5 de Junho de 2020, Sexta-feira: Jesus ensinava no Templo, dizendo: “Como é que os mestres da Lei dizem que o Messias é Filho de Davi? (v. 35)

9ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: 2Tm 3,10-17

Esta leitura é um dos raros exemplos em que a Bíblia fala a sobre si mesma, aqui sobre a inspiração e função das Escrituras (vv. 15s).

O autor de 2Tm (provavelmente um discípulo da terceira geração) descreveu o perigo dos falsos doutores na atualidade e os perigos dos últimos tempos nos quais aumenta a sedução dos espíritos maus que levam a negação da fé (1Tm 4,1). A Nova Bíblia Pastoral (p. 1461) comenta: Mas, em contraste, apresenta-se o exemplo de Timóteo, com uma lista positiva de atitudes de apoio a Paulo. Por fim, quem anuncia a Palavra deve contar com perseguições. Timóteo está firme na fé que desde a infância aprendeu da mãe e da avó (1,5). O aprendizado da Sagrada Escritura oferece segurança, por que ela é inspirada por Deus e prepara a pessoa para toda a boa obra, pois transmite a sabedoria (2Pd 1,21).

(Caríssimo:) Tu me tens seguido fielmente no ensino, no procedimento, nos projetos, na fé, na paciência, no amor, na perseverança, nas perseguições e nos sofrimentos que suportei em Antioquia, Icônio e Listra. E que perseguições sofri! Mas de todas elas o Senhor me livrou. Aliás, todos os que quiserem levar uma vida fervorosa em Cristo Jesus serão perseguidos (vv. 10-12).

O autor se refere as perseguições do apóstolo na primeira viagem missionária “em Antioquia, Icônio e Listra”, narrados nos At 13,50; 14,5.19.

A Bíblia do Peregrino (p. 2862) comenta: As perseguições fazem parte da missão apostólica, como anunciou Jesus: “o discípulo não está acima do mestre” (Mt 10,24 no contexto de 16-24); também na vocação de Paulo (At 9,16). Não só dos apóstolos, mas de todo cristãos autêntico.

Os homens maus e sedutores irão de mal a pior, enganando e sendo enganados (v. 13).

“Enganando (os outros) e sendo enganados”; eles mesmos enganados no sentido de que eles iludem a si mesmo, ou no sentido de que são enganados pelo demônio. Cf. a história do patriarca Jacó que enganou seu pai Isaac e foi enganado pelo seu tio (Gn 27-29).

Permanece firme naquilo que aprendeste e aceitaste como verdade; tu sabes de quem o aprendeste (3,14).

“Tu sabes de quem o aprendeste”; variação da Vulgata (tradução latim): “de que mestres”. Estes mestres de Timóteo são as gerações anteriores: sua avó Lóide, sua mãe Eunice (1,5) e sobretudo Paulo.

Desde a infância conheces as Sagradas Escrituras: elas têm o poder de te comunicar a sabedoria que conduz à salvação pela fé em Cristo Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar, para argumentar, para corrigir e para educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito e qualificado para toda boa obra (vv. 15-17).

Quando no Novo Testamento se fala das Escrituras, trata-se do Antigo Testamento (cf. Lc 24,27.45). Mas aqui, talvez, também se inclua certos textos que encontramos no Novo Testamento (cf. 1Tm 5,18; em 2Pd 3,15s menciona-se as cartas de Paulo e a dificuldade de entendê-las).

“As Sagradas Escrituras (ou: Letras)” A Bíblia de Jerusalém (p. 2234) comenta: Assim eram correntemente nomeados, entre os judeus de língua grega, os livros da Bíblia (cf. 1Mc 12,9). O NT cita frequentemente “as Escrituras”, ou “a Escritura”, ou este ou aquele “livro”. Rm 1,2: “as santas Escrituras”; 2Cor 3,14: “a antiga Aliança” (mas o sentido não se restringe aos Livros; cf. 1Ts 5,27; 2Pd 3,16).

“Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensinar”, ou, menos preferível: “Toda Escritura, inspirada por Deus, é útil” (Vulgata). A Bíblia de Jerusalém (p. 2234) comenta: Esta importante afirmação do caráter inspirado dos Livros santos, doutrina clássica no judaísmo (cf. 2Pd 1,21), parece incluir aqui certos escritos apostólicos (1Tm 5,18; cf. 2Pd 3,15-16). É na leitura assídua da Escritura que o homem de Deus nutre a sua fé e seu zelo apostólico (vv. 15-17).

