14).

Os sacrifícios diários dos sacerdotes levitas no templo (cf. Ex 29,38s; 2Rs 16,15) foram incapazes de apagar os pecados (v. 11; 10,1.4), ”sem eficácia para aperfeiçoar a consciência “ (9,9; cf. 7,19). Só o “sacrifício único” de Cristo, que oferece seu próprio corpo e sangue pelos pecados dos outros (cf. 7,26-27; 9,26.28) ”levou a perfeição definitiva aos que santifica” (v. 14).

Aqui, o autor destaca uma nova diferença entre o sacerdócio de Cristo e o dos sumos sacerdotes judeus. Na tradição grega do Antigo Testamento (AT), que o autor de Hb usa, os ritos para conferir o sacerdócio não são chamados ordenação ou consagração, mas “aperfeiçoamento”, i.e., “ação que torna perfeito, que dá a perfeição.” Segundo o AT, quando um descendente de Aarão foi consagrado (levado a perfeição) sumo sacerdote, sua consagração valia apenas para si próprio. Ele era o único habilitado a penetrar no santuário uma vez por ano (no dia do Perdão, cf. Lv 16), nenhuma pessoa podia acompanhá-lo, mesmo de longe (Lv 16,17).

Por sua condição de Filho obediente e solidário, Jesus foi levado a “perfeição” (5,8s) e “entrou uma vez por todas no santuário” do céu (9,12); seu sacerdócio com o sacrifício do seu corpo é perfeito (2,10; 7,28; 9,11). E mais: o sacrifício de consagração sacerdotal não vale apenas para ele mesmo, vale ao mesmo tempo para todo povo que nele crê, ”levou a perfeição definitiva aos que santifica” (v. 14).

Assim, ao mesmo tempo em que apresenta o aspecto passivo (Cristo foi “levado a perfeição”, recebeu o sacerdócio), a Paixão também apresenta um aspecto ativo: Cristo nos tornou perfeitos, nossa transmitiu o sacerdócio… A consagração de Cristo não se efetuou, como a dos sacerdotes judeus, por meio de um ritual de separação, mas sim por meio de um acontecimento no qual ele levou ao extremo a sua solidariedade para conosco. Por conseguinte, a transformação obtida não podia se restringir somente a ele, pois isso teria encontrado em contradição com o próprio ato que a havia produzido: essa transformação tinha que incluir necessariamente um dinamismo de transmissão (A. Vanhoye, p.78).

Jesus é o rei-messias e o sumo sacerdote definitivo, é presente e futuro, “só lhes resta mais esperar até que seus inimigos sejam postes debaixo de seus pés” (v. 13; cf. 1Cor 15,25). Ele é mais do que os anjos (1,4-14), mais do que Moises (3,3-6), mais do que sacerdotes (caps. 7-9). Ele é o mediador da nova aliança (8,6; 9,15) e abriu o acesso ao santuário para todos (cf. Mc 15,38; Ef 2,13s).

É isto que também nos atesta o Espírito Santo, porque, depois de ter dito: ”Eis a aliança que farei com eles, depois daqueles dias”, o Senhor declara: “Pondo as minhas leis nos seus corações e inscrevendo-as na sua mente, não me lembrarei mais dos seus pecados, nem das suas iniquidades.” Ora, onde existe o perdão, já não se faz oferenda pelo pecado (vv. 15-18).

O autor reconhece nessa transmissão de perfeição (consagração) o cumprimento da nova aliança: “É isto nos atesta Espírito Santo” (v. 15), ou seja, na inspiração do profeta Jeremias que anunciou a nova aliança caracterizando-a pela ação de Deus nos corações (vv. 15-17; Jr 31,31-34 citado por extenso em Hb 8,8-12). Nessa nova aliança, a lei de Deus não está mais em tábuas de pedras, mas no coração e na mente dos fieis (Ez 19,2; 36,26s; cf. 2Cor 3). Já “não se faz oferenda pelo pecado” (v. 18), ou seja, os sacrifícios ineficazes com animais (que já substituíram os sacrifícios humanos, cf. Gn 22) agora são substituídos pela memória eucarística, a ação de graças pelo sacrifício único de Cristo que tirou o pecado do mundo “uma vez por todas” (cf. 7,27; 9,12.26.28; 10,10; cf. Rm 6,10; 1Pd 3,18).

