30 de Março de 2019, Sábado: O cobrador de impostos, porém, ficou à distância, e nem se atrevia a levantar os olhos para o céu; mas batia no peito, dizendo: ‘Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!’ Eu vos digo: este último voltou para casa justificado, o outro não. Pois quem se eleva será humilhado, e quem se humilha será elevado” (vv. 13-14).

Leitura: Os 6,1-6

Outra vez (cf. leitura de ontem) escutamos uma profecia de Oseias que atuava no Reino do Norte (chamado de “Israel” ou “Efraim”) até a queda da sua capital Samaria (750-722 a.C.). Às palavras do povo (vv. 1-3), Deus responde através do profeta (vv. 4-6). Oseias há de rejeitar uma atitude questionável dos seus contemporâneos a respeito do culto e do conhecimento de Deus.

“Vinde, voltemos para o Senhor, ele nos feriu e há de tratar-nos, ele nos machucou e há de curar-nos. Em dois dias, nos dará vida, e, ao terceiro dia, há de restaurar-nos, e viveremos em sua presença. É preciso saber segui-lo para reconhecer o Senhor. Certa como a aurora é a sua vinda, ele virá até nós como as primeiras chuvas, como as chuvas tardias que regam o solo” (vv. 1-3).

As palavras do povo (vv. 1-3) parecem ser uma conversão sincera, mas não há reconhecimento da própria culpa. Fala-se de feridas fáceis de curar (v. 1), logo a melhoria chegará (v. 2) tal certo como a “chuva” na primavera e pontual como a “aurora” depois da noite.

No entanto, o profeta descobre a falsidade de tal discurso. Mais que conversão sincera, é cálculo, segurança presunçosa que submete o Senhor a ritmos e módulos cósmicos, adorados pelo ambiente pagão. Pensam que o Senhor é perfeitamente previsível, e o homem pode controlar o mecanismo da reconciliação.

“Em dois dias nos dará vida e, ao terceiro dia, há de restaurar-nos” (v. 2) significa: em breve (cf. a cura de Ezequias em 2Rs 20,5.8). A expressão indica a rapidez da cura e confiança de Israel na restauração, tal necessária após as intervenções da maior potência da época, a Assíria. No NT (Novo Testamento), à diferença de Jn 2,1 (cf. Mt 12,39-40), este trecho de Os não é citado explicitamente, talvez se alude implicitamente a ele em 1Cor 15,4 e Lc 24,7 (ressurreição de Cristo); cf. o sacrifício de Abraão (Gn 22,4) e a teofania no Sinai “no terceiro dia” (Ex 19,16).

Como vou tratar-te, Efraim? Como vou tratar-te, Judá? O vosso amor é como nuvem pela manhã, como orvalho que cedo se desfaz. Eu os desbastei por meio dos profetas, arrasei-os com as palavras de minha boca, mas, como luz, expandem-se meus juízos (vv. 4-5).

O Senhor responde num momento de indecisão: “Como vou tratar-te, Efraim? Como vou tratar-te, Judá? ”. Efraim é uma tribo que representa o Reino do Norte (capital Samaria). Posteriormente, atualizando a mensagem no exílio da Babilônia (séc. VI a.C.), acrescentou-se “Judá” que representa o Reino do Sul (capital Jerusalém), porque o reino do Norte não existia mais (invasão dos assírios em 722 a.C.; cf. 2Rs 17). Só os judeus continuaram, e voltaram do exílio.

Deus responde repetindo e retorcendo palavras e imagens usadas antes pelo povo. Na ordem agrária, eles são “como nuvem pela manhã, como orvalho que cedo se desfaz”, não fecundos, mas passageiros (cf. v. 4b). Esperavam a aurora de Deus, e ele chegará, mas para sentenciar: “como luz expandem-se meus juízos” (v 5b). O sol já era símbolo do deus da justiça no Antigo Oriente (cf. Ml 3,20). Contra a falsa segurança, “eu os desbastei por meio de profetas, arrasei-os com palavras da minha boca” (v. 5a; cf. Is 11,4; 49,2; Hb 4,12; 1Rs 18; a imagem é da palavra de Deus afiada como uma espada).

Quero amor, e não sacrifícios, conhecimento de Deus, mais do que holocaustos (v. 6).

Deus não é uma máquina nem um garçom que atende automaticamente nossos pedidos em troca de moedas ou sacrifícios. Ele quer lealdade, uma relação pessoal, “amor e não sacrifício, conhecimento de Deus mais do que holocaustos” (v. 6; citado em Mt 9,13; 12,7). Amor-constância-lealdade é uma afeição que liga em profundidade um parceiro ao outro (cf. 2,21; 4,1; 10,12; 12,7; Gn 47,29; Ex 34,6; Js 2,14; Sl 86,11.15 etc.). Por conhecimento de Deus (cf. 4,1.6), o profeta entende não só a familiaridade com a revelação divina na história e na lei, tal como ensinado nos ambientes sacerdotais e proféticos, mas também um vínculo direto com Deus que se manifesta por uma vida fiel às suas exigências (prática da justiça e proteção do oprimido, cf. Jr 22,16).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1115) comenta: “Conhecer a Javé” é reconhecer o agir dele na história passada e no presente, ação que exige fidelidade do seu povo. Para voltar a Javé, é necessária uma conversão radical: amor incondicional e conhecimento de Deus. 5,15 e 6,1.4b são releituras do exílio, e 6,6 carrega a crítica contra o ritualismo da religião no pós-exílio (cf. Mt 9,13; 12,7).

