5 de Julho 2019, Sexta-feira: Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria de impostos, e disse-lhe: “Segue-me! ” Ele se levantou e seguiu a Jesus (v. 9).

13ª Semana Comum

Leitura: Gn 23,1-4.19; 24,1-8.62-67

Na novela dos patriarcas ouvimos hoje como Isaac recebeu Rebeca por esposa e amou-a, consolando-se assim da morte da mãe.

A leitura de hoje nos apresenta trechos de dois capítulos: Gn 23 trata do terreno para a sepultura de Sara e Gn 24 do casamento do seu filho Isaac. Gn 23 é atribuída à fonte sacerdotal, mas utiliza um documento mais antigo.

Sara viveu cento e vinte e sete anos, e morreu em Cariat Arbe, que é Hebron, em Canaã. Abraão veio fazer luto por Sara e chorá-la (23,1-2).

A tradição sacerdotal no (pós)-exílio estava interessada em detalhes biográficos, genealogias e números, aqui ela informa a idade de Sara. A tradição do local pode ser mais antiga: em Hebron, o nômade Abraão já ficava de vez em quando um tempo junto aos carvalhos de Mambré (13,18; 14,13; 18,1) e agora compra um terreno ao lado para a sepultura da sua esposa gruta, chamada “gruta de Macpela” (vv. 9.17-19).

Depois levantou-se de junto da morta e falou aos hititas: “Sou um estrangeiro e hóspede no vosso meio. Cedei-me como propriedade entre vós um lugar de sepultura, onde possa sepultar minha esposa que morreu” (vv. 3-4).

Abraão “falou aos hititas” (ou heteus; lit.“filhos de Het”; cf. 10,15). Os hititas são um povo da Anatólia (leste da atual Turquia) de língua indo-germânica, cujo nome é aplicado a um grupo não semítico da Palestina (cf. Dt 7,1). Eles tinham um grande império na Ásia menor (atual Turquia) extinto cerca de 1200 a.C. Em textos babilônicos e assírios, Het (ou Hatti) designa o conjunto das regiões semitas ocidentais, portanto, em nosso texto não são mais os antigos hititas.

Os filhos de Het ofereceram espaço nas melhores sepulturas deles, mas Abraão insistiu em comprar a gruta de Macpela pelo pleno valor (vv. 5-16, omitidos por nossa liturgia).

A compra da sepultura corresponde a práticas legais antigas. Quem possui uma sepultura como propriedade, possui um terreno e é habitante do país; o simples residente e o forasteiro não podem possuir terrenos. A alienação de um terreno diz respeito a toda a comunidade e deve ser aprovada por um conselho.

Obtendo Abraão um título de “propriedade” (v. 18; cf. 17,8; 48,4) e um direito de cidadania em Canaã, começa a se realizar a promessa da terra (12,7; 13,15; 15,17; 17,8). Assim, os patriarcas saídos de Ur e de Harã começam a ocupar a terra prometida, ainda que seja um campo minúsculo, a caverna de Macpela em Hebron. O costume de possuir uma sepultura da família é antiguíssimo e de maior importância (cf. 49,30; 1Rs 13,22; 2Rs 22,20; Is 14,19; Jr 8,1-2; Ne 2,5). Podemos entender daí a importância que os índios dão a sua terra, porque lá estão enterrados seus ancestrais.

A Nova Bíblia Pastoral comenta: Com esta narrativa baseada na veneração do “Túmulo dos Patriarcas” em Macpela/Hebron … se estabelece o procedimento para os judeus da diáspora, vivendo como migrantes estrangeiros (v. 4), que enterram sues mortos em lugares “puros” (cf. Is 53,9).

Assim, Abraão sepultou Sara, sua mulher, na caverna do campo de Macpela, em frente de Mambré, que é Hebron, na terra de Canaã (23,19).

No túmulo de Sara serão enterrados também Abraão, Isaac e Jacó, Rebeca e Lia (25,9; 35,16-29; 49,29-32; 50,13), e a presença de Abraão ali será um reclamo para os israelitas. Depois, o sepulcro se transformará em lugar de veneração nas três religiões monoteístas até os nossos dias. Hoje Hebron, ao sul de Jerusalém, pertence ao território palestino, mas está sob forte vigilância israelense. Não se tem mais os ossos dos patriarcas. Herodes construiu um prédio sobre um conjunto de cavernas que serviam como túmulos e colocou dentro do prédio duplas de quenótafos (túmulos vazios como lembrança simbólica) dos patriarcas e matriarcas.

