31 de agosto de 2017 – Quinta-feira, 21ª semana

Leitura: 1Ts 3,7-13

Na leitura de hoje, transparece o vivo desejo de Paulo de estar com a comunidade dos tessalonicenses, rever as pessoas e encontrar a cada qual, pessoalmente. Quando escreveu esta carta (o documento mais antigo do NT), Paulo estava em Corinto, levando a palavra a outras localidades, mas permaneceu ligado, com ansiedade, às outras comunidades que havia fundado (cf. Cl 2,5).

O terceiro capítulo desta carta se desenvolve em três partes: na primeira, fala da missão de Timóteo a Tessalônica, para agir e trazer informações (vv. 2-5); na segunda, as notícias boas trazidas por Timóteo (vv. 6-9); na terceira, nova oração de Paulo com ação de graças e súplica (vv. 10-13), acrescentando no final o amor universal e, por implicação, a esperança na volta de Cristo (parusia).

Que ninguém seja abalado em meio às tribulações presentes – pois bem sabeis que esse é o nosso destino. Quando estávamos entre vós, vos preveníamos de que seria necessário sofrer tribulações e foi o que aconteceu, bem o sabeis. Foi por isso que, não podendo mais esperar, mandei saber notícias da vossa fé, temendo que o Tentador vos tivesse seduzido e o nosso trabalho tivesse sido inútil (vv. 3-5).

Em todo este trecho, percebe-se a grande preocupação sobre a fé da comunidade (vv. 3,5.6.7.10). Não basta iniciar a missão; é preciso dar continuidade ao trabalho, em vista do crescimento no testemunho cristão. Não basta apenas semear a palavra (cf. Mc 4,1-20p), precisa acompanhar a plantação para que o trabalho não tenha sido inútil. Paulo já preveniu a comunidade que na vida cristã é “necessário sofrer tribulações” (cf. Rm 5,3s; 2Ts 1,4s; 2Tm 2,12; 3,12; At 14,22), carregar a cruz para quem segue o crucificado (cf. 1Cor 1,18-23; 2Cor 1,3-10

Impedido de visitar pessoalmente a comunidade, Paulo enviou discípulo e colaborador Timóteo para encorajá-los na fé.

Agora, Timóteo acaba de chegar da vossa comunidade e traz-nos boas notícias a respeito da vossa fé e do vosso amor; ele diz também que guardais sempre boa lembrança de nós e que desejais rever-nos tanto quanto nós desejamos rever-vos a vós. Por isso, irmãos, ficamos confortados, em meio a toda angústia e tribulação, pela notícia acerca de vossa fé. Agora sentimo-nos reviver, porque vós estais firmes no Senhor. Como podemos agradecer a Deus por toda a alegria que nos invade diante do nosso Deus, por causa de vós? (vv. 6-9)

Paulo se alegra e agradece porque recebeu “boas notícias a respeito da vossa fé e do vosso amor”, trazidas por Timóteo quando este voltou a Corinto. A alegria leva Paulo a rezar (vv. 10-13).

Noite e dia rezamos efusivamente para vos rever e completar o que ainda falta na vossa fé (v. 10). 

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2309) comenta: ”O que falta à vossa fé”. Pode-se estranhar tal afirmação, depois dos elogios que Paulo fez à fé dos tessalonicenses. Mas há várias maneiras de considerar a fé; não somente como ato fundamental e primeiro pelo qual o homem se entrega a Deus, único autor da salvação em Jesus Cristo, mas também como desenvolvimento deste ato fundamental, a saber, as consequências que dele derivam para a vida prática, e que procedem da instrução catequética. Paulo, que tratará dos problemas da vida prática, já orienta os leitores para o progresso que ainda espera deles.

As lacunas da fé, então, se referem à instrução (catequese, formação) a ser completada como também à “obra” (1,3) da vida inteira que deve ser sempre retificada, ampliada e aprofundada (cf. Rm 14,1; 2Cor 10,15; Fl 1,25), ou seja, a conversão permanente.

