30 de novembro de 2016 – 31º Domingo Ano C

1ª Leitura: Sb 11,22-12,2

A 1ª leitura de hoje combina com a atitude misericordiosa de Jesus perdoando ao publicano Zaqueu no evangelho de hoje. Mais ainda, é citada nos documentos papais que tratam da misericórdia (João Paulo II, Dives in Misericórdia; Francisco, Misericórdiae vultus), porque afirma que Deus é misericordioso não por fraqueza, mas porque é todo-poderoso e ama todas as criaturas (vv. 23-26).

O livro de Sabedoria é o mais novo do AT e não faz parte da Bíblia (hebraica) dos judeus, nem da dos protestantes. Foi escrito em grego em Alexandria do Egito entre 50 e 30 a.C. para fortalecer a fé dos 200.000 judeus que moravam nesta cidade pagã de cultura helenista e filosofia grega (abrigava a maior biblioteca da antiguidade).

Na terceira parte do livro (10,1-19,22), o autor narra a história do Êxodo no tempo de Moisés, atualizando e refletindo sobre a ação de Deus nas pragas e na libertação da escravidão do Egito, dando um sentido universal.

Nos vv. anteriores à nossa leitura, menciona que Deus não enviou ursos ou leões, mas insetos e repteis como praga aos egípcios. A Nova Bíblia Pastoral (p. 846) comenta o contexto: O culto a animais e repteis era comum no Egito. Daí que o sábio atribui a essa prática o castigo de Ex 7,26-8,11. Deus os teria punido através dos animais que eles adoravam. Para o sábio, mais que castigo, o agir de Deus foi um corretivo, pois ele não quer a morte de quem se desviou do bom caminho; ele quer a sua conversão, pois ele o ama. Ele quer que o injusto mude de conduta e aprenda que só Deus é o Senhor, o amigo da vida.

Senhor, o mundo inteiro, diante de ti, é como um grão de areia na balança, uma gota de orvalho da manhã que cai sobre a terra (v. 22).

“Como um grão de areia na balança” Lit. como o peso ínfimo retirado dos pratos da balança. Pode-se também compreender: “que não pesa na balança”.

Israel só deve adorar Javé, seu Deus que é mais poderoso do que os ídolos, os deuses dos outros povos. O Segundo Isaías (Deutero-Isaías) foi o primeiro que expressou um monoteísmo exclusivo (existe um único deus, os outros deuses nem existem, cf. Is 43,11s; 44,6.8; 45,5s) e já utilizou as duas imagens: “As nações não passam de um gota que cai de uma balde, são reputadas como o pó depositado nos pratos de uma balança, as ilhas não pesam tanto como um grão de areia” (Is 40,15; cf. Os 13,1-3).

Entretanto, de todos tens compaixão, porque tudo podes. Fecha os olhos aos pecados dos homens, para que se arrependam (v. 23).

Compaixão pode ser mal entendida como fraqueza, moleza, falta de determinação etc., mas aqui se relaciona com o onipotência de Deus que lhe permite ter paciência e misericórdia.

A Bíblia do Peregrino (p. 1552) comenta: Extraordinária afirmação: a onipotência como causa ou razão da compaixão. Um poderoso é injusto porque ambiciona mais poder, porque teme perdê-lo, por cobiça, por temor; é rigoroso porque não ama o acusado, porque teme que lhe escape, porque deve prestar contas, porque deve atender-se a prazos, e embora tenha boa vontade, talvez não acerte. Ao invés, Deus tem o poder supremo (vv. 17.23), não teme ninguém (12,11), não tem de prestar contas (12,12-13), ama os acusados (11,24), tem tempo (11,21; 12,18), sempre acerta (11,20). Quer a conversão e dá tempo a ela. Ver a profissão litúrgica: Sl 86,15; 103,8; Nm 14,18.

A Bíblia de Jerusalém (p. 1222) comenta: O pensamento dos vv. 23s não é novo em Israel, mas jamais se exprimiram com tanta força e na forma de raciocínio a universalidade da piedade de Deus pelos pecadores (cf. Jn 3-4), o papel determinante do amor na criação e conservação dos seres.

Sim, amas tudo o que existe, e não desprezas nada do que fizeste; porque, se odiasses alguma coisa não a terias criado. Da mesma forma, como poderia alguma coisa existir, se não a tivesses querido? Ou como poderia ser mantida, se por ti não fosse chamada? A todos, porém, tu tratas com bondade, porque tudo é teu, Senhor, amigo da vida (vv. 24-26)

A primeira página da Bíblia já afirma que o universo foi criado pela livre vontade de Deus, (não pela luta de vários deuses entre si como afirmavam outros povos) que “não despreza nada” do que fez: “Tudo era muito bom” (cf. Gn 1). Pela Palavra de Deus, cada criatura é “chamada” à existência (Gn 1; Sl 33,6; cf. Is 41,4; 48,13; Rm 4,17; Jo 1,1), e a também mantida; nota-se aqui a estreita ligação entre criação e preservação dos seres.

