5 de Outubro de 2019, Sábado: “Eu vos dei o poder de pisar em cima de cobras e escorpiões e sobre toda a força do inimigo. E nada vos poderá fazer mal. Contudo, não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem. Antes, ficai alegres porque vossos nomes estão escritos no céu” (vv. 19-20).

26ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Br 4,5-12.27-29

Como se apresenta hoje em nossas Bíblias, o livro de Baruc é composto de textos com gêneros literários diferentes. Depois de uma introdução histórica (1,1-14), a primeira parte, em prosa, contém uma confissão de pecados e uma súplica (1,15-3,8). A segunda parte, em poesia, contém uma exortação no estilo dos livros sapienciais (3,9-4,4) e um oráculo sobre a restauração de Jerusalém e do povo (4,5-5,9). Por fim, uma carta contra idolatria, atribuída ao profeta Jeremias (Br 6). O certo é que esses textos não são de Baruc, o secretário de Jeremias (cf. Jr 32; 36; 43; 45), mas foram escritos provavelmente no século II a.C.

É um livro deuterocanônico, ou seja, faz parte dos sete livros do AT que não estão na Bíblia hebraica nem na dos protestantes. O original hebraico é desconhecido; o que chegou até nós foi uma versão grega do presente livro. Seus modelos são as orações penitenciais de Esd, Ne e Dn e as grandes profecias de Is 40-66.

O livro tem o mérito de conservar o sentimento religioso dos israelitas dispersos pelo mundo todo após a ruína de Jerusalém e a perda de quase todas as suas instituições. Mostra como eles conservaram viva a consciência de ser um povo adorador do verdadeiro Deus. Ao mesmo tempo, mostra a consciência que tinham do desastre nacional: não atribuem tudo isso à infidelidade de Javé; ao contrário, reconhecem que os males se originaram por culpa deles próprios: estão assim porque desprezaram a palavra dos profetas, rejeitaram a justiça e a verdadeira sabedoria. Mas, ao lado dessa consciência de seus pecados, conservam uma viva esperança, pois acreditam que Deus não abandona o seu povo e continua fiel às promessas. Se houver arrependimento e conversão, poderão confiar no perdão divino: serão reunidos de novo em Jerusalém, que é para sempre a cidade de Deus.

Os fiéis dispersos relembram os horrores da queda de Jerusalém e falam de sua própria dor, para confessar seus pecados, cujo castigo o Deuteronômio já anunciara (cf. Dt 28,15-68). Meditando sobre sua história, a geração presente reconhece o pecado das gerações passadas e se solidariza com elas. É importante que o povo de Deus reconheça seus próprios erros e pecados, a fim de proclamar a inocência e justiça de Deus.

O grande apelo a conversão em Br 4,5-5,9 é o ápice deste livro que se dirige aos judeus (na diáspora (dispersos em outros países). A mensagem central é a conversão como volta a Deus.

A Bíblia do Peregrino (p. 2004) comenta: A relação do Senhor com o povo é vista aqui em imagem familiar. Deus é pai que criou o povo (Dt 8,5; Is 1,2). Jerusalém é a mãe do povo, representa a comunidade em seu valor fecundo e acolhedor (Is 49; 54; 66,7-14). O pai exige respeito (Ml 1,6), castiga os filhos para melhorá-los (Os 11). A mãe não pode conter-se (Is 49,15), deixa-se levar pela compaixão, ainda que seus filhos sejam a causa do seu pesar. Embora não seja culpada, a mãe não tem autoridade para perdoar e restabelecer (Sl 103,3s); só pode exortar os filhos e interceder perante o marido (cf. a atitude de Moisés em Nm 11).

