4 de Abril de 2019, Quinta-feira: Mas eu tenho um testemunho maior que o de João; as obras que o Pai me concedeu realizar. As obras que eu faço dão testemunho de mim, mostrando que o Pai me enviou (v. 36).

Leitura: Ex 32,7-14

Ouvimos nesta leitura a intercessão de Moisés em favor do seu povo que acabou de cair no pecado da idolatria, adorando um “bezerro de ouro” como deus libertador.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 109) comenta os caps. 32-34: A base destas narrativas é a condenação das imagens de metal usadas no culto das cidades, e que pressupõem acúmulo de riqueza e poder (Os 8,4-5; 13,2). Na época de Ezequias e de Josias, esta condenação foi direcionada contra os bezerros e Dã e Betel, santuários oficiais de Israel (1Rs 12,28.32; 2Rs 10,29-31), legitimando a proibição do culto a outros deuses e às imagens (2Rs 18,1-6; 23,1-25), proibição depois reforçada pelo monoteísmo pós-exílico (Lv 19,4; 2Rs 17,15-16; Ne 9,18; 2Cr 13,8; Sl 106,19-20; Os 10,5-6).

O Senhor falou a Moisés: “Vai, desce, pois corrompeu-se o teu povo, que tiraste da terra do Egito. Bem depressa desviaram-se do caminho que lhes prescrevi. Fizeram para si um bezerro de metal fundido, inclinaram-se em adoração diante dele e ofereceram-lhe sacrifícios, dizendo: ‘Estes são os teus deuses, Israel, que te fizeram sair do Egito!’” (vv. 7-8).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 109) comenta: Imagens de touros ou de novilhos, símbolos de força e fertilidade (Gn 49,24; Sl 132,2.5), eram pedestais ou tronos sobre os quais pousava a divindade invisível (1Sm 4,4), que podia ser El/Elohim (1Rs 12,28), Baal ou Javé (32,5). A polemica contra as imagens de metal no culto da cidade (Os 8,4-5; 13,2), criadas e mantidas a partir de tributo, concentração de riquezas e poder (cf. 20,23; 34,17; Lv 19,4; Dt 9,12.16; 1Rs 14,9; Is 30,22), foi aplicada por Ezequias contra os bezerros do culto oficial de Israel (plural nos vv. 4 e 8, …), visando integrar os sacerdotes e o povo do reino do Norte ao domínio de Jerusalém.

Como o povo não aguentou a voz de Deus na proclamação dos dez mandamentos (20,18-21), Moisés subiu sozinho ao monte Sinai e, ficando lá “quarenta dias e quarenta noites” (Ex 24,18), recebeu “as duas tábuas do Testemunho” (31,18; 32,15; 34,29; o decálogo de 20,1-17; 25,15) e outras leis para seu povo (o código da aliança, caps. 21-23, e a grande inserção da redação sacerdotal, caps. 25-31). Mas sem o líder Moisés no meio deles, os israelitas ficaram desorientados e desejaram uma representação mais concreta deste Deus invisível que os tirou do Egito. Assim obrigaram Aarão a fabricar uma imagem dourada, provavelmente de um touro, mas aqui chamado (na boca do Senhor) de modo desprezível “bezerro de metal” (v. 8).

Adoraram esta imagem e ofereceram-lhe sacrifícios, dizendo: “Estes são os deuses de Israel, que te fizeram sair do Egito” (v. 8). Esta aclamação cabe a Javé Deus que se auto-apresentou assim introduzindo os dez mandamentos: “Eu sou o Senhor (Javé), teu Deus que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão” (Ex 20,2), e contraria o primeiro mandamento em seguida: “Não terás outros deuses fora de mim. Não farás para ti imagem… e não te prostrarás diante desses deuses” (Ex 20,3-5). Por isso, Deus reclama: “Bem depressa desviaram-se do caminho que lhes prescrevi” (v. 7). Esqueceram-se da libertação da escravidão, da passagem pelo mar Vermelho, da voz de Deus no Sinai e do primeiro dos dez mandamentos (cf. Ex 13-14; 19-20).

Recaíram nos costumes da religião politeísta dos egípcios que representaram muitos dos seus deuses com corpo humano, mas com cabeça de animais. Javé, o único Deus verdadeiro, porém, é diferente, é absolutamente transcendente e não deve ser confundido com nenhuma criatura nem ser representado por uma imagem de uma criatura. Esse é o primeiro mandamento do Sinai: “Não tenha outros deuses fora de mim e não faça para você ídolos, nenhuma representação daquilo que existe no céu e na terra, ou nas águas que estão debaixo da terra. Não se prostre diante desses deuses, nem sirva a eles, porque eu, Javé seu Deus sou um Deus ciumento” (20,3-5).