Que o próprio Deus e nosso Pai, e nosso Senhor Jesus dirijam os nossos passos até a vós (v. 11).

Note-se o acúmulo dos possessivos de pertença pessoal e comunitária: “próprio, nosso(s)”.

O Senhor vos conceda que o amor entre vós e para com todos aumente e transborde sempre mais, a exemplo do amor que temos por vós (v. 12).

O amor cristão (caridade) é mútuo, deve se exercer primeiramente no interior da comunidade, mas igualmente é capaz de comunicar-se a todos (Gl 6,10). Semelhante amor, não por interesse egoísta, é dom de Deus.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1447) comenta: Após ter insistido sobre o crescimento da fé da comunidade, concentra-se agora sobre o amor, que vivido ao interno da comunidade, para fazê-la crescer por dentro e, ao mesmo tempo, deve estender-se para fora, a fim de testemunhar o evangelho a toda criatura (Rm 12,17-18). 

Que assim ele confirme os vossos corações numa santidade sem defeito aos olhos de Deus, nosso Pai, no dia da vinda de nosso Senhor Jesus, com todos os seus santos (v. 13)

O estilo deste v. é muito contrastado, porque Paulo utiliza umas após outras, expressões já consagradas como “confirmar os vossos corações”, “sem defeito (mancha) diante de Deus”, “por ocasião da vinda (parusia) do Senhor”. A santidade (santificação, cf. 4,3), fruto da caridade fraterna, chegará à plenitude no dia da vinda do Senhor.

“Com todos os seus santos”: (Zc 14,5; Dt 33,3; Jó 5,1; Dn 7,25-27). Paulo emprega aqui uma terminologia tradicional (cf. Dt 33,3; Zc 14,5; Dn 7,25-27). Quem são esses santos? Pode-se entender a corte celeste, os “anjos”, que intervêm em vários episódios do AT e do NT (Jó 5,1; 15,5; Sl 89,6.8; Sr 42,17; Dn 4,10.14.20, 8,13; Sb 5,5; Mt 25,31; Mc 8,38; At 10,22; Ap 14,10). Pode-se entender também os “fiéis cristãos”, que Paulo chama constantemente de “santos/consagrados” (os de Palestina: 1Cor 16,1.15; 2Cor 8,4; 9,1.12; cf. At 9,13.32.41; os de todas as igrejas: Rm 8,27; 12,13; 16,2.15; 1Cor 6,1s; 14,33; 2Cor 13,12; Ef 1,15; 3,18; 4,12; 6,18; Fl 4,21s; Cl 1,4; 1Tm 5,10; Fm 5.7; cf. Hb 6,10; 13,24; Jd 3; e no início das cartas: 2Cor 1,1; 8,4; Ef 1,1; Fl 1,1; Cl 1,2; cf. Rm 1,7; 1Cor 1,2). Não se deve excluir nenhum dos dois sentidos: a comunhão dos eleitos e dos anjos e a transformação dos eleitos em anjos no dia do juízo são bem-atestadas no ambiente judaico (cf. no apócrifo Henoc 39,5; 51,4).

Numerosos manuscritos lêem “Amém” no fim do versículo, provavelmente devido a um uso litúrgico deste texto.

 

Evangelho: Mt 24,42-51

Ouvimos durante esta semana ainda partes do último discurso de Jesus no Evangelho de Mt, o discurso escatológico, ou seja, sobre as últimas coisas: a vinda (parusia) de Cristo no fim do mundo, o juízo final etc. Nossa liturgia saltou as partes do cap. 24 que Mt copiou de Mc 13. No final do cap. 24, a fonte muda, não é mais Mc, mas “Q” (do alemão Quelle – fonte), ou seja, uma coleção de palavras que Lc também usa (cf. o paralelo do nosso texto em Lc 12,39s.42-46).

Ficai atentos! porque não sabeis em que dia virá o Senhor (v. 42).

