5 de Junho de 2021, Sábado: Todos deram do que tinham de sobra, enquanto ela, na sua pobreza, ofereceu tudo aquilo que possuía para viver” (vv. 41-44).

9ª Semana Sábado – Ano Ímpar

Leitura: Tb 12,1.5-15.20

Encerramos hoje a novela de Tobias com trechos do cap. 12 (os caps. 13-14 foram anexados entre 70-115 d.C.). Provavelmente, o livro foi escrito em aramaico, talvez em Antioquia durante o tempo dos selêucidas (dominação grega) entre de 200-165 a.C. (mas chegou até nós através das traduções em grego, latim e siríaco); a semelhança com a teologia de Eclo indica esta data.

A Nova Bíblia do Peregrino (p. 535s) comenta nossa leitura: Fechamento do contrato com Azarias (cf. 5,15-16) e revelação da identidade de Rafael com exortações sapienciais e uma descrição de suas funções e personalidade. A exortação recomenda o louvor, a prática do bem, a oração, o jejum e a esmola (cf. Tb 4,13-19; Dn 9,3; Jt 4,11-13; Est 4,15-16; 1Mc 3,46-47; 2Mc 13,12; Mt 6). São ações que apresentam o judeu fiel do período helenístico na diáspora e visam manter o povo eleito e fortalecer a piedade em Jerusalém.

Tobit chamou Tobias, seu filho, e disse-lhe: “Filho, paguemos o salário ao homem que viajou contigo, acrescentando uma gratificação. Tobias chamou, pois, o anjo e disse-lhe: “Recebe como salário a metade de tudo o que trouxeste ao voltar, e vai em paz” (vv. 1.5).

Os vv. 2-4 (omitidos aqui) justificam este pagamento generoso. Tobias disse a seu pai: “Ele me conduziu são e salvo, libertou minha mulher, resgatou o dinheiro e ainda curou o senhor. Como é que vou lhe pagar?”

O anjo Rafael o acompanhava Tobias na sua viagem e indicou um remédio tirada das entranhas de um peixe que Tobias agarrou na beira do rio (6,2-9). Este remédio serviu para afastar o demônio de Sara que impedia a consumação do casamento. O mesmo remédio serviu para curar a cegueira do pai Tobit.

O anjo ainda não é reconhecido como tal (cf. Lc 24,15s), se apresentou com o nome “Azarias” (5,13; 6,7; 7,1…) e se desfez como jovem desempregado (5,5: “Vim procurar trabalho”). Enquanto em grego a palavra “anjo” quer dizer mensageiro (ev-angelho = boa mensagem), em hebraico soa como trabalhador; em Tb, seu trabalho era companheiro de viagem (cf. Gn 24,7.40; Ex 23,20-23; 32,34; 33,2), anjo de guarda (5,17.22) e de cura (o nome Rafael significa: Deus cura, cf. 3,17). Ele indicou o remédio para curar o pai Tobit e afastar o demônio de Sara através das entranhas de um peixe que Tobias agarrou na beira do rio (6,2-9). Foi contratado para acompanhar Tobias que ia recuperar um dinheiro (cerca de 300 kg de prata) que seu pai tinha depositado na terra distante da Média (cf. 1,14; 4,1.20; 5,15).

Então Rafael chamou os dois à parte e disse-lhes: “Bendizei a Deus e dai-lhe graças, diante de todos os viventes, pelos benefícios que vos concedeu. Bendizei e cantai o seu nome. Manifestai a todos os homens as obras de Deus, como é justo, e não hesiteis em expressar-lhe o vosso reconhecimento (v. 6).

A Bíblia do Peregrino (p. 883) comenta os vv. 6-22 sobre o reconhecimento do anjo: É recurso de textos literários, nos quais os deuses se dão a conhecer depois de terem posto à prova os mortais (recorda-se Jz 13). Costuma ser um momento impressionante, de alívio e decisão. Não acontece aqui, porque tudo ficou explicado de antemão.

Dá a impressão de que o texto é estratificado com acréscimos ou ampliações de dois tipos. O autor ou alguém depois aproveitou o momento para instruir. O relato conciso poderia evoluir assim:

12,6a Convite a bendizer e dar graças a Deus;

12,15 Rafael se identifica como anjo;

12,16 os homens se assustam ante a presença sobre-humana;

12,17 o anjo os tranquiliza

12,20 e desaparece.

