31 de Julho de 2020, Sexta-feira: Dirigindo-se para a sua terra, Jesus ensinava na sinagoga, de modo que ficavam admirados (v. 54a).

17ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Jr 26,1-9

Com o cap. 26, entramos na segunda parte do livro de Jeremias (Jr 26-45). Os textos biográficos neta seção atribuem-se a Baruc, secretário do profeta ou a outros discípulos.

Jr 26 retoma o sermão no templo em Jr 7,1-15 (cf. leitura de sábado passado) relatando as suas circunstâncias e consequências e prepara os conflitos com os falsos profetas (Jr 27-29). O desejo de reunir numa parte os oráculos e noutra os relatos, obrigou a separar este capítulo do 7, ou seja, a historia, do sermão pronunciado. Conviria, pois, lê-los unidos. Firme na certeza da origem divina de sua missão (v. 15), Jeremias enfrenta as autoridades religiosas (cf. 1,18; 15,20).

No início do reinado de Joaquim, filho de Josias, rei de Judá, foi comunicada da parte do Senhor, esta palavra, que dizia: (v. 1).

O começo do reinado de Joaquim (609-598 a.C.) é agourento: inclui a morte prematura do seu pai reformador Josias (640-609; cf. 2Rs 22,1-23,30) e a deposição violenta do seu irmão Joacaz no mesmo ano (609) pelo faráo Necao que o substituiu por Eliacim cujo nome mudou para Joaquim (2Rs 23,32-35).

Durante os doze anos de reforma do rei Josias (a partir do achado do núcleo do livro de Deuteronômio no templo, cf. 2Rs 22-23), Jeremias ficava calado (parecendo apoiar). O profeta levanta novamente a voz quando Joaquim começou reinar em 609 afirmando seu poder e estilo de vida de luxo e explorando o povo. À crítica ao templo se junta a crítica da injustiça social (cf. 22,13-17). Os egípcios não destruíram o templo quando passaram em 609. Então os sacerdotes e profetas do templo criaram uma ideologia que via no templo uma proteção mágica, mas em Jr, o templo se tornou um “covil de ladrões”: “Roubar, matar, cometer adultério, jurar falso, queimar incenso a baal, correr atrás de deuses estrangeiros, que não conheceis, depois virdes e vos apresentardes diante de mim, neste templo, onde meu nome é invocado, e dizer: Estamos salvos, …” (Jr 7,9-11). Um redator acrescenta também os sacrifícios humanos, holocaustos de crianças no vale de Ben-Enom (7,30s; 19,4s); por tudo isso, o profeta anuncia a destruição da cidade.

“Assim fala o Senhor: Põe-te de pé no átrio da casa do Senhor e fala a todos os que vêm das cidades de Judá, para adorar o Senhor no templo, todas as palavras que eu te mandei dizer. Não retires uma só palavra, talvez eles as ouçam e voltem do mau caminho, e eu me arrependa da decisão de castigá-los por suas más obras” (vv. 2-3). 

Desde o princípio se afirma a intenção salvífica do Senhor e a visão autêntica do templo. Como se dissesse: o povo vem ao templo para se converter, não para cobrir pecados com cerimônias devotas. Jeremias não pode “omitir” sequer uma palavra (cf. Dt 4,2; 13,1).

A eles então dirás: Isto diz o Senhor: Se não vos dispuserdes a viver segundo a lei que vos dei, a escutar as palavras dos meus servos, os profetas, que eu vos tenho enviado com solicitude e para vossa orientação, e que vós não tendes escutado, farei desta casa uma segunda Silo e farei desta uma cidade amaldiçoada por todos os povos da terra” (vv. 4-6).

Os profetas atualizam as exigências da lei, e assim continuam a missão de Moisés (Dt 18,15-17). Se os encarregados apelam para o precedente de Senaquerib (2Rs 18-19; 19,35-37), Jeremias apela para o caso de Silo (7,12-15). A cidade de Silo e seu santuário, cujos responsáveis talvez fossem os ancestrais de Jeremias, foram destruídos cerca de 1050 a.C. pelos filisteus; cf. Js 18,1; 1Sm 1-4; Sl 78,56-67).

