4 de Abril de 2020, Sábado – Quaresma: Muitos dos judeus que tinham ido à casa de Maria e viram o que Jesus fizera, creram nele. Alguns, porém, foram ter com os fariseus e contaram o que Jesus tinha feito (vv. 45-46).

5ª Semana da Quaresma 

Leitura: Ez 37,21-28

O profeta e sacerdote Ezequiel vivia e atuava no império da poderosa Babilônia, no meio dos israelitas exilados (séc. VI a.C.). Conhece seu luto por Jerusalém destruída, sua saudade pela cidade santa e seu templo, seu anseio por uma identidade religiosa e política. Mas as visões e palavras do profeta vão além da nostalgia do povo. Em Ez 37, ele fala da ressurreição (vv. 1-14) e da unificação do povo e sua presença num templo reconstruído (vv. 15-22).

Assim diz o Senhor Deus: “Eu mesmo vou tomar os israelitas do meio das nações para onde foram, vou recolhê-los de toda a parte e reconduzi-los para a sua terra. Farei deles uma nação única no país, nos montes de Israel, e apenas um rei reinará sobre todos eles. Nunca mais formarão duas nações, nem tornarão a dividir-se em dois reinos (vv. 21-22).

A divisão do povo em dois reinos, Israel (norte) e Judá (sul) após a morte de Salomão (931 a.C.) pesou sobre a consciência de muitos (cf. 1Rs 12). Guerra de irmãos, divisão do culto e interesses políticos tornaram a divisão mais amarga. Agora um duplo desterro (do norte em 722, do sul em 586 a.C.) parece ter irmanado na desgraça os membros divididos do mesmo povo. Não pode haver restauração plena sem reconciliação e unificação do dividido (Jr 30,33; 31,27.31). O Senhor mesmo vai realizar isso, como um bom pastor (cf. Ez 34) “vou tomar os israelitas do meio das nações para onde foram, vou recolhê-los de toda parte e reconduzi-los para sua terra. Farei deles uma nação única no país, nos montes de Israel, e apenas um rei reinará sobre eles”. A palavra predominante neste trecho é “um, um só, único” (vv. 21-22.24).

Não se mancharão mais com os seus ídolos e nunca mais cometerão infames abominações. Eu os libertarei de todo o pecado que cometeram em sua infidelidade, e os purificarei. Eles serão o meu povo e eu serei o seu Deus (v. 23).

“Nunca mais formarão duas nações, … nunca mais cometerão infames abominações” (v. 22-23). “Brasil: Nunca mais” é o título de um livro importante que documentou a tortura do regime militar no Brasil (autores: Dom Paulo Evaristo Arns e outros, Editora Vozes, 1985).

Deus libertará do pecado e purificará; será uma renovação da aliança (v. 23; cf. 36,25-28): “Eles serão o meu povo e eu serei seu Deus” (vv. 23.27). Esta fórmula da aliança será lembrada e repetida muitas vezes (Jr 7,23; 11,4; 24,7; Ez 11,20; 14,11; 36,28; 37,27; Ex 6,7; 19,5; Lv 26,12; Dt 26,17-19; 29,12), também na nova aliança (Jr 31,33; cf. Jo 20,17); cf. a fórmula da aliança aplicada a Davi e sua descendência em 2Sm 7,14: “Eu serei para ele um pai e ele será para mim um filho”.

Meu servo Davi reinará sobre eles, e haverá para todos eles um único pastor. Viverão segundo meus preceitos e guardarão minhas leis, pondo-as em prática (v. 24).

Davi tinha sido o criador da unidade das doze tribos de Israel sob um rei único (2Sm 5). Na futura nação, voltará reinar um novo Davi e “haverá para todos eles um único pastor” (v. 24; cf. 34,23-24; Jo 10,16). Como na nova aliança anunciada por Jr 31,33, eles “viverão segundo meus preceitos” (v. 24).

Habitarão no país que dei ao meu servo Jacó, onde moraram vossos pais; ali habitarão para sempre, também eles, com seus filhos e netos, e o meu servo Davi será o seu príncipe para sempre. Farei com eles uma aliança de paz, será uma aliança eterna. Eu os estabelecerei e multiplicarei, e no meio deles colocarei meu santuário para sempre. Minha morada estará junto deles. Eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Assim as nações saberão que eu, o Senhor, santifico Israel, por estar o meu santuário no meio deles para sempre” (vv. 25-28).

Na parte final, repete-se cinco vezes a expressão “para sempre”, ligada a temas da aliança e da monarquia e às promessas patriarcais, terra e fecundidade (vv. 25-27; nos caps. 40-48 esses dados são desenvolvidos minuciosamente). Também o Templo será reconstruído em dimensões bem maiores (Ez 40-48), “minha morada estará junto deles. Assim as nações saberão, que eu, o Senhor, santifico Israel, por estar o meu santuário no meio deles para sempre” (vv. 27-28).