Abraão já era velho, de idade avançada, e o Senhor o havia abençoado em tudo. Abraão disse ao servo mais antigo da sua casa, administrador de todos os seus bens: “Põe a mão debaixo da minha coxa e jura-me pelo Senhor, Deus do céu e da terra, que não escolherás para meu filho uma mulher entre as filhas dos cananeus, no meio dos quais eu moro; 4mas tu irás à minha terra natal, buscar entre os meus parentes uma mulher para o meu filho Isaac” (24,2-4).

Já que morreu a matriarca e Abraão perto de morrer, é preciso procurar uma esposa para seu filho, pois cabe ao pai adquiri-lhe uma mulher.

“O Senhor o havia abençoado em tudo” (24,1), quer dizer com longa vida, descendência e riqueza. O “servo mais antigo”, mas anônimo, é identificado pela tradição com Eliezer de Damasco (15,2). “Põe a mão debaixo da minha coxa e jura-me pelo Senhor, Deus do céu e da terra” (vv. 2-3). É o mesmo gesto em 47,29 para tornar o juramento inquebrantável por um contato com as partes vitais. “Coxa” parece ser eufemismo, faz o juramento mais solene, pois põe em jogo a força viril do homem.

Com este cap. 24 poderia terminar a narrativa de Abraão. Os vv. 1-9 supõem que o patriarca esteja no leito de morte (cf. 47,29-31). A menção de sua morte, que um relato primitivo devia conter, foi adiada para permitir a adição de 25,1-6. Por outro lado, uns indícios levam a pensar num texto mais tardio (após o exilio, séc. V a.C.): a preocupação pelo matrimônio entre israelitas, a pouca intervenção direta de Deus, um ritmo contínuo narrativo.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 43) comenta o cap. 24: Normas para o casamento, o enterro (Gn 23) e a circuncisão (Gn 17) firmam o patriarcalismo e a concepção do povo eleito e puro do judaísmo pós-exílico. São desse período a expressão “o Deus do céus” (vv. 3.7); cf. 2cr 36,23; Esd 1,2; Ne 1,4.5; 4,4.20; Jn 1,9) e a riqueza como benção (v. 35; cf. 13,1-18). O juramento provavelmente envolvia os órgãos genitais (vv. 2.9 e 47,29) e incluía a maldição da esterilidade para o homem que o quebrasse (v. 41)

Buscar a esposa não no meio dos pagãos, mas do próprio povo (entre os parentes, cf. Gn 28; Tb 3,17; 7,10), torna se norma no pós-exílio: no séc. V a.C., Esdras proibiu os casamentos mistos (Esd 9-10) para manter a comunidade dos repatriados unida, com suas devoções e tradições. Uma das razões, demonstrada em Ne 13,23-27, é o fato de a mãe ser a única educadora em casa: como pode uma criança ser educada dentro da língua e tradição judaica, se a mãe não é judia.

E o servo respondeu: “E se a mulher não quiser vir comigo para esta terra, deverei levar teu filho para a terra de onde saíste? ” Abraão respondeu: “Guarda-te de levar meu filho de volta para lá. O Senhor, Deus do céu, que me tirou da casa do meu pai e da minha terra natal, e que me falou e jurou, dizendo: “É tua descendência darei esta terra”, ele mesmo enviará seu anjo diante de ti e trarás de lá uma mulher para meu filho. Porém, se a mulher não quiser vir contigo, ficarás livre deste juramento; mas de maneira alguma levarás meu filho de volta para lá“ (vv. 5-8).

Duas lealdades tornam complicada a eleição: Não se deve contaminar com as mulheres canaeias (cf. 26,34s; 27,46-28,2; Dt 7,3s; Esd 10; Ne 13,23ss) e, por outro lado, deve ser fiel à nova terra de adoção: “Porém, se a mulher não quiser vir contigo, ficarás livre deste juramento; mas de maneira alguma levarás meu filho de volta para lá” (v. 8).

