5 de Novembro de 2020, Quinta-feira: Então Jesus contou-lhes esta parábola: Se um de vós tem cem ovelhas e perde uma, não deixa as noventa e nove no deserto, e vai atrás daquela que se perdeu, até encontrá-la? (vv. 3-4).

31ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Fl 3,3-8a

No cap. 2 desta carta, que Paulo escreveu na prisão (1,7.13.17), ele apresentou o esvaziamento do Filho de Deus que se fez homem, servo obediente até a morte, e por isso foi exaltado (cf. o hino em 2,5-11), e o esvaziamento da comunidade (2,12-18). Na leitura de hoje, Paulo comenta agora o seu próprio esvaziamento, alertando a comunidade contra os judaizantes que se gloriavam da sua pertença ao povo eleito e, provavelmente, exigiam a circuncisão (sinal desta pertença) também dos cristãos que não vieram do povo judeu, como os gregos em Filipos. No concílio apostólico em Jerusalém, ficou decidido que bastava a fé e o batismo para os pagãos se tornarem cristãos (At 15).

Diante desses pregadores judaizantes que confiam na própria carne e lhe tentam desfazer a pregação, Paulo não poupa palavras; são fortes as expressões contra estes judaizantes que propõem confiança na carne: “cães, maus operários e mutilados” (v. 2). Então Paulo apresenta suas credenciais como judeu autêntico. Concentra aqui as maiores informações sobre seu passado, que por sinal ele jamais nega (vv. 5-6). Mas por causa de Cristo, não as considera mais importante como apóstolo dos pagãos (não-judeus, gentios; cf. Gl 2,7-9).

Os verdadeiros circuncidados somos nós, que prestamos culto pelo Espírito de Deus, colocamos a nossa glória em Cristo Jesus e não pomos confiança na carne (v. 3).

Os judaizantes insistiam na circuncisão da carne (prepúcio, cf. Gn 17: sinal da aliança com Abraão) e suas consequências como caminho necessário de salvação (cf. At 15,1). Colocaram sua glória “na carne” de um rito corporal que atestava a escolha e a aliança, e exerciam sua religiosidade no serviço de um culto material. Paulo retorce a pretensão, opondo-lhe uma circuncisão espiritual (cf. Jr 4,4; Rm 2,29), um serviço ou culto em Espírito (cf. Jo 4,23-24; Rm 12,1), um gloriar-se só em Cristo (2Cor 11,18).

“Os verdadeiros circuncidados somos nós” designa a pertença ao povo de Deus, não pelo rito corporal, mas pela fé em Jesus Cristo (e pelo batismo que substituirá a circuncisão, cf. At 15-16). “Prestamos culto pelo Espírito de Deus”, cf. a tradução latina da Vulgata: “nós que rendemos em espírito (ou pelo Espírito) um culto a Deus” (cf. 2,17).

A “carne” designa aqui (e em v. 4) a fraqueza humana feita presunção (cf. Rm 1,3; 7,5 etc.), ligada às observâncias judaicas, todo o regime da velha Lei com suas observâncias “carnais”, de que a circuncisão é um caso típico, na qual Paulo punha o seu orgulho antes de conhecer Cristo (cf. Gl 6,13-14; 1Cor 1,31).

Aliás, também eu poderia pôr minha confiança na carne. Pois, se algum outro pensa que pode confiar na carne, eu mais ainda. Fui circuncidado no oitavo dia, sou da raça de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu filho de hebreus. Em relação à Lei, fariseu, pelo zelo, perseguidor da Igreja de Deus; quanto à justiça que vem da Lei, sempre irrepreensível. 

A Bíblia do Peregrino (p. 2821) comenta: Quando a méritos da raça, educação e conduta, pode competir com qualquer deles. Elenca sete títulos, que lhe servem de contraste para uma valorização comparativa. O primeiro é a circuncisão (2Cor 11,20-22), o último a justiça legal: é irônico reivindicar como mérito ter perseguido a igreja (At 8,3).