Neste texto entra o amor de Deus como razão da criação. O amor de Deus por todos os seres existentes é justificado pela criação considerada como uma obra de amor. Prova que Deus nos ama, é que existimos. Se alguém ama uma pessoa, quer que ela esteja aqui. Se odeia, não quer esta pessoa aqui, quer que ela nem exista. “Amas tudo o que existe… , se odiasses alguma coisa não a terias criado… como poderia alguma coisa existir, se não a tivesses querido?”

Deus é “amigo da vida”, não tem prazer na morte (cf. 1,13s; 2,23s).

A Bíblia do Peregrino (p. 1552) comenta: O amor criador. A onipotência sozinha não explica adequadamente a criação, entra também a vontade livre de Deus (Sl 115,3). O autor fala desse amor inicial e prévio, razão última da existência dos seres (como o amar e desejar o filho, ainda não concebido, pode ser a razão do seu existir), a onipotência vem a ser o executor do desejo amoroso.

O teu espírito incorruptível está em todas as coisas! (12,1)

Todas as coisas são de Deus porque levam seu sopro (cf. 1,7; Ecl 12,7). A Bíblia de Jerusalém (p. 1222) comenta: É o sopro vital derramado por Deus nas criaturas (Gn 2,7; 6,3; Sl 104,29s; Jó 27,3; 34,14s). Não parece que o autor aluda ao espírito da filosofia estoica ou a alma do mundo. – A Vulgata e numerosos mss latinos traduziram (erroneamente): “Como é bom e suave, Senhor, teu espírito em todos os seres!”

É por isso que corriges com carinho os que caem e os repreendes, lembrando-lhes seus pecados, para que se afastem do mal e creiam em ti, Senhor (12,2).

O versículo funciona como ligação para os vv. seguintes (o pecado dos cananeus). “Corriges com carinho… para que se afastem do mal”. Deus não tem prazer na morte do pecador, mas quer que este se converta e viva (Ez 18,23.32; 33,11).

2ª Leitura: 2Ts 1,11-2,2

Neste domingo e nos próximos ouvimos trechos da Segunda Carta aos Tessalonicenses. Tessalônica é uma grande cidade comercial no norte da Grécia e também ponto de encontro para muitos pensadores e pregadores das mais diversas filosofias e religiões. Paulo anunciou o evangelho e formou aí um pequeno grupo. Perseguido, ele teve que fugir (cf. At 17,1-10), mas continuou a comunicação através de cartas.

A segunda carta aos Tessalonicenses tem a mesma estrutura do que a primeira. A primeira foi escrita por Paulo em 51 ou 52 d.C. em Corinto; é o documento mais antigo do Novo Testamento (NT) e, portanto, do cristianismo. A segunda carta, porém, corrige algumas expectativas exageradas naquela comunidade a respeito da parusia (segunda vinda de Cristo, no fim dos tempos). Por isso, alguns peritos pensam num discípulo do apóstolo como autor desta carta, usando o nome de Paulo para mostrar sua fidelidade ao mestre.

Os remetentes desta carta (“Paulo, Silvano e Timóteo”, v. 1) saúdam os tessalonicenses e agradecem pelo crescimento da comunidade na fé, na caridade e na perseverança, mesmo em perseguições (vv. 1-5). Invocam a justiça de Deus sobre oprimidos e opressores no dia da vinda do Senhor Jesus (parusia, cf. vv. 6-10).

Não cessamos de rezar por vós, para que o nosso Deus vos faça dignos da sua vocação. Que ele, por seu poder, realize todo o bem que desejais e torne ativa a vossa fé (v. 11b).

Diante do juízo de Deus, os chamados têm que se mostrar dignos. Os missionários rezam nesta intenção e que Deus ajude a comunidade a crescer na boa vontade e na realização do bem, lit. “que ele satisfaça todo desejo de bem e a obra da fé, em poder”. O termo aqui traduzido por “desejo” evoca uma disposição interior dirigida para o bem que é muitas vezes atribuída a Deus; o termo toma então o sentido de benevolência divina, ou seja, vontade de salvação.