“Abandonada” pelo marido, a cidade se encontra no lugar social de uma “viúva” (v. 12) sem recursos (Is 50,1; 54,4), mas continua confiando e esperando. Já sente a salvação se aproximando que é totalmente obra de Deus, renovação do antigo êxodo

Após um preâmbulo (vv. 5-9a), Jerusalém personificada dirige-se ás cidades “vizinhas” e a seus “filhos” dispersos (vv. 9b-29), depois o poeta responde-lhe depois anunciando a restauração messiânica (4,30-5,9).

Coragem, meu povo, que sois a lembrança viva de Israel (v. 5a).

“Coragem, ânimo”: o imperativo grego corresponde ao hebraico “não temas”.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1823) comenta o significado de “lembrança/memorial”: Embora o povo esteja no exílio, ele conserva e perpetua o nome de Israel. Outro sentido possível: Israel é comparado com a porção de escol das oferendas no templo, denominada “memorial” (cf. Lv 2,2) que se punha sobre o altar como um perfume que aplacava o Senhor.

Fostes vendido às nações, mas não para serdes exterminado; por terdes provocado a ira de Deus é que fostes entregue aos inimigos. Exasperastes Aquele que vos criou, oferecendo sacrifícios aos demônios, e não a Deus. Esquecestes o Deus que vos alimentou, o Deus eterno, e entristecestes aquela que vos nutriu, Jerusalém (vv. 5b-8).

O povo sendo “vendido às nações” é tomado de Is 50,1; 52,3, e a descrição dos erros do povo e citação livre de Dt 32,15-18. Outros deuses foram considerados “demônios, falsos deuses” (cf. Lv 17,7; Dt 32,17; Sl 106,37; 1Cor 10,20). O culto a eles, a idolatria, é absolutização de coisas e pessoas e provoca divisão e dispersão do povo. O resto de sobreviventes perpetua a identidade do povo de Deus.

O título “o Eterno” repete-se sete vezes neste poema (4,10.14.20.22.24.35; 5,2). Em nenhum outro lugar, em toda a Bíblia, encontra-se esta expressão usada sozinha para designar a Deus. Baruc lhe vota particular afeição, querendo frisar a imutabilidade de Deus e do seu desígnio. Assim também os dons que Deus quer conceder aos homens são eternos: a alegria, o nome (vv. 23.29; 5,1.4; cf. ainda 2,35: aliança eterna; 3,13: paz para sempre; 4,1: a lei subsiste para sempre).

Ela viu desabar sobre vós a ira de Deus e disse: “Escutai, vizinhas de Sião: Deus fez cair sobre mim uma grande aflição. Eu vi o cativeiro de meus filhos e filhas, que o Eterno lhes infligiu. Eu os havia criado com alegria; com lágrimas e luto os vi partir. Ninguém se alegre por ver-me viúva e abandonada por muitos! Por causa dos pecados de meus filhos, fiquei deserta; eles se desviaram da lei de Deus (vv. 9-12).

Às vésperas da tragédia, na solidão do abandono (“viúva”, cf. Lm 1,1-2; Is 49,21), a própria cidade de Jerusalém (Sião) levanta sua voz (cf. Lm 1,11ss) de denúncia e intercessão; com a dor e a ternura de mãe se dirige às cidades “vizinhas” e toma consciência do pecado de seu povo (“meus filhos e filhas”), que agora é castigado com o exílio. O teor e deuteronomista.

Animai-vos, meus filhos, e clamai a Deus; ele, que vos fez sofrer, há de lembrar-se de vós. Como por livre vontade vos desviastes de Deus, agora, voltando, buscai-o com zelo dez vezes maior; aquele que trouxe sofrimento para vós, para vós trará, com a vossa salvação, eterna alegria (vv. 27-29).

Jerusalém dirige-se, agora, aos exilados, pedindo que conservem a esperança: a salvação virá, mas é preciso esperá-la com perseverança e súplica. O povo traz um nome imposto por Deus (v. 9); por ele Deus se lembra do povo para salvá-lo, mas o povo deve buscá-lo (cf. Is 55,6; Sl 51,14) para ser agraciado com “eterna alegria”. Encontra-se em Br a mesma atmosfera de alegria provocada pelo anúncio do retorno no Segundo Isaías (cf. Br 4,23.29.36; 5,9 e Is 51,3.11; 52,9; 55,12; 60,15; 61,3; cf. a alegrai na volta do exílio em Sl 126).