 

Evangelho: Lc 18,9-14

Como o profeta Oseias criticou a religião calculista e a falta de conversão do seu povo (cf. leitura), Jesus critica a atitude dos fariseus.

Jesus contou esta parábola para alguns que confiavam na sua própria justiça e desprezavam os outros: “Dois homens subiram ao Templo para rezar: um era fariseu, o outro cobrador de impostos (vv. 9-10).

Lucas conta algumas parábolas que não são comparações ao reino de Deus, mas exemplos que apresentam uma atitude a imitar ou evitar (cf. 10,30-37; 12,16-21; 14,28-32; 16,1-8). Aqui em v. 9, o evangelista já indica a intenção que atribuiu à parábola que se segue. Nela vê uma crítica aos que estão seguros da própria justiça (cf. 5,32; 15,7) que a querem exibir (cf. 16,15; 10,29). Descreve satiricamente um tipo de religiosidade falsa e contrapõe-lhe afetuosamente um tipo autêntico.

O fariseu, de pé, rezava assim em seu íntimo: ‘Ó Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens, ladrões, desonestos, adúlteros, nem como este cobrador de impostos. Eu jejuo duas vezes por semana, e dou o dízimo de toda a minha renda’ (vv. 11-12).

O fariseu é uma figura típica, está satisfeito de si e despreza os demais. Ele cumpre de fato as práticas piedosas da sua seita (partido religioso, cf. 5,33; 11,42) e nisto encontra a certeza da sua justiça, mas ele não espera nada de Deus, “de pé, rezava assim no seu íntimo” (v. 11; lit.: “rezava consigo mesmo”). A ação de graças é recitada no AT pelos benefícios recebidos de Deus, o fariseu o perverte dando graças a Deus por sua própria bondade, a de suas obras humanas e observâncias (Dt 14,22).

O cobrador de impostos, porém, ficou à distância, e nem se atrevia a levantar os olhos para o céu; mas batia no peito, dizendo: ‘Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!’ Eu vos digo: este último voltou para casa justificado, o outro não. Pois quem se eleva será humilhado, e quem se humilha será elevado” (vv. 13-14).

Também o cobrador de impostos é personagem típica. Os judeus qualificam tais pessoas de “pecadores” por sua colaboração com o Império Romano (cf. 5,27; 32; 19,1-10). Com seu exército, os romanos oprimiam os povos subjugados e terceiriravam a cobrança de altos impostos. O salário dos cobradores era o que podiam cobrar além da taxa estabelecida. Diante de Deus, o cobrador não rejeita o título de pecador, assume-o no arrependimento, mas esta confissão sincera o abre a Deus e à sua graça.

“Ficou a distância e nem se atrevia a levantar os olhos para o céu, mas batia no peito, ” pedindo apenas piedade: “Meu Deus, tende piedade de mim que sou pecador” (v. 13; cf. Sl 32,1-2.5; 41,5; 51,3-11). Ele volta para casa “justificado”, mas o fariseu não. A justiça que o fariseu pretendia adquirir por suas obras, ele não consegue porque é dom que só Deus pode conceder (cf. Fl 3,9).

A sentença final, que encontramos já em 14,4 (cf. 1,52), é um apelo amplo a humildade, “pois quem se eleva, será humilhado e quem se humilha será elevado” (v. 14; cf. 1,52; 14,11; 16,14s; Mt 23,12; Ez 21,31). Assim, como na introdução (v. 9), Lc amplia a moral da parábola, do âmbito judaico para seus leitores (gregos, romanos) em geral.

Na espiritualidade ortodoxa desenvolveu-se uma oração (jaculatório) que se inspira no grito de Bartimeu, cego e mendigo: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim” (Mc 10,47), e junta as palavras do publicano da nossa parábola. Esta oração repetitiva chama-se “Terço Bizantino” (usa também uma corrente de contas) ou “oração do coração” ou “oração de Jesus“ que invoca “sem cessar” (cf. 1Ts 5,17) o nome de Jesus (cf. os livros: Filocalia; Relatos de um Peregrino Russo; Terço bizantino com Pe. Marcelo Rossi). Na sua versão original reza-se ao inspirar “Senhor Jesus Cristo, (Filho de Deus) ”, e ao expirar: “Tem piedade de mim (pecador). ”

O site da CNBB comenta: Jesus nos mostra no Evangelho de hoje que a salvação não pode ser alcançada por nossas ações, uma vez que a pessoa não pode salvar-se por si mesma, mas por uma ação amorosa e gratuita do próprio Deus. Nós não nos salvamos, aos homens isso é impossível, mas Deus nos salva, pois para ele tudo é possível. Sendo assim, a nossa salvação depende antes de tudo da postura que temos diante de Deus. O fariseu contava os seus méritos diante de Deus, o que não lhe garantiu a salvação, enquanto que, ao demonstrar as suas misérias e os seus pecados diante de Deus, o cobrador de impostos reconhecia que somente Deus poderia salvá-lo e implora por essa salvação e, por isso, ele foi atendido em suas preces.

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