A linguagem dos vv. 6-10 foi dura, no estilo apocalíptico, em cena de julgamento, com prêmio e castigo. Por isso, tem como critério do julgamento a “fé ativa”, manifestada na prática da justiça (cf. Tg 2,14-26).

Assim o nome de nosso Senhor Jesus Cristo será glorificado em vós, e vós nele, em virtude da graça do nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo (v. 12).

Os vv. 11-12 são uma breve súplica, como é costume no estilo epistolar. Destino do cristão é contemplar e refletir a glória de Deus (Jo 17,10; 1 Jo 3,2).

No que se refere à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa união com ele, nós vos pedimos, irmãos: não deixeis tão facilmente transtornar a vossa cabeça, nem vos alarmeis por causa de alguma revelação, ou carta atribuída a nós, afirmando que o Dia do Senhor está próximo (vv. 1-2).

A parusia (a “vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” no final dos tempos) já foi descrita na primeira carta (1Ts 4,13-5,11). Não se previa a data exata da Vinda, mas sublinhou sua proximidade: “O dia do Senhor virá como um ladrão noturno” (cf. Mt 24,43p); é preciso vigiar porque o tempo é breve (1Cor 7,26-31; 2Cor 6,2). O próprio Paulo ainda pensava na possibilidade de estar vivo quando acontecer esta vinda do Senhor (cf. 1Ts 4,15; 1Cor 15,51s). Sua vinda é nossa “(re)união” com ele: encontro desejável e libertador (cf. 1Ts 4,17).

“Alguma revelação, ou carta atribuída a nós”; pode-se ligar esta última expressão aos três termos em v. 2: “revelação”, “carta”, “afirmação”. Nossa liturgia a relacionam apenas ao termo “carta” e aí veem então a possibilidade de uma alusão a uma carta falsa. O apóstolo Paulo provavelmente deixou entrever a possibilidade da vinda próxima do Senhor, tanto nas suas instruções orais como nas suas cartas (cf. 1Ts 2,19; 3,13; 4,15-17; 5,4; 1Cor 7,29-31; 15,51s). Mais tarde os tessalonicenses acreditam que já viviam este período privilegiado da história da salvação (cf. 2Cor 6,2: “Eis agora o dia da salvação”).

Pelo aumento de dificuldades e perseguições, uma onda de boatos deve ter se espalhados, anunciando que estava próxima a vinda gloriosa de Jesus. Isso causou confusão e espanto, como as notícias que volta e meia anunciam o fim do mundo. O autor da carta desmente tais boatos: “O Dia do Senhor está próximo”; outros traduzem o perfeito grego com valor de presente, “já chegou, já está aqui”. Mc 13,7p também convida os cristãos a não se deixar “enganar” (v. 3a) e atemorizar. Esta recomendação parece própria dos apocalipses.

Na escatologia (doutrina sobre as últimas coisas, pós-morte, fim do mundo, juízo final etc.), muitas vezes temos a tensão entre “já” e “ainda não”. O reino de Deus “já” chegou com Jesus (cf. Mc 1,15), mas “ainda não” se realizou em plenitude: o mal no mundo será vencido somente “no último dia”, ou seja, na parusia (volta triunfal de Cristo, cf. Mc 13p; Ap). Também no quarto evangelho temos a escatologia presente que parece ter sido corrigida por uma redação posterior para evitar o mesmo mal-entendido (cf. Jo 5,24s.28s).

Respondendo, certamente, a novas questões, a segunda carta retoma aqui a questão do destino dos vivos e dos mortos (cf. 1Ts 4,13-17; 1Cor 15). Ela se limita a precisar que a vinda do Senhor não é iminente e será precedida por sinais reconhecíveis (cf. 2,3b-12; omitido pela nossa liturgia): antes deste dia do Senhor acontecer, surgirá “a apostasia, o homem da impiedade, o filho da perdição, o adversário” (2,3b-4). Não sabemos o significado destes termos apocalípticos; podem-se comparar ao rei perseguidor (Antíoco Epífanes IV em Dn 11,36), à besta-fera (o imperador romano que exige adoração em Ap 13), ao anticristo (cf. 1Jo 2,18.22; 4,2s).

 

Evangelho: Lc 19,1-10

Como na parábola do domingo passado, encontramos no evangelho de hoje outro cobrador de impostos valorizado por Jesus, desta vez é um chefe dos cobradores de nome Zaqueu. Nossa liturgia dominical soltou o trecho que Lc copiou de Mc: Jesus acolhendo as criancinhas, o rico que não consegue seguir a Jesus, enquanto o cego mendigo é curado e segue Jesus (vv. 15-43).