A Bíblia do Peregrino (p. 2862) comenta: É um dos textos em que a escritura dá testemunho de si mesma; o outro é 2Pd 1,19-21. É “inspirada por Deus”: soprada pelo alento divino. São muitos os textos do AT que relacionam o oraculo profético com a moção do Espirito = vento de Deus. Uma versão bem material se acha no famoso episódio do falso profeta (1Rs 22,24): “por onde me escapou o espírito do Senhor para te falar?” As últimas palavras de Davi trazem esta introdução: “O espirito do Senhor fala por mim, sua palavra está em minha língua” (2Sm 23,2). A tradição cristã a retomou e estendeu aos escritos “canônicos” do NT. Da inspiração se segue o valor da Escritura para ensinar e agir. “Homem de Deus” é no AT título do profeta; aqui se explica ao cristão que tem missão especial.

Evangelho: Mc 12,35-37

No evangelho de hoje, Jesus interpreta o Salmo 110 no sentido de um significado maior do messias. A Nova Bíblia Pastoral (p. 1242) comenta: Jesus rejeita que o Messias deva agir como um novo Davi, tratando de restaurar realezas e recuperar poderes e privilégios. Com isso, questiona também esperanças populares, como a que se manifestou em 11,9-10. O caminho do Messias é outro, como o texto do Evangelho vem mostrando.

Jesus ensinava no Templo, dizendo: “Como é que os mestres da Lei dizem que o Messias é Filho de Davi? (v. 35)

Depois de vencer os debates contra seus adversários, Jesus continua seu ensinamento no Templo (cf. 11,18; 12,14; 12,38). Na entrada em Jerusalém, Jesus foi aclamado pelo povo como “Filho de Davi”, indiretamente em 11,9s, e antes diretamente pelo cego em Jericó em 10,47s.

Os textos do AT que fundamentam a expectativa messiânica de um “filho de Davi” são basicamente 2Sm 7,1-17 (Deus construirá uma casa/descendência duradoura para Davi); 1Rs 11,36; Sl 89,30-38; 132,11s.

Aqui Jesus questiona a filiação davídica do messias pelo advérbio interrogativo “como”. “Messias” (em grego: Cristo) é abreviação de “Ungido de Javé” (cf. 1Sm 24,7; 26,9; cf. 10,1; 16,13). Rita Maria Gomes (Vida Pastoral 2018, n.º 320, p. 31) comenta: O significado deste título vem da expectativa ou esperança da restauração de Israel que surge no profetismo pós-exílico e tem sua expressão na descendência de Davi. Portanto, tanto o atributo “cristo” quanto “filho de Davi” correspondem à expectativa messiânica real ou monárquica. Em Israel, a figura do rei se molda em um amálgama da realeza cananeia e da organização tribal da qual Israel nasce como povo. Em Israel, o rei chama a si mesmo de “filho de Yhwh”, ou seja, filho de Deus … Daí podemos inferir que Marcos compreende “filho de Deus” na mesma linha de “filho de Davi”.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1951) comenta:

Neste episódio, agora, quem interroga é Jesus. Seus interlocutores não são os mesmos nos três sinóticos. Em Mt, são fariseus e em Lc, escribas que acabam de aprovar a resposta dada aos saduceus sobre a ressurreição. Em Mc, Jesus dirige-se a um auditório indeterminado, a numerosa multidão que se compraz em escutá-lo (v. 37). Para Mc, com efeito, o confronto direto e público terminou com o recuo dos adversários (v. 34). Estes vv. são uma transição entre a controvérsia e o alerta contra os escribas.

Os três sinóticos apresentam Jesus a argumentar, segundo o modo de um rabino, sobre um ponto de exegese e a mostrar-lhes que a qualidade de Messias não se confunde com a filiação davídica, mas lhe é superior. Sabe-se que, segundo o NT, Jesus é simultaneamente filho de David e Senhor (cf. Rm 1,3).

A Bíblia do Peregrino (p. 2432) comenta: Desta vez, pergunta sobre a descendência davídica do Messias, apoiada na Escritura, aceita pelos expertos, identificada em Jesus pelo cego e pela multidão (10,47-48; 11,10). “Chegam dias … em que darei a Davi um rebento legítimo” (Jr 23,5; 33,15); “meu servo Davi será seu rei” (Ez 37,24). Acrescenta-se a leitura messiânica de textos como Is 11,1-10; Am 9,11; Sl 45 e outros.