Paulo jamais renegou o seu passado judaico, que suas polemicas o levaram mais de uma vez a lembrar (Gl 1,13-14; Rm 11,1; 2Cor 11,22; cf. At 22,3-5; 26,4-7), mas em parte alguma ele enumerou tantos títulos e pormenores como aqui:

“Fui circuncidado no oitavo dia”, segundo os termos da Lei (Lv 12,3; Gn 17,12; cf. Lc 1,59; 2,21),

“Sou da raça de Israel, da tribo de Benjamim”; esta tribo era venerada entre todas porque permaneceu sempre fiel a Judá (reino do sul) e à dinastia de Davi, e à Jerusalém com o Templo, enquanto as tribos do norte formaram um reino com santuários próprios (reino do norte com a capital Samaria). Desta tribo era Saul, primeiro rei de Israel, de cujo nome Paulo é portador (At 7,58; 13,9; Saulo é Saul em hebraico).

“Filho de hebreus”: Paulo nasceu fora de Israel na cidade de Tarso (atual Turquia) de família palestinense, mas foi educado em Jerusalém e falava o aramaico (dialeto hebraico; cf. At 21,39-40; 22,2-3; 26,4). De origem palestina (At 23,6) e falando a língua dos antigos (At 21,40), se distinguia dos “helenistas” comuns que falavam apenas grego (cf. At 6,1).

“Em relação à Lei, fariseu”: Paulo não era saduceu, ou seja, do partido das famílias sacerdotais (cf. Mc 12,18-27p; At 23,6-8) mas pertencia a tradição dos fariseus que observava estritamente a Lei e à qual Jesus se tinha em várias ocasiões vivamente oposto (At 22,3; 23,6; 26,5). Em Jerusalém, Paulo era discípulo de Gamaliel, mestre famoso de lei (cf. At 5,34; 22,3)

“Pelo zelo, perseguidor da Igreja de Deus”; nisto, Saulo-Paulo se distinguia de Gamaliel que era pacífico em relação aos cristãos (At 5,34-38). Este “zelo” (Gl 1,13.23; 1Cor 15,9; At 8,3; 9,1-2.13-14) que era fanatismo, posteriormente pôs-se a serviço da Igreja (2Cor 11,2). A violência era característica outro grupo da época, os zelotas que cometeram assassinatos e roubos por fanatismo nacionalista (cf. Barrabás e talvez os ladrões na cruz, cf. Lc 23,18s; Mc 15,27p).

“Quanto à justiça que vem da Lei, sempre irrepreensível” (cf. Gl 1,14); a linha do pensamento nos vv. seguintes é análoga a Mt 5,17-38 (antíteses e a nova interpretação da lei no sermão da montanha).

Mas essas coisas, que eram vantagens para mim, considerei-as como perda, por causa de Cristo. Na verdade, considero tudo como perda diante da vantagem suprema que consiste em conhecer a Cristo Jesus, meu Senhor. Por causa dele eu perdi tudo. Considero tudo como lixo, para ganhar Cristo e ser encontrado unido a ele (vv. 7-8).

O encontro com Cristo (sua vocação ou conversão em Damasco) inverteu os valores de Saulo-Paulo (At 9,4-5p; Gl 1,15). Os méritos mencionados e outra vantagens que poderiam mencionar são “perda” comparados com o “lucro” (ganho) de Cristo (cf. Mt 13,44-46; 16,26). Lembramo-nos as reflexões de textos sapienciais sobre o valor comparativo da sabedoria (Pr 8; Jó 28; Sb 7).

Com a conversão de Saulo-Paulo em Damasco, todos os privilégios de nascimento e educação, todos os esforços religiosos e morais desmoronaram. Doravante Paulo os considera não só desprezíveis, mas nocivos (“lixo”, merda), favorecendo orgulho espiritual que termina pela rejeição da graça de Cristo. “A confiança na carne” (vv. 3-4) não é somente atenuada pela fé, mas deve ser eliminada.

