4 de Janeiro de 2020, Sábado: João estava de novo com dois de seus discípulos e, vendo Jesus passar, disse: “Eis o Cordeiro de Deus!” Ouvindo essas palavras, os dois discípulos seguiram Jesus (vv. 35-37).

Tempo do Natal antes da Epifania

Leitura: 1Jo 3,7-10

A leitura de hoje continua com o tema e o discernimento de “filhos de Deus” e “filhos do diabo” (3,1-10). Apesar da ocasião concreta desta carta (as heresias gnósticas), o autor não propõe aqui personagens concretos, históricos ou atuais, mas tipos.

Filhinhos, que ninguém vos desencaminhe. O que pratica a justiça é justo, assim como ele é justo. Aquele que comete o pecado é do diabo, porque o diabo é pecador desde o princípio (vv. 7-8a).

“Filho de Deus” é todo aquele que nasceu de Deus (v. 9, cf. Jo 1,12-13), pratica a justiça (2,29) e não comete pecado. Quem peca, demonstra ser de outra natureza, ser filho daquele que desde sua origem é pecador, o “diabo” (cf. Jo 8,34-44; Gn 3).

Para isto é que o Filho de Deus se manifestou: para destruir as obras do diabo (v. 8b).

As obras do diabo são o pecado e a morte (cf. Sb 2,14). Jesus veio para nos libertar do mal (cf. Gn 3,15; Mt 6,13; Mc 3,22-27; Lc 10,18; 13,16; Jo 17,15 etc.), salvar dos pecados (v. 5; Mt 2,21; 4,11-11p; 12,26,28; Mc 2,5.17p; Lc 2,11; 7,48; 15; 19,10; 24,47; At 3,38 etc.) e da morte eterna aqueles que creem nele (Jo 3,16s; Ap 21,4.7s).

Todo aquele que nasceu de Deus não comete pecado, porque a semente de Deus fica nele; ele não pode pecar, pois nasceu de Deus (v. 9).

As expressões “ser de Deus, da verdade, filho de Deus” significam que o cristão vive sob a influência de Deus, que nele permanece. As expressões “ser do diabo” (v. 8), “ser do maligno” (v. 12), “ser do mundo’ (2,16; 4,5), “filhos do diabo” (3,12)” designam todos aqueles que vivem sob influência perversa de Satanás e se deixam iludir por ele, mas o verdadeiro filho de Deus não se deixa iludir (cf. Mt 4,1-11), porque a “semente de Deus” fica nele.

Esta semente pode simbolizar: o próprio Cristo (cf. Jo 12,24; Gl 3,16; 1Jo 5,18), a Palavra de Deus recebida (2,7.14.24; Mc 4,14p; Mt 13,38; 1Pd 1,23-25), a verdade cristã (2Jo 2; Jo 14,17), o Espírito/unção (2,20.27; cf. Jo 8,31-32), princípio interior de santificação.

Apesar do dualismo apresentado entre Deus e o diabo, o autor da carta não concede igual poder ao diabo! Fala de “filhos do diabo”, “ser do diabo”, mas não fala que alguém seja “gerado ou nascido do diabo”, ou que “a semente do diabo” permaneça nele. O diabo não pode dar vida, somente destruí-la. Ao final, as trevas não têm o mesmo poder do que a luz (cf. Jo 1,4-5)

Nisto se revela quem é filho de Deus e quem é filho do diabo: todo o que não pratica a justiça não é de Deus, nem aquele que não ama o seu irmão (v. 10).

A conclusão da leitura de hoje (v. 10c) introduz o próximo tema, o preceito do amor (cf. 2,29: “praticar a justiça”; e “amar aos irmãos” em 2,3-11).

 

 

Evangelho: João 1,35-42

O início do evangelho de hoje, ”no dia seguinte” foi mudado para “naquele tempo”. Este costume litúrgico desfez o esquema de uma semana, que o evangelista construiu com anotações cronológicas de uma semana que se conclui no casamento de Caná (cf. vv. 29.35.42; 2,1). Começa outro dia na atividade do Batista.

(Naquele tempo) João estava de novo com dois de seus discípulos e, vendo Jesus passar, disse: “Eis o Cordeiro de Deus!” Ouvindo essas palavras, os dois discípulos seguiram Jesus (vv. 35-37).

Generosamente João cede a Jesus dois de seus discípulos. Com uma só frase os incita a segui-lo (cf. Mc 1,16-20p). Embora o pareça, a “passagem” de Jesus não é casual (cf. 6,48; Ex 33,19; 34,9). O seu momento tem uma força de atração, quer ir à frente e ser seguido, mas aqui não é o próprio Jesus que chama. Outras pessoas conduzem para ele. O movimento iniciado pelo Batista continua até hoje: conduzir outras pessoas a Jesus.

No quarto evangelho, os discípulos não são chamados durante trabalhos cotidianos (cf. Mc 1,16-20p; 2,14s; Lc 5,1-11), mas como discípulos previamente instruídos e preparados tanto que basta uma frase para entender. “Eis o cordeiro de Deus” (vv. 29.35, sobre o significado cf. comentário de ontem).

Voltando-se para eles e vendo que o estavam seguindo, Jesus perguntou: “O que estais procurando?” (v. 38a)

Os dois discípulos seguem, mas Jesus faz uma pergunta exigindo que se examinem a sério, que tomem consciência e o declarem sem dissimulação. Devemo-nos perguntar também se temos clareza sobre o que estamos procurando na vida e na Igreja, o que queremos ao final, qual o rumo e sentido da nossa vida? São as primeiras palavras de Jesus no quarto evangelho e nos convidam (como Sócrates) a examinar nossos motivos e pensamentos, a nossa vida.

