30 de Janeiro de 2020, Quinta-feira: “Quem é que traz uma lâmpada para colocá-la debaixo de um caixote, ou debaixo da cama? Ao contrário, não a coloca num candeeiro? Assim, tudo o que está escondido deverá tornar-se manifesto, e tudo o que está em segredo deverá ser descoberto. Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça” (vv. 21-23).

3ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: 2Sm 7,18-19.24-29

Ouvimos hoje uma oração de Davi, um louvor e uma ação de graças em resposta à promessa dos vv. 8-15 (duração da dinastia real de Davi, ou seja, promessa messiânica). Esta oração pode ser dividia em três partes: Davi dá graças (vv. 19-24), súplica (vv. 25-27), pede a bênção (vv. 28-29). Em toda a oração domina a palavra e fala (promessa) de Deus. O estilo elevado é um pouco retórico, adotando formas rítmicas flexíveis.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 344) comenta os vv. 18-29: Esta oração é fruto do exílio ou princípio do pós-exílio, quando o povo estava carente de promessas. A palavra “casa” significando a dinastia davídica, aparece sete vezes; e “para sempre” cinco vezes, apontando para o futuro da dinastia. A expressão “Senhor Javé”, usada sete vezes, não aparece em nenhuma outra parte nos livros de Samuel. No entanto, aparece 217 vezes no livro de Ezequiel, escrito no exílio e pós-exílio; períodos estes onde aparece a expressão: “não há Deus senão tu” (v.22)

O rei entrou no tabernáculo, foi assentar-se diante do Senhor, e disse: “Quem sou eu, Senhor Deus, e o que é a minha família, para que me tenhas conduzido até aqui? Mas, como isto te parecia pouco, Senhor Deus, ainda fizeste promessas à casa do teu servo para um futuro distante. Porque esta é a lei do homem, Senhor Deus!” (vv. 18-19).

O rei entrou no “tabernáculo”, i. é. na tenda onde estava a Arca da aliança (cf. v. 2), símbolo da presença de Deus. “Senhor Deus”, em hebraico: Adonai Yhwh (Senhor Javé); como a versão grega (e nossa liturgia) costuma traduzir Javé por “Senhor”, utiliza “Deus” para não repetir a mesma palavra.

O texto dos vv. 18-19 é incerto: em v. 18, o hebraico emprega o verbo yshb, que cobre uma gama de significados: “assentar-se, deter-se, habitar, apresentar-se”. Talvez o autor o tenha escolhido para fazer eco ao começo do capítulo (cf. leitura de ontem). O final do v. 19 é obscuro: O “homem” pode ser Davi falando de si mesmo. A Bíblia do Peregrino traduz: “enquanto existirem homens”, a Bíblia de Jerusalém: “esse é o destino do homem”. Pode ser também uma interrogação (que em hebraico, às vezes, é marcada apenas pelo tom): É essa a lei do homem (a saber, receber tal favor)? Cf. Sl 8,5: “O que é o homem…?”

A Bíblia do Peregrino (p. 564) comenta:

A ação de graças fala de si e do povo (vv. 19-22.23-24). São muitas palavras de quem ficou sem palavra e prorrompe em expressões de estupor. Enquanto alguns hinos se maravilham da grandeza do Senhor, Davi se maravilha da própria pequenez, que revela a grandeza e unicidade do Senhor. Davi não tem nada a dizer, porque o Senhor conhece seus sentimentos, porque é o Senhor quem fez que conhecessem a Davi.

É digno de nota o novo sentido de “casa”: a humilde família de onde o rei procede. Por isso, seu título diante do Senhor é “o teu servo”, repetido dez vezes: três na ação de graça, quatro na súplica, três no final.

Estabeleceste o teu povo, Israel, para que ele seja para sempre o teu povo; e tu, Senhor, te tornaste o seu Deus. Agora, Senhor Deus, cumpre para sempre a promessa que fizeste ao teu servo e à sua casa, e faze como disseste! (vv. 24-25).