“O próprio Davi, movido pelo Espírito Santo, falou: ‘Disse o Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha direita, até que eu ponha teus inimigos debaixo dos teus pés’. Portanto, o próprio Davi chama o Messias de Senhor. Como é que ele pode então ser seu filho?” (vv. 36-37a).

O próprio Jesus dá resposta à sua pergunta e cita o Sl 110,1, introduzindo um sentido superior e transcendente da expressão “Senhor”. Para isso conta com a opinião comum de que Davi seja o autor do salmo e que fale inspirado, com autoridade divina.

O texto grego do salmo diz ho Kyrios t­­­o kyrio mou (o Senhor ao meu senhor); o hebraico é mais claro: Yhwh la’adony’ (Javé ao meu senhor). As comunidades cristãs deram a Cristo o título de Kyrios (Senhor, cf. At 2,36; Fl 2,9-11; etc.), aplicado a Javé no AT.

Ao final, o messias é “filho de Davi” ou “senhor de Davi”? Segundo as regras do midrash se chega ao um conhecimento maior de eventos ou personagens através da comparação, quem é maior (pesado) e quem é menor (leve). Obviamente quem é chamado “Senhor” (Javé) é maior (mais pesado) que aquele que é chamado “meu senhor” (filho de Davi), e este é maior do que “filho”.

Rita Maria Gomes (Vida Pastoral 2018, n.º 320, pp. 31.34) comenta: Se a forma do texto é uma espécie de controvérsia e seu ambiente vital é a catequese, então sua intencionalidade se revela como uma correção da ideia, certamente corrente, da filiação davídica do messias. Isso significa que o autor marcano pretendia acentuar a superioridade do messias Jesus em relação à expectativa do messias real cristalizado na figura de Davi. O messias não descenderia necessariamente de Davi … É essa esperança messiânica que o texto marcano relativiza ao retomar o Sl 110,1, no qual Davi, falando no Espírito Santo, chama o messias de Senhor. A visão cristológica mostra claramente a superioridade do messias inaudito ao questionar sua filiação davídica . O título Kýrios o coloca num superioridade indiscutível em relação a Davi.

Na citação do Salmo grego, Mc mudou o substantivo “escabelo” (hypopódion) pela preposição “debaixo” (hypokáto). O “escabelo para os pés” é clara demonstração da submissão dos reinos inimigos ao rei mais poderoso. O evangelista, porém, não quer apresentar o messias num quadro de uma monarquia, mas mais amplo, uma vez que o inimigo é satanás e seu reino (1,13; 3,22-27).

Em Mc, a informação inicial em 1,1 que Jesus é o “Cristo (Messias), filho de Deus” recebe constante ressignificação durante o evangelho. A partir da profissão de Pedro em 8,29 (“Tu és o Cristo/Messias”), Jesus anuncia seu sofrimento, morte e ressurreição, mas os discípulos não entendem esta visão de um messias-servo de Deus (cf. Is 53) que vai contra a expectativa de um messias guerreiro do tipo (filho) de Davi. Por isso, em Mc que escreve durante a guerra nacionalista (66-73 d.C.), Jesus sempre pede segredo a respeito da sua identidade messiânica, até a sua morte e ressurreição (9,9). Jesus cita Sl 110,1 novamente, junto com Dn 7,13, durante o processo no sinédrio: “Vereis o Filho do Homem sentado à direita do Poderoso e vindo com as nuvens do céu” (14,62). Na hora da sua morte, o centurião proclama antecipadamente a fé da comunidade de Mc, formada de cristãos greco-romanos: “Verdadeiramente, este homem era filho de Deus” (15,39). Jesus é um messias (Cristo), filho de Deus muito superior a Davi, mas para compreender isso, precisamos acompanhar Jesus e seguir até a morte e ressurreição.

E uma grande multidão o escutava com prazer (v. 37b).

Dada a tendência do evangelista, tem muita força a aprovação da “grande multidão”, em contraste com a atitude das autoridades hostis em Jerusalém.

O site da CNBB comenta: A multidão que escutava Jesus nos deixa um grande exemplo: escutava Jesus com prazer. Nós somos convidados a conhecer cada vez mais e melhor quem é Jesus, contemplá-lo a cada dia e a penetrarmos no seu mistério. Isto para nós, antes de ser uma tarefa a ser desempenhada, deve ser causa de grande alegria por termos a oportunidade de participar da vida de Jesus, da sua intimidade, de poder entrar, conduzidos pela graça, no seu mistério e viver em profunda comunhão com ele. Conhecer Jesus deve ser uma fonte inesgotável de prazer para todos nós, um prazer muito maior do que teve a multidão ao escutá-lo.

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