É interessante que o autor da carta nunca chama Cristo de “Cordeiro” (cf. Jo 1,29.35; 1Cor 5,7; 1Pd 1,18-19; Ap 5,6-12 etc.), provavelmente para destacar o papel ativo do “Sumo sacerdote” e não da vítima passiva (cf. Jo 10,14-18).

A trágica história do Antigo Testamento havia feito com que se tomasse consciência ao mesmo tempo da necessidade de transformação dos corações e da incapacidade dos homens para mudar seus corações maus (Jr 18,11-12). Quando o coração é mau, as melhores leis não servem para nada. Mas como formar no homem um coração verdadeiramente fiel e generoso, dócil a Deus e aberto para o amor fraternal? Para ver com que profundidade o autor aos Hebreus compreende a realização dessa promessa, devemos recordar a descrição que fez anteriormente do acontecimento do Calvário (Hb 5,7-9; 10,5-9). Cristo Jesus aceitou submeter-se, em seu ser de homem, à necessária transformação. Ele enfrentou os sofrimentos que essa transformação implicava. Fazendo a vontade de Deus (10,7.9) até a imolação do seu próprio corpo, ele aprendeu por nós a obediência (5,8). Sendo assim, passa a existir um novo homem, formado na perfeita obediência: ele tem a lei de Deus inscrita no mais profundo do seu ser. Existe um “novo coração” (Ez 36,26), totalmente unido a Deus e a seus irmãos. Esse coração, criado para nós (Scf l 51,12), está a nossa disposição. Se aderimos a Cristo, ele é nosso. E então a profecia da nova aliança se realiza para nós: nós passamos a ter a lei de Deus em nossos corações (A. Vanhoye, p. 78s).

Evangelho: Mc 4,1-20

O evangelho de Mc é uma narração mais de ações (milagres, paixão) e menos de discursos, com exceção dos caps. 4 e 13 (discurso de parábolas e o discurso escatológico). Hoje ouvimos o início do primeiro discurso com uma série de parábolas como exemplo característico do ensinamento de Jesus (cf. 1,21-22.27).

Jesus começou a ensinar de novo às margens do mar da Galileia. Uma multidão muito grande se reuniu em volta dele, de modo que Jesus entrou numa barca e se sentou, enquanto a multidão permanecia junto às margens, na praia. Jesus ensinava-lhes muitas coisas em parábolas. E, em seu ensinamento, dizia-lhes: ”Escutai! O semeador saiu a semear (vv. 1-3).

Apreciamos o gosto de Mc pela descrição do cenário (vv. 1-2): a barca serve de púlpito (cf. 3,9; Lc 5,3); da praia, o povo contempla Jesus como vindo das águas, por contraste, escutam uma linguagem agrícola. As parábolas ou comparações são meios de instrução sapiencial (cf. Sl 49,5; 78,2; Eclo 39,2-3). A primeira é quase uma metalinguagem: a palavra acerca da palavra (v. 14, cf. Is 55,10-11). Protagonista é a semente, essa pequenez prodigiosa que se deixa tomar e espalhar e imediatamente inicia sua atividade. O desenvolvimento da parábola se parece a de alguns provérbios do tipo: três mais um quarto (cf. Pr 30,15-33). São três fracassos e um êxito destacado.

Enquanto semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho; vieram os pássaros e a comeram. Outra parte caiu em terreno pedregoso, onde não havia muita terra; brotou logo, porque a terra não era profunda, mas, quando saiu o sol, ela foi queimada; e, como não tinha raiz, secou. Outra parte caiu no meio dos espinhos; os espinhos cresceram, a sufocaram, e ela não deu fruto. Outra parte caiu em terra boa e deu fruto, que foi crescendo e aumentando, chegando a render trinta, sessenta e até cem por um” (vv. 4-8).

As causas externas de fracasso vindas de fora opõem-se à extraordinária fecundidade da semente quando cai em terra boa. A parábola pode exprimir a confiança de Jesus. Ele semeia a palavra e, apesar de perdas, indiferenças e resistências, haverá um “bom fim”, uma boa colheita (cf. Jo 12,24). Por outro lado, pode ser também um apelo aos ouvintes para acolherem bem a palavra no coração (“na terra boa”, vv. 8.20).