Numa ordem de preferências, Abraão considera essencial a aceitação livre da mulher escolhida (v. 58: “Queres partir com este homem? ”- “Quero. ”). Além do mais, o patriarca não pode cuidar do assunto pessoalmente, mas tudo se resolve providencialmente. “O Senhor, Deus do céu, … ele mesmo enviará se anjo diante de ti e trarás de lá uma mulher para meu filho” (v. 7; Ex 23,20; cf. o anjo Rafael em Tb 5).

Nossa leitura saltou as cenas em que o servo de Abraão vai a Aram Entre-Rios, isto é, Mesopotâmia do Norte, ocupada pelos arameus, povo parente dos ancestrais dos israelitas (cf. Dt 26,5) e lá, num poço (símbolo matrimonial, cf. Pr 5,15-19; Jo 4) encontra a futura esposa para Isaac, Rebecca (vv. 9-61).

Isaac tinha voltado da região do poço de Laai-Roí e morava na terra do Negueb. Ao cair da tarde, Isaac saiu para o campo a passear. Levantando os olhos, viu camelos que chegavam, Rebeca também, erguendo os olhos, viu Isaac. Desceu do camelo, e perguntou ao servo: “Quem é aquele homem que vem pelo campo, ao nosso encontro? ” O Servo respondeu: “É, o meu senhor”. Ela puxou o véu e cobriu o rosto. (vv. 62-65).

Isaac morava mais ao sul que Abraão, na terra de Negueb, perto do poço de Laai-Rói (v. 62; cf. 16,14). O encontro romântico inspirou artistas: “Isaac saiu para o campo a passear. Levantando os olhos, viu camelos que chegavam. Rebecca também, erguendo os olhos, viu Isaac… Ela puxou o véu e cobriu o rosto” (vv. 63-65).

Originalmente o véu não era para proteger o rosto de poeira e calor, mas uma peça mágica contra demônios, como no costume de usá-lo nos dias do matrimônio (Ct 4,1.3; Is 47,1-3; cf. Ez 13,18-21). A noiva era apresentada de véu ao seu esposo (24,65; 28,23-25).

No início de Israel não era costume as mulheres esconderem seu rosto (cf. 12,14s; 24,5s; 26,7), depois virou costume em todo antigo Oriente. Paulo tentou introduzir este costume oriental para as mulheres liberais na cidade grega de Corinto (1Cor 11,2-16). O costume mulheres muçulmanas de usar véu causa polêmica hoje quando vivem em países ocidentais.

Então o servo contou a Isaac tudo o que tinha feito. Ele introduziu Rebeca na tenda de Sara, sua mãe, e recebeu-a por esposa. Isaac amou-a, consolando-se assim da morte da mãe (vv. 66-67).

Na própria tenda da matriarca Sara, realiza-se o novo matrimônio: segunda geração patriarcal. “Isaac amou-a, consolando-se assim da morte da mãe”. Antigamente, os casamentos eram arranjados pelos pais, e esperava-se que o amor viesse com o convívio no casamento.

 

Evangelho: Mt 9,9-13

Continuamos a ouvir Jesus atuando como messias em Israel, na “sua cidade” Cafarnaum (9,1; 4,12).

Partindo dali, Jesus viu um homem chamado Mateus, sentado na coletoria de impostos, e disse-lhe: “Segue-me! ” Ele se levantou e seguiu a Jesus (v. 9).

Jesus não só tem o poder de perdoar pecados (vv. 2-7; cf. evangelho de ontem), mas também transforma um pecador em discípulo. Jesus chama Mateus também no lugar do trabalho dele, na coletoria de impostos, só diz: “Segue-me” e ele se levanta e o segue (v. 9). Tudo igual ao chamado dos primeiros quatro discípulos que eram pescadores (cf. 4,18-22p), somente o nome e a profissão são diferentes.

O nome Mateus é aramaico, uma abreviação de Matatias ou Matanias (cf. 2Rs 24,17; Ne 8,4) e significa “dom de Javé”. Nos textos paralelos, Mc 2,13 e Lc 5,27 consta outro nome: “Levi (filho de Alfeu) ”. Porque Mt mudou o nome para Mateus? Será um nome duplo, como Simão Pedro, Tomé Dídimo, ou Saulo Paulo? Com frequência, juntou-se um nome semita com um nome grego, mas nomes duplos (não apelidos) em aramaico eram muito raros. Vejamos a questão mais abaixo.