Obs.: O primeiro mandamento que se aprende na catequese católica é: “Amar a Deus sobre todas as coisas”, mas não se encontra na Bíblia com estas palavras. A catequese ensina uma síntese da resposta de Jesus (quando perguntado sobre o maior dos mandamentos, responde em Mc 12,30p citando Dt 6,5: “Amar o Senhor, teu Deus com todo teu coração…”) e da proibição da idolatria em Ex 20,3-5, mas sem falar de “imagens”, só de “coisas” (criaturas).

Hoje, porém, na disputa com os protestantes, faz-se necessário, ensinar os mandamentos conforme do texto bíblico (AT, NT) e explicar bem porque os cristãos podem produzir e venerar (não adorar!) imagens de Jesus e dos santos sem cair no erro da idolatria: é por causa da encarnação do próprio Deus invisível no homem de Nazaré, Jesus (cf. Jo 1,14; 14,9; Cl 1,15).

E o Senhor disse ainda a Moisés: “Vejo que este é um povo de cabeça dura. Deixa que minha cólera se inflame contra eles e que eu os extermine. Mas de ti farei uma grande nação” (vv. 9-10).

Depois deste pecado com o bezerro do ouro, Deus não quer mais reconhecer este seu povo “de cabeça dura” (lit. “de nuca dura” como novilho que rejeita a canga, cf. 33,3; 34,9; Dt 9,6.13; Pr 29,1; Jr 7,26; Br 2,30; At 7,51), mas quer exterminá-lo e somente fazer da descendência de Moisés “uma grande nação” (cf. v. 10). Moisés seria um novo começo como Abraão o foi (cf. Nm 14,12; Gn 12).

Moisés, porém, suplicava ao Senhor seu Deus, dizendo: “Por que, ó Senhor, se inflama a tua cólera contra o teu povo, que fizeste sair do Egito com grande poder e mão forte? Não permitas, te peço, que os egípcios digam: ‘Foi com má intenção que ele os tirou, para fazê-los perecer nas montanhas e exterminá-los da face da terra.’ – Aplaque-se a tua ira e perdoa a iniquidade do teu povo (vv. 11-12).

Moisés, porém, intercede por seu povo (cf. Nm 12,13; 14,10-19; Ex 32,7-14; 33,12-23) e apresenta dois argumentos: a honra de Deus (v. 12) e o juramento da aliança (v. 13). Se Deus acabasse com seu povo infiel no deserto, os inimigos egípcios diriam: “Foi com má intenção que ele os tirou, para fazê-los perecer nas montanhas e exterminá-los da face da terra” (v. 12). Toda vez que intercede pelo povo (Ex 32,12; 34,9; Nm 14,13-20; Dt 9,25), Moisés desenvolve este mesmo argumento: ao intervir na história de Israel, Deus se comprometeu de maneira irrevogável e não pode contradizer-se sem comprometer a própria honra (cf. “seu santo nome” em Ez 36,16-23).

No pós-exílio, com a figura de Moisés como intercessor, deseja-se afirmar que o sumo sacerdote tem o poder de aplacar a ira de Deus.

“Lembra-te de teus servos Abraão, Isaac e Israel, com os quais te comprometeste por juramento, dizendo: ‘Tornarei os vossos descendentes tão numerosos como as estrelas do céu; e toda esta terra de que vos falei, eu a darei aos vossos descendentes como herança para sempre’” (v. 13).

Com grande ousadia, Moisés chama atenção de Javé Deus mostrando que ele está comprometido por causa de sua promessa aos antepassados, aos patriarcas Abraão, Isaac e Jacó-Israel (cf. Gn 12,7; 15,5; 22,16-17; 26,3; 28,13). Esta aliança selada por juramento deve permanecer para sempre, mesmo sendo ameaçada.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 109) comenta: A intercessão de Moisés salva da destruição o povo do Javé (vv. 11.12 e 14;…). Releitura exílica que renova a promessa da terra, para animar os exilados (v. 13, cf. Dt 9,12-14.25-29).

E o Senhor desistiu do mal que havia ameaçado fazer ao seu povo (v. 14).

Deus cede aos argumentos de Moisés e perdoa (Nm 14,20), porque é o Senhor (Javé), um “Deus misericordioso e benevolente, lenta para cólera, cheio de fidelidade e lealdade” (Ex 34,6), que “volta atrás da sua decisão de fazer o mal” (Jn 3,10; 4,2).