Antes e depois de Jr, vários profetas anunciaram a ruína do templo: Mq 3,12; Ez 8-11; Mc 13,2p; 14,58p; Lc 21,22. A sorte da cidade está vinculada à do templo. Sua destruição será exemplo citado nas maldições por todos os povos. Lit. ”cidade uma maldição para todas…” (fórmula semelhante à Nm 5,21; cf. Jr 24,9; 29,22).

Os sacerdotes e profetas, e todo o povo presente ouviram Jeremias dizer estas palavras na casa do Senhor. Quando Jeremias acabou de dizer tudo e que o Senhor lhe ordenara falasse a todo o povo, prenderam-no os sacerdotes, os profetas e o povo, dizendo: “Este homem tem que morrer! Por que dizes, em nome do Senhor, a profecia: Esta casa será como Silo, e esta cidade será devastada e vazia de habitantes? ” Todo o povo juntou-se contra Jeremias na casa do Senhor (vv. 7-9).

A profecia de Jeremias era condicionada. Os rivais suprimem a condição, por malícia ou por considerá-la inoperante. Consideram agravante que o tenha dito “em nome Senhor”, arrogando-se uma autoridade que não possui. Contudo, não passam à execução no flagrante nem no processo formal, que parece ser competência dos magistrados da corte.

Os personagens da cena se repartem em três grupos: sacerdotes, profetas, chefes, autoridades civis, ou seja, profissionais (v. 16: chefes; vv. 17-19: anciãos da terra). Vemos o povo volúvel, incitado primeiro pelos sacerdotes, seguindo depois as autoridades civis que agem com mais sensatez e justiça (v. 16: “Os chefes e o povo em geral disseram aos sacerdotes e profetas: Este homem não merece ser condenado à morte; ele falou-nos em nome do Senhor, nosso Deus”). No meio, Jeremias, desamparado, sem outro poder a não ser o da palavra.

A Bíblia do Peregrino (p. 1912) comenta: Duas concepções do templo se defrontam com violência. Uma sagrada, quase mágica: o templo é sacrossanto, e falar contra ele é blasfêmia que merece a pena capital (tese defendida pelos sacerdotes); além disso, o templo está apoiado nos contrafortes das promessas divinas e suas demonstrações históricas (defendida pelos profetas). A palavra de Deus garante a permanência do templo. Como não pode ser verdadeira uma profecia que afasta do Senhor (Dt 13,1-6), assim uma profecia contra o templo não pode ser autêntica. Há outra concepção, que vincula o templo às exigências éticas: a permanência do templo depende da conduta do povo. Presença condicionada pela presença absoluta. O esquema desnuda as atitudes profundas, não formuladas com toda a precisão. Os sacerdotes pensam defender a santidade do templo. A legislação do Levítico exigia a santidade do povo. Jeremias tem a ousadia de pregar no templo, e aos sacerdotes não custa amotinar o povo congregado nesse templo.

Evangelho: Mt 13,54-58

Depois do terceiro discurso (as parábolas do cap. 13) de Jesus em Mt, o evangelista retoma a narrativa, contando a retirada sucessiva de Jesus de Israel e o crescimento da fé dos discípulos enquanto o povo não entende e os adversários endurecem.

Dirigindo-se para a sua terra, Jesus ensinava na sinagoga, de modo que ficavam admirados (v. 54a).

Jesus se afasta do lago de Genesaré (cf. 13,1-2) e vai ao interior, “sua terra”. Mt copiou este relato de Mc 6,1-6; ele tirou o nome do lugarejo “Nazaré”, mas acrescentou que Jesus ensinava na sinagoga “deles”, este detalhe (omitido em nossa liturgia) indica que Mt e seus ouvintes já não fazem mais parte da comunidade judaica. Em Mt (e Mc), é a última vez que Jesus entra numa sinagoga (cf. depois da cura na sinagoga “deles” em 12,9-14, os fariseus tramaram contra ele).

Como em Mc, esta narrativa, na qual Jesus enfrenta a inesperada reação negativa dos seus conterrâneos, está em continuação com 12,46-50 (os verdadeiros familiares de Jesus; cf. Mc 3,20s.31-35; 6,1-6). Em Mt 2,23, José com Maria e o menino Jesus “foi morar numa cidade chamada Nazaré”, mas só depois da volta do Egito; antes moravam numa casa em Belém (cf. 1,24; 2,1.11.21-23). Jesus tinha deixado Nazaré (cf. Mc 1,9) em 4,13 para morar em Cafarnaum, a beira-mar.

