30 de setembro de 2017 – Sábado, 25ª semana

 Leitura: Zc 2,5-9.14-15a

Ouvimos hoje e nos dias da próxima semana trechos da primeira parte do livro que traz o nome de Zacarias e pode ser dividido em três partes escritas em diferentes épocas: Os caps. 1-8 motivam para a reconstrução do templo e da comunidade em Jerusalém por volta de 520 a.C. durante o domínio persa. Os outros capítulos foram escritos no período grego: caps. 9-11 por volta de 300 a.C. e os caps. 12-14 por volta de 200 a.C.

Zacarias, que era contemporâneo de Ageu (520 a.C.). É uma época em que a comunidade judaica procura reconstruir as suas bases de fé e vida social. Sofrendo ainda a amarga provação de um domínio estrangeiro, o povo sente-se desencorajado e pergunta: “Deus ainda está presente em nosso meio?”  Zacarias, em oráculos e visões, mostra que Deus continua aí para realizar o seu projeto através da comunidade. O profeta reanima a esperança de um povo que passa por grandes dificuldades materiais e dúvidas de fé e que, por isso, é levado à resignação passiva. Estimula os compatriotas a arregaçarem as mangas para construir o Templo, símbolo da fé e unidade nacional.

Conscientemente, Zacarias se insere na linha dos antigos profetas (1,4), prega a conversão, inculca as exigências éticas, critica o culto sem justiça. em procedimentos literários, Zacarias depende de profetas que escreveram no exílio babilônico, do Segundo Isaías (Deutero-Isaías) e mais ainda de Ezequiel. Zc desenvolve um estilo visionário que adquire em alguns momentos formas quase surrealistas, parece descrever um Jerusalém celeste (cf. Ap 21-22). Ao mesmo tempo, de maneira realista, incentiva a formação de um novo quadro político, centrado no leigo Zorobabel e no sacerdote Josué (cf. caps. 3-4 e 6,9-15

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1162) comenta o contexto no império persa: Em 520 a.C., o rei Dario I controla a rebelião no império e restaura a paz. Na Judeia, o movimento de restauração do reino davídico sob liderança de Zorobabel, é provavelmente reprimido por Dario. Por isso, o movimento dos judeus repatriados busca outro rumo: estabelecer, com o consentimento da Pérsia, um governo teocrata sob o comando do sumo sacerdote Josué. O processo de consolidação da teocracia na Judeia tem história longa e conflituosa, e se estende até os anos 450 a.C., sucessivos a Neemias e Esdras.

Levantei os olhos e eis que vi um homem com um cordel de medir na mão. Perguntei-lhe: “Aonde vais?” Respondeu-me: “Vou medir Jerusalém, para ver qual é a sua largura e o seu comprimento” (vv. 5-6).

Na visão noturna (cf. 1,8), um moço (anjo?, cf. v. 7), oficial do cadastro, encarna o projeto de medir o perímetro da cidade amuralhada (cf. Ap 21,14-17). O cordel serve aqui para medir o terreno com vistas à reconstrução (cf. 1,16; Jr 31,38-40; Ez 40,3; 41,13).

A Bíblia do Peregrino (p. 2283) comenta: Dezoito anos depois da primeira caravana de repatriados, Jerusalém estava reconstruída só pela metade e pouco menos que despovoada; ao passo que o Segundo Isaías tinha profetizado uma superpopulação (Is 49,19; 54,2). A muralha continua em parte arruinada ou desmantelada; ao passo que o Segundo Isaías falava de seus esplêndidos muros (Is 49,16; 54,12). O presente oráculo recolhe e corrige esses anúncios, e também a minuciosa agrimensura de cadastro de Ez 40-48.

Eis que apareceu o anjo que falava em mim, enquanto lhe vinha ao encontro um outro anjo, que lhe disse: “Corre a falar com esse moço, dizendo: A população de Jerusalém precisa ficar sem muralha, em vista da multidão de homens e animais que vivem no seu interior (vv. 7-8).

A ingênua pretensão do moço serve para sublinhar a novidade da situação: não se poderá medir a capital, nem serão necessárias muralhas. Zacarias corrige o conceito da extensão da futura Jerusalém e sua muralha.

A Bíblia do Peregrino (p. 2283) comenta: A abundância de homens e rebanhos prolonga a profecia de Jr 31,27 (cf. Is 54,2-3). Jerusalém, mais que uma “cidade compacta” e administrativa (Sl 122), será como povoação aberta, composta de granjas (cf. Ez 38,11). É o contrário do recinto geométrico e das pastagens delimitadas de Ez 47-48.

Esse projeto de uma capital aberta, “sem muralha”, evidencia a posição dos amigos de Zacarias, que não só buscam o apoio da Pérsia, mas também negocia com o povo da terra (os remanescentes que não forma exilados). O grupo de Ageu, porém, tinha uma atitude mais hostil diante dos opositores (cf. Ag 2,10-14).

Eu serei para ela, diz o Senhor, muralha de fogo ao seu redor, e mostrarei minha glória no meio dela (v. 9).

A Jerusalém messiânica será defendida pelo próprio Senhor que retornará a Jerusalém e será sua defesa “ao seu redor” e sua glória “no meio”, no templo (cf. Is 4,2-6; Ez 43,1-5). Que distância dos esforços realistas de Neemias que reconstruirá a muralha da capital em 445 a.C. (Ne 1-2)!

A Bíblia do Peregrino (p. 2283) comenta: Isaías falava de uma muralha ornamentada, mas confiava a defesa ao Senhor que controla as armas (Is 54,15-17). Zacarias dá um passo a mais, eliminando a muralha de pedra, porque o Senhor em pessoa servirá de “muralha de fogo”, intransitável e vingador, como a espada chamejante que fechava o acesso ao paraíso (Gn 3,24).