Este voltar atrás por misericórdia não se deve interpretar como fraqueza ou inconsequência, pelo contrário expressa o poder da intercessão e a fé em Deus todo-poderoso, justo e misericordioso ao mesmo tempo: “Teu grande poder está sempre a teu serviço, … mas te compadeces de todos, pois tudo podes, fechas os olhos diante dos pecados dos homens para que se arrependam. Sim tu amas tudo o que criaste, … se alguma coisa tivesse odiado, não a terias feito… Mas a todos perdoas, porque são teus; Senhor, amigo da vida” (Sb 11,21-26)

As grandes figuras da Bíblia sempre intercedem pelo povo (cf. Abraão em Gn 18,16-33; Jesus em Jo 17 etc.). O projeto de libertação não pode ser elitista (continuar só com Moisés), mas há de contar com as fraquezas e ambiguidades do povo.

No texto base da CF 2014 (nº 161) comenta-se: Adorar realidades criadas no lugar de Deus (cf. Is 10,11; Jr 9,13ss; Ez 8,17ss) é a maior das imbecilidades; “De sua prata e de seu ouro fizeram ídolos cujo destino é serem destruídos” (Os 8,4b; cf. Os 13,2; Jr 14,22; Is 40,12ss).

O episódio mostra também que crenças seculares não se mudam em poucos dias. Os israelitas permaneceram 400 anos no Egito (Gn 22,13), assimilando muitos dos costumes locais e deuses ídolos. Quando chegaram ao Sinai, 50 dias (Pentecostes) após a libertação da escravidão (Páscoa), sua fé no único Deus Javé ainda era fraca. Erraram durante 40 anos de caminhada no deserto (Nm 14,33s), porque precisava de uma nova geração que seria capaz de viver a liberdade na terra prometida e a fidelidade na aliança com seu Deus. Mais de 1000 anos depois, a encarnação do Filho de Deus mudou o conceito de ídolos. Enquanto Deus era invisível, valia a proibição de ídolos (imagens que representam Deus). Mas em Jesus, Deus se fez visível (cf. Cl 1,15), a Palavra invisível se fez carne (cf. Jo 1,1-14). Não há mais o perigo de desvio imaginando Deus como um monstro (cabeça de animal), mas “quem me vê, vê o Pai”, disse Jesus (Jo 14,9). Portanto para cristãos católicos e ortodoxos, fazer imagens de Jesus e dos santos não é uma idolatria, mas uma profissão de fé no verdadeiro Deus que se tornou homem em Jesus Cristo. Muitos protestantes, porém, pregam a visão do Antigo Testamento e consideram imagens de Jesus e dos santos como idolatria. Devemos entender idolatria num sentido mais amplo: adorar “coisas” que não são Deus; colocar coisas, ideias e sentimentos, criaturas e pessoas acima de Deus é idolatria. Por isso a catequese ensina como primeiro mandamento: Amar a Deus sobre todas as coisas.

Evangelho: Jo 5,31-47

No evangelho de hoje, Jesus continua seu discurso “aos judeus” (vv. 10.15-18), ou seja, aos representantes oficiais que se escandalizaram com a cura realizada no sábado. Depois de salientar sua sintonia (em vontade e obras) com o Pai, Jesus alega hoje o testemunho do Pai em favor do Filho.

Nestes discursos teológicos transparece a polêmica entre cristãos e judeus no final do século I, quando se escreveu o evangelho de João. Nesta, o problema era aceitar Jesus como Messias, o Filho de Deus, o enviado de Deus com plenos poderes que acabou como crucificado; um “escândalo” (cf. 1Cor 1,18.22s), uma “maldição” (Gl 3,13 citando Dt 21,23) para os judeus. Daí surgiu a controvérsia jurídica do evangelho de hoje.

(Naquele tempo, disse Jesus aos judeus:) Se eu der testemunho de mim mesmo, meu testemunho não vale. Mas há um outro que dá testemunho de mim, e eu sei que o testemunho que ele dá de mim é verdadeiro (vv. 31-32).

A lei judaica determina que “uma só testemunha não é suficiente, seja qual for o caso de crime ou pecado. O processo será aberto pelo depoimento de duas ou três testemunhas” (Dt 19,15). O testemunho de si mesmo não vale (cf. v. 31). Por isso, Jesus alega outras testemunhas que o atestam como Filho de Deus: João Batista (vv. 33-35), as obras de Jesus (v. 36), as Escrituras (v. 39-46), Moisés (vv. 45-46) e, sobretudo, o próprio Pai (v. 37) a quem se refere “há um outro que dá testemunho de mim”.