Como o Senhor está no meio do seu povo (no seu templo), Israel está no meio das nações como mediador da revelação, órgão da presença universal do Senhor no mundo e na história (como a Igreja do Vaticano II em LG 1). Na visão apocalíptica da nova Jerusalém, Deus “vai morar com eles” (Ap 21,3), mas “nenhum templo, porém, vi na cidade, porque seu templo é o Senhor, o Deus todo-poderoso, bem como o Cordeiro” (Ap 21,22). Segundo Jo 2,21, o Corpo de Cristo é o novo Templo.

 

Evangelho: Jo 11,45-56

O evangelho de hoje apresenta, nas vésperas da paixão e antes da entrada de Jesus em Jerusalém, a reação dos judeus após a ressurreição de Lázaro e a sentença premeditada pelo sumo sacerdote. Porque Jesus dá vida, sua morte será exigida. Termina o livro dos sinais (sete milagres de Jesus) e começa a relato da paixão.

Muitos dos judeus que tinham ido à casa de Maria e viram o que Jesus fizera, creram nele. Alguns, porém, foram ter com os fariseus e contaram o que Jesus tinha feito (vv. 45-46).

Jesus acabou de ressuscitar o irmão de Marta e Maria, Lázaro, que estava morto há quatro dias (vv. 1-44). No quarto evangelho, os milagres de Jesus são chamados de “sinais” (v. 47; cf. 2,11; 4,54 etc.). O sétimo e último sinal divide as opiniões (cf. 7,43; 9,16; 10,19): a fé de “muitos dos judeus” (aqui judeus no sentido amplo do povo) é a denúncia de outros. Os “fariseus” parecem como principais adversários (1,24; 4,1; 7,32.45-52; 8,13.20; 11,57; 12.19; cf. 3,1; 9,40; 12,42), de fato o eram na comunidade do evangelista (depois da destruição do templo em 70 d.C. não havia mais sacerdotes entre os judeus e restaram os fariseus e seus mestres da lei, os rabinos, como representantes do judaísmo).

Então os sumos sacerdotes e os fariseus reuniram o Conselho e disseram: “O que faremos? Este homem realiza muitos sinais. Se deixamos que ele continue assim, todos vão acreditar nele, e virão os romanos e destruirão o nosso Lugar Santo e a nossa nação” (vv. 47-48).

Convocou-se uma sessão extraordinária do Grande Conselho, o “sinédrio”, o Supremo Tribunal dos Judeus. Antes do ano 70, havia três grupos (cf. Mc 14,53; 15,1): a aristocracia sacerdotal (saduceus) era líder, junto com os anciãos (famílias tradicionais) e os escribas (na maioria fariseus).

Eles estão com medo de perder sua influência que se baseia num bom relacionamento com os romanos. Não sabem mais o que fazer, os milagres de Jesus são convincentes (cf. 9,31-33), só cegos não veem isso (10,40s): “Se deixamos que ele continue assim, todos vão acreditar nele” (v. 48a). A posição deles e sua doutrina da “segurança nacional” estão em jogo, porque fato é que o movimento de Jesus provoca perturbações. A comunicação da vida (seus “sinais”, suas curas) e da liberdade (a despeito de costumes, leis e tradições, cf. 2,15s; 4,8s; 5,10-18; 8,32; 9,14) é intolerável para um sistema opressor, “virão os romanos e destruirão o nosso lugar santo (o templo) e a nossa nação” (v. 48b).

Um deles, chamado Caifás, sumo sacerdote em função naquele ano, disse: “Vós não entendeis nada. Não percebeis que é melhor um só morrer pelo povo do que perecer a nação inteira?” Caifás não falou isso por si mesmo. Sendo sumo sacerdote em função naquele ano, profetizou que Jesus iria morrer pela nação. E não só pela nação, mas também para reunir os filhos de Deus dispersos (vv. 49-52).

José Caifás era sumo sacerdote e como tal exerceu magistratura suprema durante 19 anos (18-36 d.C.; cf. Lc 3,2; At 4,6; seu papel é sublinhado por Mt 26,3.57 e Jo 18,13-14.24.28). Ele critica os conselheiros, “vós não entendeis nada”, e transporta o debate para o plano político: sejam quais forem os motivos religiosos, é melhor eliminar a pessoa cuja popularidade pode provocar uma insurreição e uma repressão violenta (como já aconteceram fatos semelhantes antes, cf. At 5,36-38) com a destruição do templo e da nação. É melhor sacrificar em tempo aquele que é foco do grande perigo.