“Eu serei” remete em hebraico à revelação na sarça ardente de Ex 3,12-14 (nome de Yhwh = Javé, traduzido por “Eu sou que sou”, ou “Senhor”), onde Deus se compromete a trabalhar pessoalmente para realizar a salvação. É essa promessa que ele renova aqui (cf. Os 1,9: uma frase parecida, mas sob forma negativa, exprime a ausência de Deus). As menções ao baluarte de fogo e à glória remetem igualmente ao Êxodo.

Rejubila, alegra-te, cidade de Sião, eis que venho para habitar no meio de ti, diz o Senhor. Muitas nações se aproximarão do Senhor, naquele dia, e serão o seu povo. Habitarei no meio de ti (vv. 14-15a).

A volta da presença do Senhor no templo é motivo da alegria para Jerusalém, cidade construída sobre a colina de “Sião“ (cf. Is 12,6; 54,1; Sf 3,14; Ez 37,17; Jo 1,14; 14,23; Ap 21,3).

Com a conhecida fórmula de união “naquele dia” (cf. 8,23; 13,2) acrescenta-se outro oráculo que alarga a visão precedente. Jerusalém, com a presença de Javé no seu meio (Sf 3,14-17), torna-se novamente o centro do mundo, onde todos os povos se reúnem (Is 19,24s; 56,3.6; 60-62; Jr 50,5). Este anúncio universal deve motivar os repatriados, desanimados com o desaparecimento de Zorobabel, neto da Joaquin, penúltimo rei de Judá (cf 2Rs 24,8).

A aliança é estendida aqui a todos os povos: Jerusalém será a metrópole religiosa do universo (cf. Is 45,14)! Segundo o texto hebraico, esta adesão dos pagãos far-se-á por uma conversão no seu lugar, enquanto Jerusalém conservará ainda a sua posição privilegiada (“Terra Santa”, v. 16, omitido pela liturgia de hoje). Na perspectiva da tradução grega, os pagãos se instalarão no meio do povo e dele farão parte integrante, sem nenhuma discriminação: “serão o seu povo”. É já a perspectiva dos Atos dos Apóstolos (At 8 e 10) e da visão apocalíptica de Jerusalém celeste (Ap 21,24-26; cf. Is 60,1.3.11).

 

Evangelho: Lc 9,43b-45

No evangelho de hoje ouvimos o segundo anúncio da paixão diante dos discípulos (cf. o primeiro anúncio no evangelho de ontem).

Todos estavam admirados com todas as coisas que Jesus fazia. Então Jesus disse a seus discípulos: “Prestai bem atenção às palavras que vou dizer: O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens.” (vv. 43b-44)

Seguindo sua fonte Mc 8-9, Lc narrou, entre o primeiro e o segundo anúncio, a transfiguração de Jesus e a cura de um epiléptico (cf. os sintomas em Lc 9,39.42). Causas desconhecidas de doenças eram atribuídas a espíritos maus. Conforme o conceito da época Jesus curou o epilético ameaçando o espírito impuro. O messias Jesus se mostra benéfico e, no entanto, será odiado. Lc não narra aqui uma travessia secreta pela Galileia (Mc 9,30s), mas enquanto “todos estavam admirados”, Jesus se dirige aos discípulos.

Anuncia pela segunda vez sua paixão (cf. 9,22.31.43s; 12,49s; 13,31-33; 17,25; 18,31-33; 24,7) contrastando a expectativa do povo com a necessidade do sofrimento do messias (cf. 24,26; At 17,3). O passivo divino “vai ser entregue” indica que corresponde ao desígnio de Deus, não é por acaso ou acidente da história.

Nesta segunda predição da paixão, contrariamente a Mt e Mc, Lc não relata aqui o anúncio da ressurreição de Jesus. É para significar que a incompreensão dos discípulos (v.45) é relativa à Paixão de Cristo. A tragédia da paixão se consumará entre irmãos: este “Filho de Homem” (em hebraico: Filho de Adão) será entregue “nas mãos dos homens” (como Abel e Caim em outra escala em Gn 4).

Mas os discípulos não compreendiam o que Jesus dizia. O sentido lhes ficava escondido, de modo que não podiam entender; e eles tinham medo de fazer perguntas sobre o assunto (v. 45).

A Bíblia do Peregrino (p. 2488) comenta: Os discípulos entendem a frase gramatical, mas não compreendem seu sentido. Esse destino anunciado não se enquadra com que eles esperavam de Jesus; não conseguem conciliar poder com fraqueza, que o dominador de espíritos malignos caia em poder de homens. As palavras são obscuras para quem não está disposto a compreender.

Lc mantém a incompreensão dos discípulos que Mc tanto frisava; aqui Lc até aumenta: “O sentido lhes ficava escondido, de modo que não podiam entender”. Como o sofrimento do messias é desígnio de Deus, assim também a incapacidade dos discípulos de entender o sentido. Só depois da ressurreição vão começar compreender (24,7.25-27). Para os judeus como para os pagãos eram difícil de entender o mistério da cruz (cf. 1Cor 1,18-25).

O site da CNBB comenta: Muitas pessoas encontram dificuldades para compreender o que Jesus nos fala, e essas dificuldades existem porque verdadeiramente não conhecem Jesus e não comungam as suas propostas e os seus valores. A única contribuição que podemos dar para que essas pessoas possam compreender Jesus é, auxiliados pela graça divina, nos lançarmos num verdadeiro trabalho missionário, juntamente com toda a Igreja, no sentido de possibilitar às pessoas um verdadeiro encontro com o Divino Mestre, a fim de que possam de fato conhecê-lo, compreender a sua Palavra e viver o seu Evangelho.

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