Vós mandastes mensageiros a João, e ele deu testemunho da verdade. Eu, porém, não dependo do testemunho de um ser humano. Mas falo assim para a vossa salvação. João era uma lâmpada que estava acesa e a brilhar, e vós com prazer vos alegrastes por um tempo com a sua luz (vv. 33-35).

Primeiramente Jesus alega João Batista que era uma “lâmpada que estava acesa” (v. 35), “veio como testemunha para dar testemunho da luz, ele não era a luz, mas apenas a testemunha da luz” (1,7-8; cf. 1,15.19-36; 3,27-30). João viu o Espírito Santo descer sobre Jesus e disse: “Eu vi e dou testemunho que este é o Filho de Deus” (1,34). Mas os judeus só estavam interessados na pessoa do Batista, seu testemunho não foi aceito. “Vós mandastes mensageiros a João, e ele deu testemunho da verdade” (v. 33; cf. 1,19.24; 18,37; Mt 11,7). Também Jesus veio “para dar testemunho da verdade” (18,37 diante de Pilatos); ele mesmo é “caminho, verdade e vida” (14,6).

Mas eu tenho um testemunho maior que o de João; as obras que o Pai me concedeu realizar. As obras que eu faço dão testemunho de mim, mostrando que o Pai me enviou (v. 36).

João não transmitiu o Espírito nem fez milagres, mas “eu tenho um testemunho maior que o de João: as obras que o Pai me concedeu realizar” (v 36). Ninguém que não venha de Deus pode fazer os sinais realizados por Jesus (3,2; 9,16.31). Aqui se fala em “obras” (v. 20.36; 14,12; expressão do evangelista teólogo que discursa aqui), não em “sinais” (cf. 2,11; 4,48.54; expressão da “fonte dos sinais” que narra os sete milagres em Jo). Jesus não só cura, mas trabalha na obra da salvação. As obras de Jesus são obras de amor (cf. 15,13), como tais mostram que o Pai o enviou.

E também o Pai que me enviou dá testemunho a meu favor. Vós nunca ouvistes sua voz, nem vistes sua face, e sua palavra não encontrou morada em vós, pois não acreditais naquele que ele enviou. Vós examineis as Escrituras, pensando que nelas possuís a vida eterna. No entanto, as Escrituras dão testemunho de mim, mas não quereis vir a mim para ter a vida eterna!  Eu não recebo a glória que vem dos homens. Mas eu sei: que não tendes em vós o amor de Deus (vv. 37-42).

O próprio Deus dá (lit. tem dado) testemunho de Jesus, não de maneira imediata como a voz do céu (trovão, anjo) em 12,28-30. “Vos nunca ouvistes sua voz nem vistes sua face, e sua palavra não encontrou morada em vós” (vv. 37-38; cf. 1,1.18; 6,46; 14,23). Só Jesus, que veio “do seio do Pai”, conhece Deus, viu sua face e ouve sua voz (cf. 1,18; 1Jo 4,12). Os judeus ouvintes contestariam: Não foi Moisés quem viu e ouviu Deus (Ex 33,20-23; Nm 12,6-8)? As “Escrituras” da Lei (Torá) não contêm a palavra de Deus e mostram o caminho para a “vida eterna”?

Jesus não concorda (cf. 6,31s). Para ele, as manifestações divinas anteriores (como a teofania do Sinai, Ex 19,16s) e a permanência da palavra de Deus não foram recebidas como convinha (cf. 1,10s). “Vós examinais as Escrituras, pensando que nelas possuís a vida eterna” (v. 39). As Escrituras do Antigo Testamento (AT) são fonte da verdadeira vida (cf. Dt 4,1; 8,1-3; 30,15-20; Sl 119), mas no sentido que apontam para aquele que dará a vida. Lidas à luz da encarnação (1,14) e exaltação de Jesus relatam os acontecimentos e as palavras por meio das quais Deus preparava o advento do seu Filho que traz a plenitude da vida (cf. 1,45; 2,22; 4,20-24; 5,47; 12,41; 19,28). Os judeus, porém, não aceitam que “as Escrituras dão testemunho de mim” (v. 39). Confundem novamente a lâmpada com a luz (v. 35), a testemunha com o testemunho, confundem as escrituras (como antes João Batista) com aquele que elas testemunham e quem dará verdadeira vida.

Os judeus são responsáveis, não compreendem, porque não querem (cf. vv. 35.40). Eles mesmos querem definir o que João Batista e as Escrituras têm a dizer; assim não aceitam o testemunho e ao final nem Deus que se revela no seu Filho. Jesus conhece os corações (2,25; 3,19-21): “Eu sei: que não tendes em vós o amor de Deus”, como eles não têm em si a palavra de Deus (cf. 14,21.23).