Enquanto Jesus estava à mesa, em casa (de Mateus), vieram muitos cobradores de impostos e pecadores e sentaram-se à mesa com Jesus e seus discípulos. Alguns fariseus viram isso e perguntaram aos discípulos: “Por que vosso mestre come com os cobradores de impostos e pecadores? ” (vv. 10-11).

Mateus, porém, não exercia uma profissão honrada. Os coletores de impostos (chamados em outras traduções de “publicanos”) eram vistos como pecadores públicos porque abusavam da função, provocando o ódio do povo, pois exploravam e estavam a serviço dos romanos. O cargo era recebido em arrendamento (cf. 5,46; 18,17; 21,21; Lc 15,1; 18,10-14; 19,1-10). O chamado de Jesus prescinde de preconceito e vence a cobiça que é uma forma de idolatria (cf. 6,24; Ef 5,5; Cl 3,5).

Mt faz um banquete de despedida (cf. 1Rs 19,19-21) com seus colegas de profissão e classe (desclassificados em v. 12 de “pecadores”). Mt, como Mc, não especificou de quem era a “casa”, só Lc 5,29 deixou claro que era do publicano. Jesus e seus discípulos participam do banquete e os fariseus ficam escandalizados (vv. 10-11).

O termo “fariseus” provavelmente era um apelido, entre eles se chamavam “companheiros”. Eram leigos zelosos que queriam assumir para si as mesmas leis de pureza prescritas para os sacerdotes.

A palavra “fariseu” em hebraico significa “separado”, porque os fariseus se sentem os guardiões da separação que garante a pureza e com ela santidade e consagração do povo; entre as separações, a mais importante é entre justos e pecadores (Sl 13,19-22; Pr 29,27). Compartilhar a mesa com pecadores é pecaminoso, pois participar da mesa significa ter comunhão com eles, uma relação amistosa, selada pela benção sobre alimentos.

Jesus ouviu a pergunta e respondeu: “Aqueles que têm saúde não precisam de médico, mas sim os doentes. Aprendei, pois, o que significa: ‘Quero misericórdia e não sacrifício’. De fato, eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores” (vv. 12-13).

Jesus responde com a atitude de anfitrião ou convidado especial (cf. Eclo 32,1), comparando-se com um médico de quem os sadios não precisam, mas os doentes (v. 12; cf. Eclo 38,1-15). Os fariseus não entendem a Escritura; consideram-se sãos e santos enquanto julgam insanável a situação que Jesus veio sanar (cf. 7,3-5; 6,22; 15,12-14; 23,16-19; Lc 15,1s; Jo 9,40s). Mas o primeiro passo para a cura é reconhecer a doença. A citação de Os 6,6, que Mt acrescentou ao relato de Mc, se adapta bem a situação, e será repetida em 12,7 (!), pois seu alcance é geral: “Quero misericórdia e não sacrifícios” (cf. 5,7). Mt não é contra os sacrifícios (tampouco o profeta Oseias), ele entendeu esta frase no sentido de “Quero misericórdia mais do que sacrifícios”, ou seja, em primeiro lugar, o amor e a misericórdia (cf. 22,34-40). Para Mateus e seus leitores judeu-cristãos, esta citação das Escrituras mostra que Jesus cumpre a lei e os profetas mais que os fariseus (cf. 5,17-20).

O mesmo chamado do publicano e o diálogo seguinte com os fariseus, lemos também em Mc 2,13-17 e Lc 5,27-32. Mas em Mc e Lc, o nome do chamado é outro: “Levi” (Lc 5,27) ou “Levi, filho de Alfeu” (Mc 2,14). Como se explica esta diferença entre todas as coisas em comum dos três evangelhos? Esta pergunta leva à outra sobre a autoria deste “Evangelho segundo Mateus”.