“A vantagem suprema que consiste em conhecer a Cristo”; o termo “conhecer” tem um sentido bíblico muito forte: não descoberta intelectual, mas vinculo vital íntimo (cf. Gn 4,1; Lc 1,34), que será explicado nos vv. 10-11.

Evangelho: Lc 15,1-10

No caminho de Jesus a Jerusalém, Lc insere uma série de parábolas, mas ampla que a do cap. 8. São três sobre a misericórdia (cap. 15) e mais duas sobres o uso de bens (cap. 16). No cap. 15, apresenta a misericórdia de Jesus numa sólida unidade literária por uma introdução e por três parábolas num paralelismo e progressão (de 99 ovelhas, uma perdida; de 10 moedas, uma perdida; de dois filhos, um pródigo). Tema comum é a alegria de achar o que estava perdido (cf. as conclusões em vv. 6.9.24.32).

A Bíblia do Peregrino (p. 2507) comenta: As três falam do perdão de Deus para o pecador; por isso podemos encabeça-las com o texto clássico: “Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva” (Ez 18,23.32). Predominam nos três os sentimentos, e entre eles, a alegria; e a vantagem de falar com relatos, e não com teorias. Como a ovelha e a dracma, assim i homem, apesar de pecador, é propriedade de Deus: “Perdoas a todos porque são teus, Senhor, amiga da vida” (Sb 11,26).

Os publicanos e pecadores aproximaram-se de Jesus para o escutar. Os fariseus, porém, e os mestres da Lei criticavam Jesus. “Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles” (vv. 1-2).

As três parábolas são provocadas por uma crítica dos fariseus: Jesus se mistura com gente não recomendável e até come junto com ela. Como em 5, 30 e 7,34, os coletores de impostos (“publicanos”) são mencionados com os “pecadores” (públicos) condenados pelos “fariseus” (cf. 5,29s; 18,9-14). Em face dos “justos” (5,32p) que se indignam como Jesus “acolhe os pecadores”, este acolhimento exprime a alegria que Deus sente ao reencontrar seus filhos perdidos, e convida os fariseus a participarem desta alegria (especialmente na parábola do filho pródigo na cena final de vv. 25-32).

Então Jesus contou-lhes esta parábola: Se um de vós tem cem ovelhas e perde uma, não deixa as noventa e nove no deserto, e vai atrás daquela que se perdeu, até encontrá-la? (vv. 3-4).

As duas primeiras parábolas são rigorosamente paralelas e têm inícios interrogativos, frequentes nas parábolas de Lc (cf. 11,5; 14,28.31; 15,4.8; 17,7; cf. 11,11; 12,25s; 14,5). Este método corresponde à pedagogia de Jesus (cf. 10,26; 20,3; 24,17.19).

A primeira parábola toma uma imagem clássica do pastor e seu rebanho (cf. 12,32). Deus como bom pastor é motivo frequente (cf. Ez 34,11s; 20,34; Sl 23; 79,13; 95,7; 199,3; Is 40,11; cf. Mt 9,36; 15,24; 26,31; Jo 10). O rei-pastor vai à luta para resgatar uma ovelha (1Sm 17,34-36; cf. Mq 4,6s; Jr 23,1-4; Ez 34,11-16). As noventa e nove ficam em lugar seguro, o “deserto” é pastagem usual na Palestina, corresponde às montanhas de Mt 18,12.

Quando a encontra, coloca-a nos ombros com alegria, e, chegando a casa, reúne os amigos e vizinhos, e diz: “Alegrai-vos comigo! Encontrei a minha ovelha que estava perdida!” (vv. 5-6).

Esta parábola tem seu paralelo em Mt 18,12-14 (Mt e Lc a tomaram da fonte Q), mas enquanto Mt a aplica à responsabilidade dos chefes da Igreja em relação aos pequenos das suas comunidades, Lc mostra Deus procurando o pecador e descreve uma alegria maior. Leva a ovelha nos ombros (como em Is 40,11). Ela representa apenas 1% da sua propriedade, mas alegra-se com uma alegria incontida e comunicativa, como se tivesse uma relação pessoal e não simplesmente econômica (cf. a parábola de Natã em 1Sm 12,1-4). O convite a participar da sua alegria (cf. Mt 25,21.23) se encontra também nos vv. 9.23s.32 e é para Lc um traço capital. Ele prepara a reposta final de Jesus às murmurações dos fariseus (vv. 7.10; cf. v. 32).

