30 de Outubro de 2019, Quinta-feira: Jerusalém, Jerusalém! Tu que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes eu quis reunir teus filhos, como a galinha reúne os pintainhos debaixo das asas, mas tu não quiseste!

30ª Semana do Tempo Comum

Leitura: Rm 8,31b-39

O capítulo central da carta aos Romanos encerra com uma espécie de hino triunfal sobre a vitória total do projeto de Deus que consiste em manifestar seu amor à humanidade, através das palavras e ações de Jesus Cristo (Ef 3,18s). Com ele podemos vencer em qualquer processo e derrotar os mais fortes inimigos coligados. Os vv. 35-39 inspiraram o canto “Quem nos separará?”.

Se Deus é por nós, quem será contra nós? (v. 31b).

Os verbos usados sugerem ao quadro de um processo. “Ser/estar contra” e “acusar” ou “ser fiscal” é em hebraico o verbo satan (cf. Jó 1-2 e Zc 3).

Deus que não poupou seu próprio filho, mas o entregou por todos nós, como não nos daria tudo junto com ele? (v. 32).

“Não poupou seu próprio filho, mas o entregou”; esta expressão alude ao sacrifício de Isaac por Abraão em Gn 22,12.16; com sua atitude, o patriarca demonstrou seu temor (respeito) a Deus.

Sobre o Servo de Javé, o Segundo Isaias escreveu: “Deus o entregou por nossos pecados” (Is 53,6 grego; cf. 1Jo 4,10).

Quem acusará os escolhidos de Deus? Deus, que os declara justos? Quem condenará? Jesus Cristo, que morreu, mais ainda, que ressuscitou, e está, à direita de Deus, intercedendo por nós? (vv. 33-34).

Em forma semelhante de perguntas, o Servo de Javé já desafiou seus acusadores (Is 50,8s). Como quem se defende de um processo de acusação, a pessoa justificada por Deus possui a certeza da vitória, porque tem como advogado de defesa o próprio Jesus (cf. Lc 21,14s; 1Jo 2,1; cf. Mt 10,20; Lc 12,12; Jo 14,16), ressuscitado e sentado “à direita de Deus” (citação de Sl 110,1), intercede por nós (cf. Mc 14,62p; At 37,55s; Jo 3,16; 1Jo 3,16s; Hb 4,16).

  1. 34 é como um credo sintetizado (cf. 1Cor 15,3-8; Rm 10,9).

Quem nos separará do amor de Cristo? Tribulação? Angústia? Perseguição? Fome? Nudez? Perigo? Espada? Pois é assim que está escrito: “Por tua causa somos entregues à morte, o dia todo; fomos tidos como ovelhas destinadas ao matadouro” (vv. 35-36).

A citação pertence a uma súplica coletiva (Sl 44,23, talvez alusão às perseguições de Antíoco Epífanes). O mesmo salmo (Sl 44,4) atribui a vitória pela ação exclusiva de Deus.

Mas, em tudo isso, somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou! (v. 37).

A vitória de Jesus Cristo sobre o mundo em Jo 16,33 é aqui vitória nossa, pelo amor que Deus nos demonstrou na obra de Jesus Cristo.

Tenho a certeza que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os poderes celestiais, nem o presente nem o futuro, nem as forças cósmicas, nem a altura, nem a profundeza, nem outra criatura qualquer será capaz de nos separar do amor de Deus por nós, manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor (vv. 38-39).

 “Poderes”, “altura”, “profundeza”: Paulo enumera uma lista de forças angélicas, demoníacas, astrológicas, sem dúvida as forças misteriosas do cosmos, considerados como podendo hostis ao homem segundo a concepção dos antigos (cf. Ef 1,21; 3,18).

Com o amor de Deus, manifestado em seu filho, nada mais temos a temer; nem dificuldades, nem perseguições, nem martírio, nem qualquer forma de dominação. Nada poderá desfazer o que Deus já realizou. Nada poderá impedir o testemunho dos cristãos. E nada poderá opor-se à plena realização do projeto de Deus.

A Bíblia do Peregrino (p. 2722) comenta: A vitória de Jesus Cristo em Jo 16,33 é aqui nossa vitória, pelo amor que Deus nos demonstrou na obra de Jesus Cristo. Diz o Cântico dos Cânticos (8,6) que “o amor é forte como a morte”; Paulo esta dizendo que o amor é mais forte que a morte, que Deus nos ama para além; concluímos que esse amor é penhor de ressurreição.

 

Evangelho: Lc 13,31-35

Depois de considerações sobre a incredulidade de Israel do tempo de Jesus (vv. 22-30, evangelho de ontem), ouvimos hoje duas declarações de Jesus acerca da sua própria morte: os vv. 31-33, que lhe são próprios, e os vv. 34-35, que Mt situa mais tarde (como final do discurso contra os fariseus em Mt 23,37-39).

Naquela hora, alguns fariseus aproximaram-se e disseram a Jesus: “Tu deves ir embora daqui, porque Herodes quer te matar”. Jesus disse: “Ide dizer a essa raposa: eu expulso demônios e faço curas hoje e amanhã; e no terceiro dia terminarei o meu trabalho. Entretanto, preciso caminhar hoje, amanhã e depois de amanhã, porque não convém que um profeta morra fora de Jerusalém (vv. 31-33).