Mas o evangelista e seus leitores (no final do séc. I) sabem que foi a exatamente rebelião dos próprios sacerdotes (juntos com os zelotes) contra Roma que provocou a guerra Judaica levando à catástrofe nacional em 70 d.C., a destruição do templo e da nação (cf. Mt 22,7; 23,38; Lc 19,43s) e ao final tirou os sacerdotes do poder.

“Não percebeis que é melhor um só morrer pelo povo do que perecer a nação inteira?” (v. 50). Ele não percebeu que falou mais do que pensava. “Sendo sumo sacerdote naquele ano (i. é. em função), profetizou que Jesus iria morrer pela nação. E não só pela nação, mas também para reunir os filhos de Deus dispersos” (vv. 51-52; cf. 1,12.29; a profecia está em Is 53). Em virtude do seu cargo, mas sem o saber, proclamou o desígnio de Deus (3,16), o significado que a morte de Jesus terá para os que creem, não só dos judeus, mas de todas as nações (cf. 1,29: “Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”; 4,42: “salvador do mundo”; cf. 10,16; 12,20.32; 17,20s; 19,20; 21,11). A comunidade de João se compôs de judeu-cristãos (da “nação”) e helenistas (“dispersos” no mundo greco-romano, cf. Ef 2,11-22).

A partir desse dia, as autoridades judaicas tomaram a decisão de matar Jesus. Por isso, Jesus não andava mais em público no meio dos judeus. Retirou-se para uma região perto do deserto, para a cidade chamada Efraim. Ali permaneceu com os seus discípulos (vv. 53-54).

“As autoridades judaicas” (omitido no texto grego) decidem oficialmente o que planejaram desde 5,18 (cf. 7,32; 8,20.59; 10,31): matar Jesus. Desde esse momento, Jesus é um indivíduo procurado pela polícia (v. 57). Jesus já chegou até Judeia, até Betânia perto de Jerusalém (11,1.7). Mas ele se retira outra vez (7,1; 10,39s; cf. 8,59; 12,36) até que chegue a sua hora (2,4; 4,23; 5,25; 7,6.8.30; 8,20; 11,9s; 12,23.27; 13,1 etc.). O lugarejo Efraim pode ser situado a 20 km a nordeste de Jerusalém. É como um intervalo (cf. 7,1-9), respirar fundo antes da etapa final.

A Páscoa dos judeus estava próxima. Muita gente do campo tinha subido a Jerusalém para se purificar antes da Páscoa. Procuravam Jesus e, ao reunirem-se no Templo, comentavam entre si: “O que vos parece? Será que ele não vem para a festa?” (vv. 55-56).

Como em 2,13; 5,1; 6,4; 7,2 se introduz a nova etapa, mencionando um festa. Pela terceira vez, “a Páscoa dos judeus estava próxima” (2,13; 6,4). Mais de dois anos de atividade pública de Jesus já se passaram. A páscoa é “dos judeus”, a verdadeira páscoa acontecerá quando Jesus morrer pela vida do mundo” (cf. 6,51; 19,36). Os judeus querem “se purificar” (cf. 2,6; 3,25), um rito prévio à celebração pascal (Nm 9,6-13; 2Cr 30,17). Mas a verdadeira purificação/santificação acontecerá só através de Jesus (13,10; 15,3; 17,17-19).

Jesus ainda está fora de Jerusalém. O povo sabe que “os chefes dos sumos sacerdotes e os fariseus, porém, tinham ordenado que quem soubesse onde Jesus estava, o indicasse, para que o prendessem” (v. 57 omitido pela nossa liturgia). Os leitores já sabem que tem alguém disposto a fazer isso (Judas, cf. 6,64.71).

A ausência de Jesus se faz sentir justamente no templo (v. 56a). Esses versículos servem de transição para a etapa final do evangelho e criam tensão: “O que vos parece? Será que ele não vem para a festa?” (v. 56b; cf. 7,11s). Será que virá clandestinamente como em 7,10? Não, desta vez entrará em público aclamado por uma multidão (12,12s).

O site da CNBB comenta: Jesus, caminho, verdade e vida, é condenado à morte antes do seu próprio julgamento. Os sumos sacerdotes e os fariseus não conheceram Jesus, não souberam perceber o tempo em que foram visitados e não descobriram o sentido mais profundo da sua presença na história da humanidade. Quem conhece Jesus, o Deus da Vida, constrói a vida, mas quem não o conhece, mata! Evangelizar significa também apresentar Jesus como o Deus da Vida presente no meio de nós, a fim de que, ao reconhecer essa presença, as pessoas entendam que ser cristão significa ser compromissado com a vida e ser capaz de transformar essa sociedade de morte.

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