Eu vos digo: Assim haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão (v. 7).

A alegria sobe ao “céu” (provavelmente significa o próprio Deus, cf. v. 10; Mt 16,19; 18,18). A frase é audaz: no céu se festeja o acontecimento da conversão de um só pecador. Os rabinos contemporâneos falavam da alegria de Deus sobre a ressurreição dos justos e o declínio dos pecadores.

A frase lembra a justificativa de Jesus em 5,31s: “Os sãos não tem necessidade de médico e sim os doentes. Não vim chamar os justos, mas sim os pecadores, ao arrependimento.” O contexto que Lc atribui a esta parábola e as suas críticas contra a “justiça” dos fariseus (5,32; 16,15; 18,9; cf. 20,20) sugerem que Lc pensa em falsos justos que deveriam reconhecer a necessidade de se converter.

E se uma mulher tem dez moedas de prata e perde uma, não acende uma lâmpada, varre a casa e a procura cuidadosamente, até encontrá-la? (v. 8).

Novamente, Lc inicia a parábola com uma pergunta. Desta vez, o caso parece mais modesto à primeira vista. Mas a mulher é bem mais pobre, só tem dez moedas de prata (lit. dez “dracmas”; esta moeda grega corresponde ao denário romano que equivale uma diária de um lavrador; cf. 7,41; Mt 20,2) e perde um décimo de seus bens (a ovelha de vv. 4-6 era só 1%). Sua casa não tem janelas, precisa acender uma lâmpada para procurar a moeda.

Quando a encontra, reúne as amigas e vizinhas, e diz: “Alegrai-vos comigo! Encontrei a moeda que tinha perdido!” Por isso, eu vos digo, haverá alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se converte (vv. 9-10).

Não se fala mais da alegria comparativa (com os “justos”, como em v. 7). A Bíblia do Peregrino (p.2508) comenta: Contudo, a alegria acusa um sofrimento precedente: a perda dói. A pessoa do pecador convertido é algo valioso que os anjos de Deus recuperam.

Como em v. 7 trata-se da alegria de Deus que ele compartilha com seus anjos. Deus é só designado implicitamente, segundo o uso palestinense (cf. 9,26; 12,8). Um pecador morto não traz alegria para Deus (cf. Ez 18,12.32), mas sua conversão (cf. Lc 15,22-24).

Os escribas e fariseus não fizeram nada para atrair os pecadores. Ao contrário, eles os abandonavam e excluíam. É nós da Igreja? O amor de Deus é abundante, não é proporcional aos méritos de alguém, mas às suas misérias. Deus não quer a morte do pecador, mas que ele viva de maneira abundante (cf. Ez 18,23 etc.). O pastor e a mulher se colocaram à procura e quando encontraram a ovelha e a moeda, fizeram grandes festas, inclusive, com a participação dos vizinhos. O Papa Francisco nos convida para ir à procura dos outros nas periferias etc., para sermos “pastores com cheiro de ovelhas”.

O site da CNBB comenta: Todos nós somos pecadores, mas Deus nos ama tanto que age sempre com misericórdia para conosco, perdoando o que nos pesa na consciência e sempre dando-nos condições para que nos convertamos e possamos viver na sua amizade, afinal de contas, o verdadeiro Pai não quer vier os seus filhos e filhas dispersos pelo mundo e entregues ao poder do pecado e da morte. Tudo isso faz com que uma das maiores alegrias de Deus seja a conversão dos pecadores. Como Deus, também nós devemos agir com misericórdia para com os que erram e dar-lhes condições para que possam converter-se e, assim, vivam a plena alegria de quem se sente eternamente amado por Deus.

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