O ensinamento de Jesus na sinagoga acontece provavelmente no culto, depois de ler uma leitura bíblica (mais detalhado, Lc 4,16-21 especifica; cf. At 13,14-16; Mc 1,21 e 6,2: ”no sábado”). O povo conhece de ouvido as curas nas cidades da Galileia (cf. 11,21.23) e talvez de vista, mas se nega a tirar as consequências. A “admiração” assustada dos nazarenos lembra a reação do povo depois do sermão da montanha (7,28; 22,33).

E diziam: “De onde lhe vem essa sabedoria e esses milagres? Não é ele o filho do carpinteiro? Sua mãe não se chama Maria, e seus irmãos não são Tiago, José, Simão e Judas? E suas irmãs não moram conosco? Então, de onde lhe vem tudo isso?” E ficaram escandalizados por causa dele (vv. 54b-57a).

Os conterrâneos “ficavam admirados” (v. 54a), mas não chegam a ter fé, ao contrário “ficaram escandalizados” (v. 57a). O “escândalo” não é um mau exemplo nem um fato revoltante, mas na língua grega, um obstáculo, uma armadilha, uma pedra de tropeço que faz cair (cf. Is 8,14-15; 28,16; Rm 9,33; 1Pd 2,8). Em Mt é claramente uma reação negativa (cf. 11,6; 13,41; 15,12).

Para o povo de Nazaré, o empecilho para a fé é a humildade da encarnação: Deus feito homem, situado num contexto social. A imagem que os conterrâneos têm do messias-profeta não é compatível com os antecedentes familiares e profissionais de Jesus. Nazaré é um lugarejo sem importância (cf. Jo 1,46; cf. 8,41s). “De onde lhe vem essa sabedoria e esses milagres?… de onde lhe vem tudo isso?…? (vv. 54.56). Vem de Deus (cf. Sb 8,1; Is 11,1-2; Eclo 3,96-10) ou do diabo, como diziam os fariseus (9,34; 12,24; cf. Tg 3,15)?

“Não é ele o filho do carpinteiro?”. Em Mc 6,3, o próprio Jesus é o carpinteiro. Porque Mt mudou, identificando Jesus como “filho” do carpinteiro? Não se sabe bem. Pode ser o costume judaico de mencionar a profissão do pai. Certamente não é vergonha do trabalho braçal, porque os rabinos costumavam exercer uma profissão além de ensinar (Paulo que era doutor da lei fabricou tendas; cf. At 18,3). Pode ser uma referência a José (que nunca é mencionado no evangelho de Mc!), o pai adotivo que Mt destaca na história da infância de Jesus (caps. 1-2). Aqui, como em Mc, a falta do nome do pai indica que José já era falecido.

Jesus não estudou numa faculdade de teologia ou de direito em Jerusalém nem em outra universidade. Suas “mãos” (Mc 6,2) são de artesão, agora realizam milagres de cura? Ben Sirac comenta: “Aquele que está livre de atividades torna-se sábio. Como poderá torna-se sábio aquele que maneja o arado, … o carpinteiro… o construtor… o ferreiro, …  o oleiro ?“ (Eclo 38,24-39,11). O rei messias, o filho de Deus sujando as mãos com o trabalho braçal? Mas deste modo, Jesus dignificou o trabalho, não como fardo para escravos (negação do ócio, neg-ócio), mas como atividade humana, colaboração na criação e edificação da sociedade. “Carpinteiro”, a palavra grega tekno pode designar um operário com madeira ou com pedra ou metal; é possível pensar num construtor de casas.

“Sua mãe não se chama Maria e seus irmãos não são Tiago, José, Simão e Judas? E suas irmãs não moram conosco?” (vv. 55-56). Mt usa aqui o nome na forma semítica Mariam (cf. Miriam em Ex 15,21; Nm 12,12). Como já contou a concepção virginal em 1,18-25, não precisa mais da expressão “filho de Maria” com a qual Mc podia ter aludido ao nascimento virginal de Jesus.