12,22 A pessoas louvam a Deus.

Faça-se a leitura seguida e se obterá uma exposição linear sem tropeços.

Nesse fio narrativo foram inseridas duas peças: uma ética, de conselhos, outra teológica, de explicação sobre os anjos. A primeira é definida pelos versículos 7a e 11a. a segunda situa-se antes e depois da identificação, 12-14 e 19-20.

Os conselhos se concentram na esmola. São a sanção angélica dos conselhos paternos. O estilo é sapiencial. O anjo é membro da corte celeste, disposto a cumprir as ordens de Deus. É mediador que apresenta a Deus as orações e boas obras dos homens.

Se é bom guardar o segredo do rei, é justo revelar e publicar as obras de Deus (v. 7a).

“Segredo”, lit. mistério (cf. Eclo 22,22; 27,16; compare-se com Pr 25,2-3). Esta frase serve para inserir os conselhos éticos (vv. 7b-11a).

Fazei o bem, e o mal não vos atingirá. É valiosa a oração com o jejum, e a esmola com a justiça. Melhor é pouco com justiça, do que muito com iniquidade. Melhor é dar esmolas, do que acumular tesouros. A esmola livra da morte e purifica de todo pecado. Os que dão esmola serão saciados de vida. Aqueles, porém, que cometem o pecado e a injustiça, são inimigos de si mesmos (vv. 7b-10).

“Fazer o bem” é a regra básica da ética e moral; aqui com a promessa da teologia da retribuição: “e o mal não vos atingirá” (cf. v. 10)

“O jejum”, B, Vet. Lat. “a verdade”, S. Sobre a “esmola”: Eclo 29,8-13 40,17; “com a justiça” cf. Pr 10,2). Texto curto do v. 8: “É boa a oração com o jejum, a esmola e a justiça; vale mais o pouco com justiça do que o muito com injustiça”

Mt 6 trata dos três exercícios espirituais dos judeus (orar, esmola, jejum) e da preocupação com o dinheiro.

E agora vos manifestarei toda a verdade, sem vos ocultar coisa alguma. Já vos declarei e disse: ‘É bom guardar o segredo do rei, mas as obras de Deus devem ser reveladas, com a glória devida’ (v. 11).

  1. 11 serve de transição para a revelação da identidade do anjo. V. 11b repete o v. 7a.

Pois bem, quando tu e Sara fazíeis oração, eu apresentava o memorial da vossa prece diante da glória do Senhor. E fazia o mesmo quando tu, Tobit, enterravas os mortos. Quando não hesitaste em levantar-te da mesa, deixando a refeição e saindo para sepultar um morto, fui enviado a ti para te pôr à prova. Mas Deus enviou-me, também, para te curar a ti e a Sara, tua nora (vv. 12-14).

Antes do anjo revelar seu nome, explica sua função: apresentar as orações dos mortais, acompanhar, provar e curar os fiéis.

A Bíblia do Peregrino (p. 883) comenta: Na grande oração de Salomão ao inaugurar o templo (1Rs 8) se diz que o Senhor escuta diretamente às súplicas dos fiéis; os salmos pensam e falam do mesmo modo. Um mediador que apresente a Deus as orações poderia remontar vagamente à visão de Jacó (Gn 28).

“Eu apresentava o memorial da vossa prece diante da glória do Senhor”. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1598) comenta: A palavra “memorial” designa na Bíblia, qualquer ato humano (palavra invocatória, prece, sacrifício, festa, boa obra etc.), suscetível de incitar Deus “lembrar-se” favoravelmente do seu autor (cf. Ex 3,15…; At 10,4…). Observa-se o papel de intercessor do anjo (cf. Jó 33,23-24; Ap 8,23-24; Ap 8,3-4; Tb 12,15 texto curto.

A Bíblia de Jerusalém (p. 742) comenta: O anjo (cf. 5,4) torna-se aqui intercessor. Rafael apresenta diante de Deus o “memorial” das preces e das boas obras de Tobit. O termo evoca um relatório oficial; pode também evocar o “memorial” dos sacríficos (Lv 2,2), isto é, a parte das oferendas que era queimada sobre o altar “em odor de suavidade”. O anjo do centurião Cornélio (At 10,4) lhe dirá que suas preces e suas esmolas subiram como “memorial” até Deus.