E Jesus dizia: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (v. 9).

A frase “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” reforça o convite inicial (v. 3), é um apelo necessário para perceber o alcance de um ensinamento figurado (cf. 4,23s; 7,16). A parábola deve levar os outros para refletirem e, naquele momento, está a realizar-se neles.

Quando ficou sozinho, os que estavam com ele, junto com os Doze, perguntaram sobre as parábolas. Jesus lhes disse: “A vós, foi dado o mistério do Reino de Deus; para os que estão fora, tudo acontece em parábolas, para que olhem mas não enxerguem, escutem mas não compreendam, para que não se convertam e não sejam perdoados” (vv. 10-12).

Numa brusca inversão de cena, Jesus fica “sozinho” (a multidão de v. 1 reaparece em v. 36) e responde aos doze apóstolos e outros “que estavam com ele” (v. 10). A eles caberá explicar as parábolas do mestre, entretanto seu segredo não é conquista humana, mas dom celeste. O tema das parábolas (e do ensinamento de Jesus, cf. 1,15) é “o mistério do reino de Deus” (cf. Sb 2,22; 6,22; Rm 16,25-27; Ef 1,9; 3,9; 6,19; Cl 1,26-27; 2,2; 4,3). “Os que estão fora” são os não estão com Jesus, não entendem ou não querem entender, neles se cumpre o destino fatal anunciado em Is 6,9-10 (cf. 44,18-19): “para que olhem, mas não enxerguem, escutem, mas não compreendam, para que não se convertam e não sejam perdoados.” No tempo de Jesus, a frase alude à resistência das autoridades, no tempo da Igreja, aporta para a rejeição e para ruptura consumada. O fato de que a maioria dos judeus não se converteu está no plano misterioso de Deus (cf. Rm 11,7-16.29-32).

E lhes disse: “Vós não compreendeis esta parábola? Então, como compreendereis todas as outras parábolas? O semeador semeia a Palavra. Os que estão à beira do caminho são aqueles nos quais a Palavra foi semeada; logo que a escutam, chega Satanás e tira a Palavra que neles foi semeada. Do mesmo modo, os que receberam a semente em terreno pedregoso, são aqueles que ouvem a Palavra e logo a recebem com alegria, mas não têm raiz em si mesmos, são inconstantes; quando chega uma tribulação ou perseguição, por causa da Palavra, logo desistem. Outros recebem a semente entre os espinhos: são aqueles que ouvem a Palavra; mas quando surgem as preocupações do mundo, a ilusão da riqueza e todos os outros desejos, sufocam a Palavra, e ela não produz fruto. Por fim, aqueles que recebem a semente em terreno bom, são os que ouvem a Palavra, a recebem e dão fruto; um dá trinta, outro sessenta e outro cem por um” (vv. 13-20).

Os próprios discípulos têm dificuldade de entender, como muitas vezes em Mc (v. 13; 6,52; 8,17-18.21.33; 9,10; 10,38). Mc acrescenta uma explicação da parábola do semeador (vv. 14-20) que traz o cunho de sua utilização na Igreja primitiva. A comunidade se reconhece na parábola e formula alguns perigos e ameaças entre os quais lhe cabe viver e agir: perseguições e tribulações, entusiasmo sem perseverança, inconstância, preocupações materiais. O interesse que na parábola estava na fecundidade da semente e esperança da colheita, se transforma na explicação para as disposições dos ouvintes.

O site da CNBB resume: Entre as diversas formas muito utilizadas por Jesus para nos mostrar as realidades eternas, encontramos as parábolas. A partir das experiências do dia a dia das pessoas, Jesus vai mostrando as verdades do Reino. Hoje o evangelho nos mostra a parábola do semeador, pregada e explicada por Jesus, para mostrar a necessidade de acolhermos a sua mensagem de tal modo que ela produza muitos frutos para nós e para toda a Igreja. As parábolas nos mostram a necessidade de olharmos a vida e tudo o que nos cerca com os olhos da fé, a fim de que possamos tirar da realidade lições de vida que nos aproximem cada vez mais de Deus e nos ajudem a descobrir e realizar a sua vontade.

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