Os nomes dos irmãos são patriarcais. A expressão “irmãos e irmãs de Jesus” é interpretada de maneira diferente pelos católicos (“apenas parentes”) e pelos protestantes (“outros filhos de Maria”). S. Jerônimo identifica os irmãos Tiago e José com aqueles filhos de uma das Marias que estavam no túmulo (27,56). Na Igreja Ortodoxa existe a tese de filhos de José, viúvo de um primeiro casamento (cf. o escrito apócrifo Proto-evangelho de Tiago 8,3; 9,2; 17,1s).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1882) deixa valer ambas as opiniões: Na Bíblia, como ainda hoje no Oriente, a palavra irmãos pode designar tanto os filhos da mesma mãe, como parentes próximos (cf. Gn 13,8; 14,16; 29,15; Lv 10,4; 1Cr 23,22).

A própria Bíblia não decide a questão (não está escrito se Maria teve só um filho ou mais), mais é tradição da Igreja desde os primeiros séculos que Maria não teve outros filhos além de Jesus. A Igreja Católica considera como revelação divina não só a Bíblia, mas também a tradição da Igreja. O que reforça a posição da Igreja Católica é a entrega da mãe ao discípulo amado (Jo 19,26-27): Se tivessem outros filhos de Maria, não precisava entregá-la aos cuidados de um discípulo.

Jesus, porém, disse: “Um profeta só não é estimado em sua própria pátria e em sua família!” (v. 57b).

A resposta de Jesus (cf. a confissão de Jr 11,18-12,6) lamenta a falta de estima de um profeta. Em Mt, “profeta” ainda não é título apropriado de Jesus (cf. 16,14; 21,11.46). A rejeição de Jesus se repetirá em Jerusalém na condenação do sinédrio (tribunal supremo; cf. 26, 68; Mc 14,65) e também na travessia da evangelização dos judeus para os pagãos (cf. At 13,44-52; 18,5-6). Lc 4,22-30 coloca o motivo da rejeição em Nazaré também na abertura da salvação aos pagãos. Os círculos de família, classe social e nação tendem a fechar-se. O amor de Deus, porém, não é individualista, classista, nacionalista, mas universal. É preciso abrir mão de privilégios e pré-conceitos produzidos nestes círculos. O evangelho de Mt mostra a retirada sucessiva de Israel e a abertura final aos pagãos (cf. 10,5-6; 20,19-20).

Em Mt, é a segunda vez que se descreve Jesus numa sinagoga. Na primeira vez, terminou com a resolução dos fariseus de acabar com ele (cf. 12,9-14). Os nazarenos antecipam aqui, o que o povo todo fará mais tarde. Ainda ouve Jesus, mas irá rejeitá-lo (27,25). Em Mt, a falta de fé dos nazarenos é uma decisão sobre salvação ou condenação.

Jesus não fez ali muitos milagres porque eles não tinham fé (v. 58).

Em Mt, a própria família de Jesus não participa da falta de fé dos conterrâneos (em Jo 7,5, os irmãos não acreditam, a mãe sim, cf. 2,3-5; 19,25-27); José e Maria tinham demonstrado uma fé exemplar, dizendo sim à encarnação (1,24; Lc 1,38). A fé é graça, dom de Deus, mas é também nossa tarefa; não devemos descuidar nem perder a fé, mas aceitar e guardá-la, aumentar, aprofundar, compreender, comunicar e praticar esta fé.

O site da CNBB comenta: Nosso olhar está sempre voltado para as realidades aparentes e, normalmente, estas realidades se sobrepõem diante do que é invisível aos nossos olhos. É o caso do Evangelho de hoje, que nos mostra que as pessoas estavam com os olhos fixos nas aparências de Jesus, na sua origem, na sua família e na sua profissão, não sendo capazes de enxergar além e ver nele aquilo que as suas obras tornavam manifesto que é a sua divindade. O resultado disso tudo é que as pessoas do tempo de Jesus não foram capazes de reconhecê-lo na sua totalidade, como verdadeiro Deus e verdadeiro homem. Tudo isso aconteceu por causa da dureza de seus corações.

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