 

Evangelho: Lc 10,17-24

Como os apóstolos em 9,6.10p, também os 70 (ou 72) discípulos voltam da sua missão (vv. 1-12) e relatam a Jesus.

Os setenta e dois voltaram muito contentes, dizendo: “Senhor, até os demônios nos obedeceram por causa do teu nome” (v. 17).

Jesus os enviou para anunciar o evangelho do reino de Deus e para curar (v. 9); com poder sobre os demônios, cf. 9,1; Mt 10,8). É curioso o relato dos setenta pelo que selecionam e pelo que excluem. Reconhecem Jesus como “Senhor” da missão, mas não dizem nada sobre sua pregação. O que mais lhe satisfaz é a eficácia dos exorcismos “em nome de Jesus” (At 3,6; 4,7.10,12; 16,18; 19,23s; cf. Lc 24,47). Não o conseguiram com o menino no vale (9,1.37-43). E não dizem nada da resposta das cidades à boa nova. Jesus levanta a mira.

Jesus respondeu: “Eu vi Satanás cair do céu, como um relâmpago” (v. 18).

Satanás (satã em hebraico: fiscal ou rival) comparece à corte celeste para acusar os homens (Zc 3,1-2; Jó 1-2) e exerceu no mundo o poder daquele ostenta: “o deram a mim, e dou a quem quero” (Lc 4,6). Agora foi derrubado do seu lugar, como o imperador emblemático de Babilônia, “caído do céu, abatido até o abismo” (Is 14,12.14; cf. Lc 10,15). Para Lc, esta queda de Satanás não é anúncio apocalíptico (Ap 12,7-12), mas experiência da missão que acontece sempre quando o evangelho é aceito por pessoas e as tira do poder do mal.

“Eu vos dei o poder de pisar em cima de cobras e escorpiões e sobre toda a força do inimigo. E nada vos poderá fazer mal. Contudo, não vos alegreis porque os espíritos vos obedecem. Antes, ficai alegres porque vossos nomes estão escritos no céu” (vv. 19-20).

Graças à vitória de Jesus sobre Satanás já no deserto (4,1-12), os discípulos submeterão as potências do mal. Nenhuma resistência pode parar o evangelho do reino (cf. v. 11). O “poder e autoridade” que Jesus dá para a missão (cf. 9,1p) é o Espírito Santo, guia no caminho (4,1.14; At 8,29.39; 10,19; 11,12; 13,2.4; 20,22s) e princípio do envio (4,18; At 13,2-4). Não se deve entender ao pé da letra “poder sobre cobras e escorpiões” como proteção contra a natureza, mas “toda a força do inimigo” significa as forças astutas e perigosas do mal (como a serpente Gn 3; cf. Sl 91,13; Ez 2,6; Mc 16,17s).

Mas não basta submeter o inimigo de baixo, mais importante é pertencer ao Reino de cima, estar inscrito em seu registro: “O Senhor escreverá no registro dos povos: Ele nasceu ali” (Sl 87,6; cf. Ex 32,32; Dn 7,10; Ap 20,11.15).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1268) comenta: A ação dos discípulos produz os efeitos esperados. Mas o poder que eles receberam não deve ser motivo de orgulho e vanglória. O que interessa é a contribuição decisiva que deram para o enfretamento do mal e para a libertação de tantas pessoas, que tiveram recuperada a dignidade de suas vidas.

Naquele momento, Jesus exultou no Espírito Santo e disse: “Eu te louvo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste essas coisas aos sábios e inteligentes, e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, porque assim foi do teu agrado. Tudo me foi entregue pelo meu Pai. Ninguém conhece quem é o Filho, a não ser o Pai; e ninguém conhece quem é o Pai, a não ser o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (vv. 21-22).