A viagem de Jesus a Jerusalém chega à sua última etapa. Os dois episódios em Jericó respondem de algum modo ao que vai sendo narrado. O cego que reconhece o Messias contrasta com a cegueira mental dos doze apóstolos (18,35-43). O rico Zaqueu que se converte revela o que é possível para Deus (“salvar um rico”, cf. 18,27). O cego, sem ver, já conhece o Filho de Davi; Zaqueu procura ver e conhecê-lo. O que foi demonstrado na parábola do domingo passado (18,9-14), a justificação de um cobrador de impostos, agora é comprovado num caso concreto. A conversão do pecador e sua acolhida pela misericórdia de Deus (cf. cap. 15) é tema preferido de Lc, como também a justiça social (cf. cap. 16; 6,20-26 etc.)

Jesus tinha entrado em Jericó e estava atravessando a cidade. Havia ali um homem chamado Zaqueu, que era chefe dos cobradores de impostos e muito rico (vv. 1-2).

Na cura do cego em Mc 10,46-52, Jesus estava saindo de Jericó; em Lc, porém, está entrado. Jericó era uma cidade próspera no meio do deserto perto da foz do Rio Jordão onde havia travessias a (Trans-) Jordânia e se cobrava tributos. Lc não transmitiu o nome do cego (Mc 10,46: Bartimeu), mas o do chefe dos cobradores. Zaqueu era “muito rico”, como “certo homem de posição” que não seguiu seguir Jesus em 18,18-23.

Os romanos davam em arrendamento a cobrança de impostos sem exigir outra coisa senão o pagamento pontual da quantidade estipulada. Assim os romanos privatizaram a cobrança de seus impostos e a riqueza de Zaqueu procede do seu ofício, desempenhado sem escrúpulos. Um chefe de coletores, como intermediário superior, tinha mais ocasiões para enriquecer-se “defraudando” (v. 8) não o fisco, mas os pobres cidadãos que odiavam os cobradores por sua ganância e arbitrariedade, considerando-os pecadores públicos (publicanos, cf. 5,30p; 15,2; Mt 5,46; 18,17; 21,32).

Zaqueu procurava ver quem era Jesus, mas não conseguia, por causa da multidão, pois era muito baixo. Então ele correu à frente e subiu numa figueira para ver Jesus, que devia passar por ali (vv. 3-4).

Zaqueu deseja ver Jesus, e sua curiosidade não parece apenas superficial. De alguma maneira, também ele se pergunta (como Herodes e melhor que ele, cf. 9,9): quem é esse homem de Nazaré? A psicologia nos ensina que procuramos compensar nossos defeitos ou deficiências. Zaqueu queria compensar sua baixa estatura com o acúmulo de dinheiro para aparecer como gente grande? Nenhum judeu iria deixá-lo à frente, portanto ele sobe numa figueira, o homem rico de posição comporta-se como um menino de rua.

Quando Jesus chegou ao lugar, olhou para cima e disse: ”Zaqueu, desce depressa! Hoje eu devo ficar na tua casa” (v. 5).

A Bíblia do Peregrino (p. 2518) comenta: Jesus se adianta, sai ao seu encontro (Sl 59,11; 79,8), pede pousada a um pecador. Talvez a vinheta do homem muito rico e muito baixinho, que sobe numa árvore, seja irônica. A cena ganha com isso interesse, já que Jesus tem que falar-lhe “olhando para cima”. Jesus o chama pelo nome, como se o conhecesse, como se houvesse descido expressamente para visitá-lo.

As visitas e as hospedagens têm um lugar importante em Lc (cf. 1,39-56; 6,29-32; 7,36-50; 951-56; 10,34s.36-42; 11,37; 14,1-24; 22,7-27; 24,28-32). Em Lc, “hoje” (vv. 5.9) é termo significante para salvação (2,11; 4,21; 5,26; 23,43; cf. Mc 1,15); também o plano de salvação “deve” se realizar (cf. 9,22.44s; 18,31-33; 24,26.44) e “ficar” (cf. 7,36; 11,37; 24,29; At 16,15; Mt 28,20 etc.).

Ele desceu depressa, e recebeu Jesus com alegria. Ao ver isso, todos começaram a murmurar, dizendo: ”Ele foi hospedar-se na casa de um pecador!” (vv. 6-7).

Zaqueu obedece contente, reage “depressa” e “com alegria” (como os pastores de Belém, cf. 2,10.16). A Bíblia do Peregrino (p. 2518) comenta: É uma honra Jesus se hospedar em sua casa: como a arca na casa de Obed-Edom e de Davi (2Sm 6), como pede o autor de um salmo: “Quando virás à minha casa?” (101,2). Mas o fato provoca uma reação contrastada, em triângulo: os presentes, Zaqueu, Jesus.