A Vetus Latina tem no lugar de memorial “e as lia”. O texto curto acrescenta no final do v. 12: então, eu estava junto de ti”

Rafael foi enviado “para pôr à prova” (como, de modo diferente, Satã junto a Jó (Jó 1-2); esta provação era a da cegueira. Em vez de “neste momento … à prova”, o texto curto tem: “a tua boa obra não me fugiu, mas eu estava contigo” (v. 13).

Os anjos fazem inspeção da obras (vv. 12-13; cf. Gn 18-19).

Eu sou Rafael, um dos sete anjos que permanecem diante da glória do Senhor e têm acesso à sua presença (v. 15).

O Texto curto tem: “Eu sou Rafael, um dos sete santos anjos que apresentam as orações dos santos e têm acesso da glória do Santo”.

Encontram se ecos desta crença em sete arcanjos em Zc 4,10 e nos sete anjos do Apocalipse (Ap 1,4; 3,1; 4,5; 5,6; 8,2). Os livros canônicos só nomeiam Gabriel (Dn 8,16; 9,21; Lc 1,19). Miguel (Dn 10,13.21; 12,1; Jd 9) e Rafael (aqui e 3,17), mas os apócrifos completaram a lista e modo fantasista. O Conselho celeste de Deus está constituído à imagem da corte de um monarca antigo; cf. Est 1,14 hebr.; Est 7,14,

A Bíblia do Peregrino (p. 883) comenta: O céu é como a corte de um soberano com seus cortesãos. Destaca-se um conselho de sete ministros que têm acesso ao soberano e estão à sua disposição para tarefas especiais. Outrora esses ministros eram benê’ elim ou benê’ elohim (Sl 29,82). Mais tarde tomam formas diversas: 1Rs 22,19; Jó 1,6; 2,1; 4,18; 15,15; Zc 3,1-3.

Agora, bendizei o Senhor sobre a terra e dai graças a Deus. Eis que subo para junto de quem me enviou. Escrevei tudo o que vos aconteceu”. E o anjo desapareceu (v. 20).

Nossa liturgia omite o susto comum dos homens diante do anjo e as palavras de tranquilização, apresenta apenas a palavra final do anjo que convida novamente a bendizer Deus (não o anjo que é apenas um enviado dele (cf. v. 18) e para onde volta subindo, cf. Jo 20,17) e a ordem de escrever tudo (um traço do gênero apocalíptico que aparece na época do autor (cf. Ap 1,11; 22,6-10.18s)

 

 

Evangelho: Mc 12,38-44

Ouvimos hoje Jesus em Jerusalém terminando seu ensinamento público. Depois de ser desafiado pelos sacerdotes saduceus e fariseus mestres da lei (11,27-12,34), ele adverte sobre esta categoria e apresenta depois um exemplo de humildade e fé.

Jesus dizia, no seu ensinamento a uma grande multidão: “Tomai cuidado com os doutores da Lei! Eles gostam de andar com roupas vistosas, de ser cumprimentados nas praças públicas; gostam das primeiras cadeiras nas sinagogas e dos melhores lugares nos banquetes. Eles devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações. Por isso eles receberão a pior condenação” (vv. 35-40).

Concluindo as discussões com os líderes em Jerusalém, o evangelista reúne algumas críticas contra autoridades corruptas, como já o fizeram os profetas reiteradamente (cf. Jr 21-23; Mq 2-3 etc.). Os “doutores da Lei” arrogavam-se uma autoridade superior e exerciam uma influência dominante entre o povo. Daí a gravidade da denúncia.

Falando contra os doutores da Lei de Moisés (cf. Mt 23), Jesus alerta contra a hipocrisia de quem utiliza o própria saber religioso para encobrir o oportunismo e a exploração dos pobres. A tradição judaica estava cheia de exortação sobre o cuidado para com as viúvas, mas os setores dominantes oprimem. Qualquer semelhança com setores da sociedade de hoje é mera coincidência?