Este júbilo de Jesus e a bem-aventurança em seguida, Lc copiou da sua fonte comum com Mt (chamada Q; cf. Mt 11,25-27; 13,16s), mas destaca o “Espírito Santo” (cf. 1,41.67; 2,25-27). Junto com a transfiguração (9,28-36), este é um momento culminante do evangelho. Uma alegria sobre-humana, infundida pelo Espírito Santo, brota incontida e se expressa nessa confissão. Com estas palavras Jesus se transfigura e irradia luz de revelação. Sugestões ou vislumbres do AT parecem convergir neste ponto, especificamente da Sabedoria personificada (Pr 8,22-31; Eclo 24).

A oposição entendidos (“sábios e inteligentes”) e ignorantes (“pequeninhos”) é clássica na literatura sapiencial (Eclo 21,12-24 e outros). Aqui invertem-se os valores em virtudes de uma revelação superior e em paralelo com outras inversões (cf. o canto de Maria em 1,51-53 e as bem-aventuranças em 6,20-26). Os entendidos são aqui os chefes judeus; os ignorantes são os discípulos (compara-se com a função da lei, que “instrui o ignorante”, no Sl 19,8); mas o enunciado ultrapassa o horizonte temporal (cf. 1Cor 1-2). O Pai revela antes de tudo a filiação única de Jesus (3,22; 9,35). Jesus é o filho, revelador do Pai (o evangelho de João desenvolverá essa teologia).

Jesus voltou-se para os discípulos e disse-lhes em particular: “Felizes os olhos que veem o que vós vedes! Pois eu vos digo que muitos profetas e reis quiseram ver o que estais vendo, e não puderam ver; quiseram ouvir o que estais ouvindo, e não puderam ouvir” (vv. 23-24).

Jesus se dirige especialmente aos discípulos em particular. Talvez Lc quisesse sublinhar com isso o papel importante deles como testemunhas oculares (1,2; At 1,21s; 4,20; 10,39). Essa é uma bem-aventurança para o “ver” e o “ouvir” penetrando em termos de encarnação; ver e ouvir no e pelo Filho ao Pai (cf. 1Jo 1,1-2). O apóstolo Paulo insistiu bastante nos prolongados silêncios que cercaram o “mistério” (Rm 16,25; cf. 1Pd 1,10-12) antes de se revelar no Filho de Deus. “Profetas”, que vislumbravam o futuro, e “reis”, que prolongavam a dinastia: pode-se aduzir o pedido do povo (Is 63,19), a menção de reis (Is 52,15 e 60,3) e também Davi, rei-profeta, como suposto autor dos salmos. Eclo 48,11 refere-se à volta de Elias: “Feliz quem te vir antes de morrer”; Em Lc, o velho Simeão confessa: “meus olhos viram” (2,29-30). Os discípulos são testemunhas privilegiadas dessa revelação, que se estenderá a todos os cristãos.

O site da CNBB comenta: Muitas vezes, podemos perguntar: por que as pessoas mais simples e humildes recebem com maior facilidade a mensagem do evangelho do que as sábias e inteligentes? A resposta, à luz do evangelho de hoje, parece fácil: é porque Deus revela as coisas a elas e as esconde aos sábios e inteligentes. Será que foi exatamente isso que Jesus quis dizer? Parece que não, pois nos mostraria um Deus injusto, que faz distinção de pessoas. Para os inteligentes e sábios, que confiam nos próprios conhecimentos, a abertura aos mistérios da fé é algo de primitivo e irracional e, com isso, o mistério fica oculto a eles, não porque Deus escondeu, mas porque eles se recusam a ver. Os simples e humildes submetem a inteligência à fé e Deus pode, assim, lhes revelar seus mistérios.

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