Por muito tempo considerava-se o publicano e “apóstolo” Mateus (Mt 9,9; 10,3) como autor do primeiro evangelho na ordem da Bíblia, porque seu estilo judaico (cf. a genealogia em 1,1-18; o pleno cumprimento da lei e dos profetas em 5,17-19), fazia pensar que tinha escrito originalmente em hebraico/aramaico. Mas nunca se encontrou um pedaço do evangelho de Mt nestas línguas semitas. Hoje, alguns especialistas contestam a autoria do apóstolo Mateus, mas porquê? O apóstolo e o evangelista não são a mesma pessoa? Na verdade, nenhum dos quatro evangelistas assinou com seu nome. Os evangelhos são obras anônimas e atribuídas posteriormente a apóstolos (Mt e Jo) ou a discípulos deles (Mc e Lc). A atribuição deste evangelho ao Mateus tem sua razão exatamente neste seu nome que aparece em 9,9-10. Vejamos toda esta questão mais de perto no evangelho de hoje.

A vocação do apóstolo Mateus é quase igual à do publicano Levi em Marcos e Lucas (Mc 2,13-17; Lc 5,27-32). Por isso estes três evangelhos são chamados de “sinóticos” (olhando juntos): Todos os três relatam a vocação de um publicano sentado na coletoria de impostos. Igual aos primeiros quatro apóstolos pescadores, Jesus o chama: “Segue-me! ”, e este segue logo. Depois, na casa (de Levi-Mateus), Jesus e seus discípulos comem com os colegas dele. Os fariseus se escandalizam, porque um judeu não se mistura com esta categoria que arrecada impostos para Roma, explorando o próprio povo (um publicano não recebeu salário, mas vivia do que podia cobrar mais do que o estabelecido por Roma, cf. Lc 19,1-10). Jesus se justifica com uma comparação: “Aqueles que têm saúde, não precisam de médico, mas sim os doentes. Eu não vim para chamar os justos, mas os pecadores. ” Tudo isso é comum aos três relatos.

O que é peculiar de Mt, são apenas três coisas: o nome “Mateus” (v. 9; em vez de Levi), o título “mestre” para Jesus na boca dos fariseus (v. 11) e uma citação do Antigo Testamento: “Quero misericórdia e não sacrifícios” (cf. Os 6,6). Surge uma pergunta chave: Se Mt fosse o evangelho mais velho, os outros dois teriam trocado o nome do conhecido apóstolo por um desconhecido “Levi” (que nunca mais aparece nos evangelhos)? Por qual motivo, se o nome de um apóstolo tem muito mais peso do que desconhecido? S. Jerônimo supôs que Mc e Lc não queriam revelar o passado do apóstolo e por isso escolheram o nome da sua tribo (Levi), enquanto o próprio Mt assumiu seu passado. De qualquer modo, é mais provável o evangelista Mt ter introduzido o nome “Mateus” trocando o nome desconhecido já encontrado (Levi) num texto, do que o contrário.

Como os três relatos são muito parecidos, surge outra pergunta: quem copiou de quem? Uma análise mostra claramente que Mc foi o primeiro que escreveu, porque seu estilo é mais primitivo do que dos outros. Mt e Lc melhoraram, portanto são posteriores, porque não há motivo de piorar um texto mais tarde, ao contrário. Mas as melhorias de Mt e Lc acontecem independentemente um do outro. O que observamos neste texto, deixa-se verificar olhando para o contexto maior dos dois.

Há diferenças significativas entre Mt e Lc, por ex.: depois do nascimento de Jesus, a sagrada família logo volta a Nazaré (Lc), ou foge para Egito (Mt)? O ressuscitado aparece aos discípulos em Jerusalém (Lc) ou na Galileia (Mt)? Estas diferenças mostram claramente que Mt e Lc não se conheciam, não estavam em contato um do outro; cada um escreveu em outro lugar, independentemente do outro. Mas o que Mt e Lc têm em comum? Exatamente quase todo o conteúdo de Mc (as narrativas do trajeto de Jesus da Galileia até Jerusalém) e mais um conjunto de palavras de Jesus (uma coleção catequética, chamada de Q, da palavra alemã para fonte, Quelle) que contém por ex. o sermão da montanha/planície e parábolas.