Eu vim em nome do meu Pai, e vós não me recebeis. Mas, se um outro viesse em seu próprio nome, a este vós o receberíeis. Como podereis acreditar, vós que recebeis glória uns dos outros se não buscais a glória que vem do único Deus? (vv. 43-44).

Os vv. 43-47 são a terceira parte deste discurso de Jesus no cap. 5. Jesus passa da defesa para denúncia. No v. 42 já constatou que os ouvintes judeus não têm o amor de Deus, não reconhecem as curas de Jesus como atos de amor, perseguem Jesus com ódio e querem matá-lo (vv. 16.18). Mas aqui parece que acusação se refere ao futuro: “Se um outro viesse (lit. vier) em seu próprio nome, a este vós o receberíeis (lit. recebereis). Quem é este outro, não sabemos (talvez um falso profeta na época dos primeiros leitores ou durante a guerra Judaica? cf. o “Anticristo” em 1Jo 2,18.22; 4,3; 2Ts 2,3s). Falsos profetas pertencem a este mundo e falam sua linguagem (7,6s.17s; 10,8; cf. 8,41-44). Talvez possamos reconstruir a situação dos primeiros leitores: o problema com os judeus era a profissão da fé em Jesus Cristo (=Messias), Filho de Deus. Por isso, os judeus haviam excluído (excomungado) os cristãos no sínodo de Jâmnia (90 d.C.). Logo depois havia um cisma na comunidade joanina (cf. a importância de “permanecer” em Jo 15,1-8 etc.) em que alguns queriam voltar ao judaísmo (cf. os anticristos de 1Jo 2,18-24; 4,3-5).

“Como podereis acreditar, vós que recebeis glória uns dos outros e não buscais a glória que vem do único Deus?” (v. 44). A raiz da incredulidade está situada na procura da glória pessoal. A fé, pelo contrário, supõe que a pessoa se ordene sem reservas para Deus e dele só espere a glória, como Jesus o fez (7,18; 8,50-54; 12,23.28.43; 13,31-32; 17,1,1; 1Cor 1,29.31; 3,21; 4,7).

Não penseis que eu vos acusarei diante do Pai. Há alguém que vos acusa: Moisés, no qual colocais a vossa esperança. Se acreditásseis em Moisés, também acreditaríeis em mim, pois foi a respeito de mim que ele escreveu. Mas se não acreditais nos seus escritos, como acreditareis então nas minhas palavras?” (vv. 45-47).

Da constatação da falta de fé, Jesus passa à acusação. Sendo “Filho do homem”, o juízo está entregue a ele (v. 27; cf. Dn 7,13s). Mas o acusador será Moisés, considerado mediador e protetor dos israelitas diante de Deus (cf. Ex 32,11-14, a primeira leitura de hoje); agora, em vez de interceder, acusará os judeus incrédulos, “pois foi a respeito de mim que ele escreveu” (cf. 1,21; o “profeta” em Dt 18,15.18). Eles não compreendem o verdadeiro sentido da lei, que era orientar para revelação suprema em Jesus (v. 39; cf. 1,17; 6,32; 7,22-23; 9,28-29). Quem não acreditar em Moisés, como vai acreditar no ressuscitado (Lc 16,31)?

O cap. 5 termina aqui sem constar uma reação dos judeus ouvintes. O leitor se pregunta: como terminará todo esse conflito?

Hoje, depois de perseguições mútuas e séculos de polêmicas, há mais aproximação entre cristãos e judeus, desde o terrível holocausto pelos nazistas (1933-1945) e a atualização da Igreja Católica no Concílio Vaticano II (1962-1065; cf. NA). Os cristãos devem reconhecer os judeus como “irmãos mais velhos na fé” (João Paulo II), cuja aliança com Deus nunca foi cancelada e cujas Escrituras (AT) têm um sentido para eles, mesmo que para nós, o sentido pleno das Escrituras se revele na Nova Aliança (NT) com Cristo (cf. Rm 9-11).

O site da CNBB comenta: Ninguém aceita gratuitamente algo como sendo verdadeiro. Só acreditamos que algo é verdadeiro quando temos um fundamento para isso. Assim as pessoas agem em relação a Jesus, exigem uma garantia de verdade a respeito de tudo o que ele fala para que creiam nela. Isso acontece em primeiro lugar porque não acreditam no amor e na ação do próprio Deus na vida das pessoas. Também acontece porque não são capazes de encontrar nas Sagradas Escrituras o testemunho de Jesus e de suas obras. Somente quem se abre a Deus e à sua revelação reconhece a verdade em Jesus.

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