A Bíblia do Peregrino (p. 2433) comenta: O primeiro capítulo de acusação é a vaidade, parente da soberba, fustigada pelos Sapienciais e pelos profetas (Pr 8,13; Is 2,12). O segundo é a exploração de classes indefesas (as viúvas, segundo ampla tradição, Is 1,17.23) sob pretexto de orações que resultam viciadas; abusam ao mesmo tempo das viúvas e do culto. De modo bem diferente, os profetas Elias e Eliseu socorriam as viúvas e os órfãos (1Rs 17; 2Rs 4 e 8). Pelo tema da oração, essa série se une ao capítulo anterior (11,17.26).

“Devoram as casas das viúvas, fingindo fazer longas orações” (v. 40); outro sentido possível: “e, como dissimulação, oram longamente”.

A atuação pública em Jesus em Jerusalém começou no templo (purificação), para onde a narração se dirige ao final deste capítulo (cf. o Ev de Lc que inicia e termina sua narração inteira no templo).

Jesus estava sentado no Templo, diante do cofre das esmolas, e observava como a multidão depositava suas moedas no cofre. Muitos ricos depositavam grandes quantias. Então chegou uma pobre viúva que deu duas pequenas moedas, que não valiam quase nada. Jesus chamou os discípulos e disse: “Em verdade vos digo, esta pobre viúva deu mais do que todos os outros que ofereceram esmolas. Todos deram do que tinham de sobra, enquanto ela, na sua pobreza, ofereceu tudo aquilo que possuía para viver” (vv. 41-44).

O lugar do “Tesouro” (cofre) estava no recinto do templo, tinha um gazofilácio (ou cofre) exterior para receber as ofertas da multidão que depositava suas “moedas” (lit. “cobre”; cf. Mc 6,8).

Jesus critica a pratica do sistema religioso da época, que privou os pobres dos bens necessários para sobrevivência. A relação com a palavra anterior, dirigida aos doutores da lei, indica que esta viúva é uma daquelas que têm sua casa “devorada” pelos líderes religiosos (cf. v. 40)!

A Bíblia do Peregrina (p. 2433) comenta: Atraída pela palavra “viúva”, entra aqui esta narração: episódio sucedido ou parábola em ação. Colocada neste contexto próximo, irradia reflexos de contrastes. Seu desprendimento total ante a cobiça dos outros; o último lugar ante a busca dos primeiros; seu conceito puro do culto, vivido como sacrifício da pessoa. Podemos recordar a viúva fenícia que partilhou com Elias a última comida sua e do filho (1Rs 17). Sobre o cofre do templo, ver 2Rs 12,5; no tempo de Jesus se haviam diversificado os cofres, segundo o destino do dinheiro.

Com essas palavras, termina o ministério público de Jesus no evangelho de Marços. Quis conservar para todas as gerações (onde se pregar o evangelho) a figura dessa viúva pobre e anônima: uma lição e uma denúncia. Não precisava conhecer os 613 preceitos para cumpri-los; sabia dar a Deus o que é de Deus, ou seja, em forma de duas moedinhas, toda a sua vida.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1951) especifica as duas moedas “que não valiam quase nada”, lit. isto é um “quadrante” (outros traduzem: “alguns centavos”): Essas moedazinhas eram os mínimos valores monetários (lepton) em circulação. A especificação um “quadrante” destina-se aos leitores greco-romanos. A equivalência dada não é exata, mas exprime bem que se trata de muito pouca coisa

O site da CNBB comenta: Entre as inúmeras motivações que encontramos nos dias de hoje para o seguimento de Jesus, uma delas é a busca de privilégios. Isso não é uma coisa nova. Basta, para nós, a memória dos filhos de Zebedeu, que queriam sentar-se à direita e à esquerda de Jesus na sua glória. De fato, a religião pode tornar-se fonte de privilégios para muitas pessoas, principalmente numa sociedade religiosa e hierarquizada como a nossa. Não é essa a vontade de Jesus para os seus seguidores, pois Jesus não quis privilégios nem mesmo para si próprio. Ele quer de nós a disponibilidade e a entrega de vida, a exemplo da viúva que, com a única moeda que não seria valorizada por ninguém, deu o maior exemplo de total entrega.

Voltar