Davi recorda a redenção e a aliança do povo (vv. 23-24; cf. Dt 26,17s). Continua o jugo sútil de palavras em hebraico, como em todo capítulo; cf. os significados da palavra “casa” e a repetição de “para sempre” Aqui Davi repete o verbo que usou para a “promessa” (kwn). A segunda parte da oração é súplica: o Senhor há de “manter” a palavra (qwm; cf. Dt 9,5), e assim se “manterá” a dinastia (kwn). Retoma a promessa numa frase que difere do v. 11 e que poderia ser mais original, pois faz eco exatamente ao v. 6.

Então o teu nome será exaltado para sempre, e dirão: “O Senhor Todo-poderoso é o Deus de Israel”. E a casa do teu servo Davi permanecerá estável na tua presença. Pois tu, Senhor Todo-poderoso, Deus de Israel, fizeste esta revelação ao teu servo: “Eu te construirei uma casa”. Por isso o teu servo se animou a dirigir-te esta oração (vv. 26-27).

Na teologia deuteronomista, o Nome de Deus é exaltado, quase personificado (cf. Dt 12,5.11 etc., ligado ao culto central em Jerusalém).

“Senhor Todo-poderoso” (lit. Senhor dos Exércitos; hebr. Yhwh [Javé] Sebaot) e “Deus de Israel”; estes títulos divinos assim juntados encontram-se 32 vezes nos relatos e discursos em prosa de Jr; em outro lugar só em Is 21,10; 37,16; Sf 2,9; 1Cr 17,24.

“Agora, Senhor Deus, tu és Deus e tuas palavras são verdadeiras. Pois que fizeste esta bela promessa ao teu servo, abençoa, então, a casa do teu servo, para que ela permaneça para sempre na tua presença. Porque és tu, Senhor Deus, que falaste, e é graças à tua bênção que a casa do teu servo será abençoada para sempre” (vv. 28-29).

A terceira parte da oração é o pedido da bênção: A palavra de Deus é “verdadeira”, quer dizer, sua promessa se cumprirá. Sua palavra é “benção”, dizer o bem e fazer o bem; poderia ter uso litúrgico (cf. Sl 67), ou se referir à terceira promessa de Abraão (Gn 12,2-3): a bênção de Deus será fecundidade e continuidade perpétua (“para sempre”), cumprindo a palavra do Senhor.

 

Evangelho: Mc 4,21-25

No meio do discurso das parábolas em Mc 4 (seguido por Lc 8,16-18) apresentam-se duas sentenças sapienciais que são suscetíveis de diversas interpretações, conforme os contextos nos quais são utilizados. No presente contexto (cf. vv. 1-20: a parábola do semeador, evangelho de ontem), devem ser relacionadas com o ensinamento de Jesus: Sua palavra é semente que deve brotar e trazer frutos em terra boa (na vida dos ouvintes, cf. vv. 14-20), assim seu ensinamento é uma luz que deve brilhar (na vida das pessoas) e da qual os beneficiários são de certo modo responsáveis.

“Quem é que traz uma lâmpada para colocá-la debaixo de um caixote, ou debaixo da cama? Ao contrário, não a coloca num candeeiro? Assim, tudo o que está escondido deverá tornar-se manifesto, e tudo o que está em segredo deverá ser descoberto. Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça” (vv. 21-23).

A pergunta dupla com a resposta pertence ao gênero de regras da prudência (cf. Mc 2,21s). O “caixote”, ou seja, alqueiro (lit.) era uma medida de grãos, que não faltava nos lares da época, por ser necessário para medir o dízimo. Servia também para colocar por cima da chama de lâmpada de óleo, assim apagando-a sem causar fumaça. Seria absurdo trazer a lâmpada para logo apagá-la. Aqui a comparação se refere ao “mistério do reino de Deus” que foi dado aos discípulos (v. 11). Jesus não traria a luz (iluminação pela palavra) para ser escondida.