Os primeiros cristãos tinham que lidar com a demora da sua volta (parusia) que Jesus havia anunciado, mas sem revelar uma data (cf. 24,36p). Enquanto o apóstolo Paulo o esperava chegar ainda em vida (cf. 1Ts 4,17; 1Cor 1,7s; 7,26-31; 15,52), a segunda geração dos cristãos (à qual os evangelistas pertencem) precisava ser motivada para aguardar com paciência, prudência e perseverança e não relaxar, portanto, “vigiai” (nossa liturgia traduz: “ficai atentos”). Esta palavra aparece aqui pela primeira vez em Mt e terá o significado de não deixar se surpreender, de purificar-se e uma certa uma disposição ao sofrimento (cf. 26,38-41):

A Bíblia de Jerusalém (p. 1885) comenta esta palavra: “Vigilância”, que propriamente significa “abstenção do sono”, é a atitude que Jesus recomenda aos que esperam pela sua vinda (25,13; Mc 13,33-37; Lc 12,35-40; 21,34-36). A vigilância nesse estado de alerta supõe uma esperança firma e requer uma presença de espírito sem desvanecimentos, que toma o nome de “sobriedade” (1Ts 5,6-8; 1Pd 5,8; cf. 1Pd 1,13; 4,7).

Compreendei bem isso: se o dono da casa soubesse a que horas viria o ladrão, certamente vigiaria e não deixaria que a sua casa fosse arrombada. Por isso, também vós ficai preparados! Porque na hora em que menos pensais, o Filho do Homem virá (vv. 43-44).

Esta comparação do Filho do Homem com um ladrão que arromba com surpresa quer destacar o julgamento associado à sua vinda (cf. vv. 26-31) e tem longa tradição (1Ts 5,2.4; 2Pd 3,10; Ap 3,3; 16,15; cf. Mt 6,19p). Os ladrões escolhem mais a noite, “de noite ronda o ladrão, penetra às escuras nas casas” (Jó 24,14.16), e utilizam procedimento de abrir um buraco: a surpresa é seu principal recurso (Ex 22,1). Embora a vigilância seja coletiva, aplica-se a cada pessoa. Como a vinda de um ladrão é surpresa, também não é possível, calcular o dia ou a hora da chegada do Senhor (cf. 24,36; Mc 13,32).

Qual é o empregado fiel e prudente, que o senhor colocou como responsável pelos demais empregados, para lhes dar alimento na hora certa? Feliz o empregado, cujo senhor o encontrar agindo assim, quando voltar. Em verdade vos digo, ele lhe confiará a administração de todos os seus bens (vv. 45-47).

Ao discurso de Mc 13 que anunciou a destruição de Jerusalém e a segunda vinda de Cristo no fim dos tempos, Mt acrescenta três parábolas concernentes aos fins últimos dos indivíduos. Na primeira, Jesus faz uma pergunta retórica na qual apresenta um “empregado” (servo, escravo) que tem responsabilidade sobre a casa toda (cf. 10,25; 1Tm 3,15; 2Tm 2,19s; Tt 1,7; 1Cor 9,17). O seu “senhor” parece se ausentar para uma viagem (cf. 25,15p; Mc 13,34p). O paralelo em Lc 12,42 fala de “administrador fiel” aplicando a parábola mais explicitamente aos líderes da Igreja que tem uma responsabilidade especial no tempo da ausência do Senhor (cf. 1Cor 4,1s.5).

O servo desta parábola é encarregado de outros criados; ocupa um posto intermédio, ocupa-se de pessoas, não de bens. A aplicação imediata aponta para os discípulos que recebem cargo mediador. “Dar alimento na hora certa” lembra Sl 104,27; 144,15. O alimento era o único salário para os escravos.