Esta notícia não se encaixa bem na viagem de Jesus a Jerusalém, porque já ele tinha saído do território de Herodes, da Galileia tomando o caminho pela Samaria em 9,51s. Herodes Antipas (cf. Lc 3,1) era governador (tetrarca) apenas da Galileia e ainda da Pereia (Transjordânia), mas seu poder era concedido por Roma.

Lc é o único evangelista a apresentar os fariseus aparentemente favoráveis a Jesus (cf. 7,36; 11,37; 14,1; cf. At 23,6; 26,5). A Bíblia do Peregrino (p. 2504) comenta:  A intenção dos fariseus não é clara: pretendem intimidar Jesus? Buscam descarregar a culpa em outro? Jesus não admite intimidação em seu caminho. Embora detenha o poder, Herodes é um animalzinho sem importância (cf. Ez 13,4; Ne 3,35).

Herodes talvez quisesse, com esta ameaça, desembaraçar-se de Jesus; a essa manobra aludiria o epíteto de “raposa”. Para Jesus, Herodes não é perigoso; ele não é um leão (imagem tradicional dos reis; os rabinos costumavam aplicá-la a pessoas perigosas; cf. Sl 17,12; 22,14). Jesus encontrará Herodes em Jerusalém durante sua paixão, mas será condenado por Pilatos (23,6-12).

Esta vez não é como a do outro Herodes (Herodes Grande, o pai de Antipas, reinava sobre Israel toda) e as crianças inocentes em Belém (Mt 2). A Bíblia do Peregrino (p. 2504) comenta: Jesus tem ainda tarefa clara. Morrerá quando chegar sua hora, não antes; em Jerusalém, não fora. Cabe a Deus fixar os prazos (Sl 75,3). Os poderes humanos podem executar, mesmo sem pretendê-lo nem sabê-lo, plano decidido por Deus não podem interferir nem impedi-lo.

“Hoje, amanhã e no terceiro dia/depois de amanhã”; este esquema dos três dias indica um intervalo de tempo bastante curto e pode ter sido tomado de Os 6,2 e adaptado como enigma à situação presente. “Terminarei o meu trabalho” (Lit. “estou no fim”). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2008) comenta: A expressão é equivocada: ele pode ser entendida no stnido temporal (a minha missão está terminada) ou indicar o resultado obtido (eu atingi a minha meta). Como em 22,53, como também em Jo 7,30 e 8,20, os inimigos de jesus não podem atingi-lo antes que “sua hora tenha chegado”.

Jerusalém, Jerusalém! Tu que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes eu quis reunir teus filhos, como a galinha reúne os pintainhos debaixo das asas, mas tu não quiseste! Eis que vossa casa ficará abandonada. Eu vos digo: não me vereis mais, até que chegue o tempo em que vós mesmos direis: Bendito aquele que vem em nome do Senhor” (vv. 34-35).

O Senhor quis proteger seu povo “à sombra das suas asas” (Sl 36,8) e a capital Jerusalém com sua presença no templo (Is 31,5; 37,33-35), exigindo ao mesmo tempo a conversão (Jr 7). Ela em vez de receber “profetas e enviados”, os matou (Ne 9,26; At 7,52), “resistiu” ao chamado de Deus. Leia-se a terrível descrição da “Cidade Sanguinária”, traçada por Ezequiel, profeta da catástrofe: “cidade que se encaminha para seu fim” (Ez 22,2). Agora vem Jesus, novo enviado de Deus, para cumprir a mesma missão; e vai sofrer o destino dos profetas.

Ora, como já aconteceu uma vez em 586 a.C. (destruição de Jerusalém e do templo pelos babilônios; Lm 1,8.14.18 etc.), acontecerá outra vez (destruição da cidade e do templo pelos romanos em 70 d.C., fato conhecido por Lc 19,41-44): a casa habitada “ficará abandonada”, seja o templo, seja a cidade (1Rs 9,7-9; Jr 12,7). Mas chegará “o tempo”, quando as pessoas o verão voltando (na parusia, cf. 21,27?), e o receberão com a saudação do salmo: “Bendito aquele que vem em nome do Senhor” (Sl 118,26), o que acontecerá já na entrada em Jerusalém (19,30). Anúncio de conversão tardio de Israel? (cf. Rm 11,25-26).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2008) comenta a cronologia dos evangelhos sinóticos (Mc, Mt e Lc): Essas palavras que Mt situa durante a pregação de Jesus em Jerusalém supõem que Jesus já exerceu seu ministério na cidade antes da “Semana Santa”. O fato é muito verissímil (cf. Jo); ele faz sobressair o caráter artificial do plano dos sinóticos, e notadamente da composição da viagem a Jerusalém no terceiro evangelho.

O site da CNBB comenta: A ameaça de morte não faz com que Jesus se acovarde, a sua resposta é bem clara: “devo prosseguir o meu caminho, pois não convém que um profeta perece fora de Jerusalém”. Jesus vai seguir o seu caminho até o fim porque a sua fidelidade ao Pai está acima de todas as coisas, inclusive da sua própria vida, que ele vai entregar livremente em Jerusalém para que o homem seja resgatado do reino da morte. O mundo não quer a vida do profeta, não quer que ele chegue a realizar a sua missão e todos os que são do mundo, religiosos ou não, não toleram a presença do profeta, embora a sua morte contribua para a salvação de todos.

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