Quem recebe a palavra de Jesus, não deve esconder esta luz, mas “a coloca num candeeiro” (cf. Sl 18,29; 27,1; 36,10; 119,105; Pr 6,23 etc.). “Assim o escondido se tornará manifesto, e tudo que estava em segredo, deverá ser descoberto” (v. 22; cf. Jo 1,1.5; 3,19-21). De certo modo, a frase combina com o segredo messiânico em Mc, que “está escondido”, mas “deverá tornar-se manifesto” depois da ressurreição (cf. 9,9; 16,7s).

Lc repetiu o v. 21 em Lc 11,33. Mt aplicou este versículo à sua comunidade que ouviu as bem-aventurança: ela não se deve esconder, mas ser a “luz do mundo” e brilhar com suas boas obras (Mt 5,14-16). O v. 22 encontrou-se também na fonte Q (coleção perdida, mas preservada em partes de Mt e Lc) para motivar um anúncio sem medo (Mt 10,26ss; Lc 12,2ss).

A frase “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” é um apelo necessário para perceber o alcance do ensinamento figurado e se esforçar para entender (cf. vv. 3.9.20.23; 7,16).

Jesus dizia ainda: “Prestai atenção no que ouvis: com a mesma medida com que medirdes, também vós sereis medidos; e vos será dado ainda mais. Ao que tem alguma coisa, será dado ainda mais; do que não tem, será tirado até mesmo o que ele tem” (vv. 23-25).

Depois de chamar a atenção dos ouvintes (cf. vv. 3.9), Mc fala sobre a medida: “com a mesma medida com que medirdes, também vós sereis medidos”. Deus reage à medida com que o homem mede (cf. a misericórdia em Mt 5,7; 25,31-46 e o perdão em Mt 6,12.14s; 18,23-35).

Não restringe esta frase aos critérios do julgamento, como a fonte Q fez e os outros evangelistas especificam (Mt 7,1s; Lc 6,37s). No contexto de Mc, a medida se refira talvez ao pensamento iluminado pela Palavra que trará mais benefícios (“frutos”, vv. 8.20) ainda: “e vos será dado ainda mais” (v. 24c; cf. Pr 9,9: “Dá ao sábio e ele se tornará mais sábio; ensina o justo, e ele aprenderá ainda mais”). Mas quem a esconder, vai perder ainda sua lucidez (“até mesmo o que ele tem”; v. 25b), porque age contra a razão quem não aceita a luz de Cristo e quem a esconde “debaixo de um caixote ou debaixo da cama”, perde o juízo (v. 21). É a Palavra que julga o ser humano: Quem a ouve e aceita, enriquece; quem a rejeita, empobrece.

“Ao que tem alguma coisa, será dado ainda mais; do que não tem, será tirado até mesmo o que ele tem”; o v. 25 reflete a experiência de que os ricos se tornam cada vez mais ricos e os pobres mais pobres. Em relação à ação de Deus, esta frase ganha outro sentido, como também em Lc 8,18 e no final da parábola dos talentos/minas em Mt 25,29; Lc 19,26.

A respeito da concentração de riqueza a custos dos pobres, cf. o relato do Oxfam (Comitê de Oxford de Combate à Fome) apresentado diante do Fórum Econômico Mundial de Davos em 2016: Apenas 62 pessoas possuem tanto quanto a metade da população do planeta. Há cinco anos ainda eram 388 pessoas.

O site da CNBB resume: A nossa vida não pode ser como a dos fariseus, que aparentam ser uma coisa quando na verdade são outra. Somos chamados a ser filhos da luz e a viver como filhos da luz, testemunhando o amor e a presença de Deus para todas as pessoas. Os nossos pecados se opõem a esse chamado, dificultando o nosso testemunho e obscurecendo a presença de Deus. Mas Deus age com misericórdia para conosco, se procuramos nos reconhecer pecadores e buscamos a nossa conversão juntamente com a conversão dos nossos irmãos e irmãs. Mas se agimos como fariseus, demonstrando uma santidade que não temos e condenando os pecados das outras pessoas, Deus nos pagará com a mesma moeda.

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