Com base nestas observações, a maioria dos exegetas acatou a “teoria das duas fontes” (Mc e Q): Mc foi o primeiro evangelho que serviu como base (primeira fonte) para Mt e Lc. Estes dois não se conheciam, mas usaram além de Mc uma segunda fonte (Q) que se perdeu na história, mas foi preservada dentro destes dois evangelhos. Aliás, existe um evangelho “apócrifo” (quer dizer, fora da Bíblia, porque não foi reconhecido como inspirado), chamado “Palavras de Jesus segundo Tomé”; é uma coleção de palavras e prova que este gênero existia. Além destas duas fontes (Mc e Q), Mt e Lc acrescentaram, cada um, seu material peculiar.

Concluímos que Mt não escreveu o primeiro evangelho; ele copiou a vocação do publicano (Levi) de Mc e só trocou o nome desconhecido, Levi, por um nome conhecido, Mateus. Na lista dos apóstolos, ele acrescenta “o publicano” (Mt 10,3); os outros evangelistas não sabem (ou não fazem saber) que Mateus era publicano (cf. Mc 3,18; Lc 6,15).

Resta a pergunta para identificar o autor do evangelho: Se o apóstolo Mateus estivesse o autor do evangelho que tem seu nome, porque ele copiaria a sua própria vocação de outro evangelista (de Mc), mudando apenas o nome (de Levi para Mateus) e acrescentando uma citação do AT? Não usaria mais detalhes ou palavras próprias já que se trata da própria vocação?

Parece-me mais verossímil identificar como autor um judeu-cristão anônimo da segunda geração (cerca de 80 d.C., cf. a referência em 22,7 à destruição de Jerusalém em 70.C.). Este autor anônimo copiou (e melhorou) o evangelho de Mc (e Q), acrescentando citações do AT com maestria. Talvez seja ele “o escriba (mestre de lei) que se tornou discípulo… que do seu tesouro tira coisas novas e velhas” em 13,52, que pode ser sua assinatura discreta. Ele sabia que o apóstolo Mateus era publicano e trocou o nome Levi por Mateus, porque este era mais conhecido. Talvez o autor fosse um discípulo de Mateus (ou de Pedro, cf. tantas referências a Pedro em Mt 14,28-31; 16,16-19; 17,24-27).

Resta outra pergunta: Esta análise desqualifica a tradição antiga que considerava Mt o primeiro evangelista, escrevendo em hebraico? Não temos indícios de algum escrito do Novo Testamento escrito em hebraico/aramaico (uma teoria recente queria identificar alguns versículos de Mc 6 num fragmento aramaico de Qumran, mas não convenceu). Tudo quanto temos do Novo Testamento já foi escrito em grego.

A antiga opinião de Mt ser o primeiro evangelho, escrito em hebraico antes de ser traduzido, baseia-se no testemunho de Papias, bispo de Hierápolis (primeira metade do séc. II): “Mateus-Levi escreveu na linguagem hebraica”, mas podemos entender também por “estilo hebraico”, porque não tem evidência de um evangelho em hebraico, ao contrário: para seus leitores cristãos que vieram do judaísmo, o Ev de “Mt” cita muito do Antigo Testamento (AT) – porém não a versão hebraica, mas geralmente a tradução grega (por ex. Mt 1,23 cita a tradução grega de Is 7,14: virgem, e não o texto hebraico jovem mulher). Portanto, o evangelista “Mt” escreveu seu original na língua grega, copiando Mc, mas seu conteúdo e estilo (e seus leitores) estão mais ligados ao Antigo Testamento, por isso sua posição na Bíblia – mais perto do AT – ainda é justificada.

O site da CNBB comenta: Todos nós vivemos afirmando que Jesus é misericordioso, que veio para trazer a salvação para todas as pessoas e coisas do gênero, mas na hora da convivência com as pessoas, parece que não é bem assim, pois somos proibitivos e sabemos sempre evidenciar os erros e os pecados que são cometidos para provocarmos discórdia, separação e exclusão. É muito comum ouvirmos nas comunidades: “Eu acho que Fulano não pode participar de tal coisa porque ele fez isso e aquilo”. Devemos crer que de fato não somos nós quem chamamos para o serviço do Reino, é Jesus quem chama e ele sabe muito melhor que nós quem está chamando e porque ele está chamando. A nós compete criar condições para que todos possam assumir a própria vocação.

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