De Mc, Lc já copiou outro banquete na casa de cobrador de impostos (5,29-32p: Levi), onde os presentes (fariseus) começaram a “murmurar” (5,30; 15,2; cf. Ex 15,24; 16,2; 17,3; Nm 11,4s; 14,2s) e se escandalizaram (só não agridem como em 4,28s), pois o importante para eles é observar as normas da pureza legal.

Zaqueu poderia ter reagido como o centurião: “Não sou digno de que entres em minha morada” (cf. 7,6p), mas Zaqueu era judeu, não pagão (cf. At 11,2s; Jo 18,28s), e sua alegria era demais, pois apresenta outra reação em seguida.

Zaqueu ficou de pé, e disse ao Senhor: ”Senhor, eu dou a metade dos meus bens aos pobres, e se defraudei alguém, vou devolver quatro vezes mais.” (v.8)

A generosidade de Zaqueu mostra que ele recebeu o perdão e a salvação (cf. o amor da pecadora perdoada em 7,47).

A resposta de Zaqueu quer mostrar que o pecador tem se convertido de verdade; ele dá metade dos bens aos pobres. Os mestres da lei exigiam somente 20% do total dos bens como entrada e depois 20% da renda anual. Para restituição de bens adquiridos de maneira ilegítima (extorsão, fraude etc.), previa-se o valor correspondente mais um quinto (Lv 5,20). Zaqueu faz devolução generosa, acima do duplo que a lei exige em caso de roubo (Ex 22,1-4), mesmo segundo o cálculo de Davi, “quatro vezes” (2Sm 12,6). A lei judaica (Ex 21,37) só previa restituição ao quádruplo para um só caso (roubo de boi ou ovelha); a lei romana a impunha para todos os furtos manifestos. Zaqueu amplia para si mesmo essa obrigação a todos os prejuízos que tenha podido causar. À maneira de expiação, reparte a metade da sua fortuna com os pobres e fica com o resto. Não se desprende de “tudo” para seguir Jesus, pois não foi chamado como Levi em 5,27s (cf. 5,11p; 12,33; 14,33; 18,22).

Assim a tradição cristã caracteriza a exigência da pobreza (e da castidade e obediência) como “conselho evangélico” para alguns eleitos (padres, monges, freiras), não como lei para todos. A doutrina social da Igreja, declara legítima a propriedade particular, mas não a isenta de suas obrigações sociais e ambientais.

Jesus lhe disse: ”Hoje a salvação entrou nesta casa, porque também este homem é um filho de Abraão. Com efeito, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido” (vv. 9-10).

Jesus faz a declaração final, mais uma vez com o termo significativo “hoje” (v. 5). A Bíblia do Peregrino (p. 2518) comenta: Um profeta (Trito-Isaías), sem definir data, anunciava: “Praticai a Justiça, pois minha salvação está para chegar” (Is 56,1). Jesus declara: Hoje chegou, porque ele é o Salvador que veio “buscar o que estava perdido” (Ez 34,7).

Zaqueu era uma ovelha perdida que pertence ao rebanho, ao povo eleito; o bom pastor o procurou e todos devem se alegrar, porque foi resgatado (cf. Lc 15). Como a um “filho de Abraão” (cf. 13,16), cabe a ele e à sua casa a promessa de salvação, apesar da profissão desprezada que exerce (v. 7; 5,30; 7,34; 15,1). Nenhum estado é incompatível com a “salvação” (cf. 3,12-14).  A qualidade de “filho de Abraão” é que conferia aos judeus todos os privilégios (cf. 3,8; Rm 4,11s; Gl 3,7s). Jesus inclui os doentes (leprosos) e deficientes (cegos), os pecadores (cobradores de impostos, prostitutas, ladrão na cruz) e pagãos (centurião, e muitos outros nos Atos dos Apóstolos) na salvação.

O site da CNBB comenta: O Evangelho de hoje nos mostra os passos que todos nós devemos dar no caminho da conversão. Inicialmente, Jesus nos provoca o desejo de conhecê-lo e nós, respondendo a essa provocação, procuramos vê-lo de alguma forma. Então Jesus entra na nossa vida e nós, porque alegremente o acolhemos, fazemos a experiência da sua companhia e da sua amizade através da intimidade da experiência interior, o que nos faz vislumbrar os verdadeiros valores que nos fazem felizes, de modo que procuramos viver o amor fazendo o bem e reparando o mal que praticamos. Assim, Jesus nos encontra quando estamos perdidos e nos possibilita trilhar o caminho da salvação.

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