Eles disseram: “Rabi (que quer dizer: Mestre), onde moras?” (v. 38b).

Eles chamam Jesus logo de mestre: “Rabi”. Sem dúvida, João escreve a leitores da língua grega, mas usa uns termos hebraicos ou aramaicos (cf. 19,17; 20,16), traduzindo-os (cf. 1,38.41.42). Provavelmente quer demonstrar com isso que a palavra de Deus se encarnou (1,14) num determinado momento da história em determinado lugar, cultura e língua.

A pergunta, “onde moras”, significa superficialmente “onde te alojas”, mas no nível mais profundo investiga o mistério da morada transcendente de Jesus. Na verdade, sua morada, está no céu ao lado do Pai, a origem de onde ele saiu e para onde ele voltará (cf. 1,1-18; 3,13; 13,1.33; 14,2-3; 17,8.24).

Jesus respondeu: “Vinde ver”. Foram, pois, ver onde ele morava e, nesse dia, permaneceram com ele. Era por volta das quatro da tarde (v. 39).

Jesus convida para “ver” (vv. 39.46). Desde o início quer torná-los testemunhas oculares (cf. 1,14; 12,21; 20,27; 1Jo 1,1-3; 3,2; 4,14). Em Jo, “ver o Filho” é discernir que ele é realmente o Filho enviado do Pai (cf. 6,40; 12,12,21.45; 14,9; 17,6).

Na sua primeira encíclica, Papa Francisco (continuando o esboço de Bento XVI), escreveu sobre “a fé como ouvir e ver” (Lumen Fidei 29-31): A fé vem da palavra ouvida (cf. Rm 10,17). Os discípulos “ouviram as palavras” do Batista (Jo 1,37) e “seguiram Jesus”. Mas a fé na palavra de Deus fomenta o desejo de “ver” seu rosto (cf. Hb 11,1; Ex 33,18-23; Jo 14,8s; 1Jo 3,2; Mt 5,8; 1 Cor 13,12). Em Jo, a fé é uma síntese de ver e ouvir (cf. 11,40.45; 12,44s; 20,8.14;18). “O discípulo amado viu e acreditou” (20,8). É a encarnação que possibilita esta fé (1,14), não só ouvindo a Palavra, mas também vendo e até tocando o encarnado e ressuscitado (cf. Lc 8,45s; Jo 20,24-29; 1Jo 1).

Eles ”permaneceram” (sobre o uso desta palavra, cf. o comentário de ontem). “Era por volta dos quatro da tarde” (lit. “da décima hora” no horário romano); esse pormenor confere um testemunho pessoal: o primeiro encontro com uma pessoa importante e amada é sempre inesquecível.  Pode ser também uma alusão à páscoa (“passagem”) de Jesus, sua passagem da morte na cruz (às três da tarde, na nona hora em que o “Cordeiro” morre) voltando para o Pai (cf. Ex 12,11c.12a; Jo 13,1; 19,14.31.42; Mc 15,33p).

Em Lc 24,29, dois discípulos pediram Jesus: “Permanecei conosco, pois cai a tarde e o dia já declina”. Como aqui em Jo 1,39 fala “nesse dia, permaneceram com ele”, pode-se ser que o evangelista tenha pensado ainda na ceia no início da noite, mas ele não introduz o próximo v. 40 com “no dia seguinte” (só em vv. 29.35.43; cf. o “terceiro dia” em 2,1).

André, irmão de Simão Pedro, era um dos dois que ouviram as palavras de João e seguiram Jesus (v. 40).

Só agora o autor identifica os seguidores: André (cf. 6,8s; 12,22) e outro discípulo sem nome, que pode ser o próprio João, ou seja, o “discípulo amado” (cf. 13,23-25; 18,15; 19,25s; 20,2-8; 21,7.20-24) que permanece anônimo. A ele se atribui a autoria do evangelho e das cartas de João (cf. o comentário do dia 27 de dezembro).

Ele foi encontrar primeiro seu irmão Simão e lhe disse: “Encontramos o Messias (que quer dizer: Cristo)”. Então André conduziu Simão a Jesus. Jesus olhou bem para ele e disse: ”Tu és Simão, filho de João; tu serás chamado Cefas (que quer dizer: Pedra) ” (vv. 41-42).

Terminado o primeiro encontro, André já sente necessidade de anunciar sua descoberta, chama seu irmão Simão e professa sua fé: “Encontramos o messias que quer dizer Cristo” (v. 41; cf. Mc 8,29p). Jesus tem conhecimento sobrenatural das pessoas (cf. v. 48; 2,24s etc.), no primeiro encontro já reconhece Simão e lhe impõe o novo nome da nova função: ser a rocha da Igreja (v. 42; Mt 16,18). Em aramaico (cefas) e em grego (petros): Pedro e pedra é a mesma palavra.

Vale ressaltar que no quarto evangelho, Simão Pedro não é o primeiro a chegar (cf. 20,3-8) nem o primeiro a ser chamado nem o primeiro a professar a fé (fará só em 6,68s; cf. também Marta em 11,25). Ele só chega na última hora deste dia, mas “os últimos serão os primeiros” (cf. Mt 20,6.16; Jo 21).

Começou um processo vocacional em cadeia. João Batista falou sobre Jesus aos dois discípulos e estes chamam depois outros, e outros, e outros. Nós fomos conduzidos ao encontro com Jesus pelas palavras e exemplos de outras pessoas. Agora nós devemos falar e chamar mais outras pessoas para conhecer o messias.

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