O “empregado fiel e prudente” é parabenizado (“feliz”, bem aventurado). O salário é recompensa escatológica (cf. 1Cor 3,14s), mas agora não é descansar, sim atividades e responsabilidades maiores. Agora o senhor “lhe confiará a administração de todos os seus bens” (cf. a figura de José a quem o faraó confia a administração de todo o Egito, por causa da sua sabedoria: Gn 39,4; 41,37-44).

Mas, se o empregado mau pensar: “Meu senhor está demorando” e começar a bater nos companheiros, a comer e a beber com os bêbados; então o senhor desse empregado virá no dia em que ele não espera, e na hora que ele não sabe. Ele o partirá ao meio e lhe imporá a sorte dos hipócritas. Ali haverá choro e ranger de dentes (vv. 48-51).

Ao serviço organizado do empregado junto com outros servos, a parábola opõe um aproveitar-se licenciosamente da situação com abuso de poder, esquecendo-se de que sua posição superior é temporária (cf. Lc 12,45). Em vez de dar alimentos aos outros servos, ele bate neles e gasta o salário deles na farra. Para MT importante é o motivo: O servo mau pensa: “Meu senhor está demorando” (cf. 25,5). Lit.: ele “fala no seu coração”, uma expressão bíblica que sinaliza auto-engano seguido por castigo (cf, Dt 8,17; 9,24; Is 47,8s; Ap 118,7s).

Como a recompensa do servo bom era enorme, também é o castigo do servo mau, que logo vem em termos do julgamento: O senhor “o partirá ao meio e lhe imporá a sorte dos hipócritas”. Palavra obscura que se deve tomar, sem dúvida, em sentido metafórico: “separar-se dele” por meio de uma espécie de excomunhão (cf. a excomunhão em Mt 18,17; 1Cor 5,4s, além de perder o cargo). Castigos cruéis eram comuns na antiguidade (cf. 1Sm 15,33; 1Cr 20,3; Dn 2,5; 13,55.59; cf. Ez 29,17).

Já os rabinos imaginavam o destino dos hipócritas no inferno. Mt chama os fariseus e os mestres da lei de “hipócritas” (cf. caps. 6 e 23). No paralelo de Lucas que escreve para leitores gregos e romanos, aplica-se a parábola aos pagãos: “o fará participar do destino dos infiéis” (Lc 12,46).

“Ali haverá choro e ranger de dentes”; esta expressão de dor terrível aparece em Mt seis vezes (8,12; 13,42.50; 22,13; 24,51; 25,30; cf. Lc 13,28) para descrever a condenação. No AT expressa a cólera e o despeito dos ímpios em relação aos justos (cf. Sl 35,16; 37,12; 112,10; Jó 16,9).

A demora do patrão a vir corresponde à geração de Mateus e Lucas, que já não esperam uma parusia iminente (como Paulo ainda aguardava; cf. 1Ts 4,15-17; 1Cor 15,51s). Contudo, o espírito de vigilância deve permanecer, porque a demora não desmente o fato (Ez 7,1-14; 12,21-28; cf. 2Pd 3). E como o fato é certo, a incerteza da hora incita à vigilância. Sem cessar é iminente o que pode acontecer a qualquer momento. Não pode desperdiçar o tempo.

Mt e Lc se referem a pessoas que tem responsabilidade sobre as outras na igreja (ou na sociedade). Na literatura patrística, a parábola se aplicou também aos ricos, cujos bens lhes foram confiados por Deus e não se podem esquecer dos pobres.

O site da CNBB comenta: Duas virtudes nos são colocadas pelo Evangelho de hoje: fidelidade e prudência. Servo fiel é aquele que não precisa ser vigiado o tempo todo a fim de realizar tudo o que é da sua competência, é aquele que merece a confiança do seu senhor, o que não quer dizer submissão cega e inconsequente, mas sim a pessoa ser totalmente responsável por aquilo que faz. Prudência significa agir com cautela, procurando evitar todo tipo de erro, fugindo de todo mal, principalmente do pecado e de suas consequências, o que não quer dizer covardia e medo, mas sim uma busca de maior consciência dos próprios atos.

 

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