7 de Outubro de 2019, Segunda-feira – Nossa Senhora do Rosário: Maria, então, disse: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra! ” E o anjo retirou-se (v. 38).

Mês 10 dia 07 Nossa Senhora do Rosário

Hoje celebramos Nossa Senhora do Rosário. A devoção do rosário é muito antiga. Na iconografia cristã, rosas simbolizam a virgindade de Maria e desde o séc. V, ele é comparada com uma rosa sem espinhos. Na ladainha lauretânia, é invocada como “rosa mística”.

No séc. IX, houve um florescimento da vida monástica e uma grande admiração pela oração dos 150 salmos da Bíblia. O povo, porém, não tinha oportunidade e tempo para rezar 150 salmos como os monges letrados. Então começou a repetir as ave-marias. Daí a palavra “terço” (50 ave-marias de um total de 150, em alusão ao número dos salmos).

Já na Idade Média, associou-se 15 mistérios a serem contemplados durante a oração do rosário: no terço gozoso, cinco mistérios da infância de Jesus; no terço doloroso, cinco da sua paixão e morte, e o terço glorioso, mais cinco (da ressurreição de Jesus até a coroação de Maria no céu). Em 2002, o papa João Paulo acrescentou mais cinco mistérios sobre a vida de Jesus adulto (o terço luminoso).

Como já era costume no oriente, o povo usava pedrinhas numa corda para não perder a conta, ou então, colocava rosas sobre o altar (“rosário”). Milagres foram atribuídos a Nossa Senhora, graças à meditação e repetição das ave-marias. Pela lenda, S. Domingos recebeu o terço da própria virgem no séc. XII. A intercessão (“Rogai por nós…) foi acrescentada cerca de 1500. O papa Pio V atribuiu a vitória sobre os turcos muçulmanos na batalha marítima de Lepanto (07.10.1571) à oração fervorosa do rosário por toda Europa (cf. o dia da festa e o mês do rosário). A celebração de Nossa Senhora do Rosário lembra esta vitória (cf. os patrocínios de N. Sra. da Vitória ou do Rosário).

No Brasil, a devoção do rosário teve início com a colonização nos colégios jesuítas e nas aldeias dos índios, aos sábados. Em 1581 fundou-se na Bahia a primeira Confraria de Nossa Senhora do Rosário e em seguida uma em São Paulo. Logo se espalhou pelo Brasil. Muitas dessas eram de escravos africanos libertos. Surgiram muitas igrejas consagradas a Nossa Senhora do Rosário, a mais conhecida está no Pelourinho em Salvador. Nas suas diversas aparições, Nossa Senhora dá um destaque especial ao Rosário.

 

Leitura: At 1,12-14

A leitura de hoje nos apresenta Maria em oração com os apóstolos, junto com outras mulheres, depois que Jesus foi elevado ao céu. Trata-se da primeira “novena” da história, porque a ascensão de Jesus aconteceu 40 dias após a Páscoa (At 1,2s) e a chegada do Espírito Santo no dia de Pentecostes que quer dizer “50º dia” após a Páscoa (At 2,1; cf. Ex 23,16; 34,22; Lv 23,15s; Dt 16,9; Tb 2,1), ou seja, eram nove dias de oração para a vinda do Espírito.

Nos Atos, nossa leitura é o primeiro dos famosos sumários de Lucas, paradas narrativas que olham para trás e para a frente, a fim de resumir, ou deixar cair chaves de interpretação. Pode ser que o aprendeu das paradas retrospectivas ou prospectivas de narradores bíblicos (p. ex. Jz 2,11-23; 2Rs 17).

(Depois que Jesus subiu ao céu), os apóstolos voltaram para Jerusalém, vindo do monte das Oliveiras, que fica perto de Jerusalém, a mais ou menos um quilômetro) (v. 12).

A menção do monte das Oliveiras sugere que este foi o lugar da ascensão (v. 9; em Lc 24,50 é Betânia que fica na mesma direção); pode ser influência da profecia de Zc 14,4 sobre a vinda do messias a tal monte. “A mais ou menos um quilômetro” (lit. “uma caminhada de sábado”, a lei judaica determinava que não se podia caminhar mais de um quilômetro no sábado, porque já era considerado trabalho).

Entraram na cidade e subiram para a sala de cima, onde costumavam ficar (v. 13).

A “sala de cima” podia ser lugar de retiro ou reunião ou de hospedes (9,37; 20,8; 1Rs 17,19). Na tradição, é o “cenáculo”, ou seja, a mesma sala no andar superior onde celebravam a última ceia (cf. Lc 22,11-12p).

Eram Pedro e João, Tiago e André, Filipe e Tomé, Bartolomeu e Mateus, Tiago, filho de Alfeu, Simão Zelota e Judas, filho de Tiago. Todos eles perseveravam na oração em comum, junto com algumas mulheres, entre as quais Maria, mãe de Jesus, e com os irmãos de Jesus.

A lista dos apóstolos é tradicional (cf. Lc 6,14-16p). Nossa tradução acrescenta duas vezes “filho” (lit.: Tiago “de Alfeu” e Judas “de Tiago”). O apostolo Judas é distinto de Judas, “irmão de Jesus” (cf. Mt 13,55; Mc 6,3) e “irmão de Tiago” (Jd 1). Não se deve também, identificar simplesmente o apostolo Tiago, “filho de Alfeu” (cf. Levi em Mc 2,14), com Tiago, o irmão do Senhor (At 12,17; 15,13 etc.). A Bíblia não diz que os “irmãos” de Jesus são outros filhos de Maria; a tradição católica vê neles parentes (primos) de Jesus (cf. Mc 3,21.31-35p; cf. Gn 13,8). As mulheres são as que tinham seguido Jesus (Lc 8,2s; 10,38-42; 23,49.55; 24,10).

A tarefa principal é a “oração em comum”; imagem inicial de comunidades cristãs. A segunda tarefa será completar o grupo dos doze (por Matias no lugar de Judas Iscariotes, vv. 15-26). Também a escolha dos doze é precedida pela oração (Lc 6,12).

Nos dois volumes de Lucas, Maria está presente: no início da vida de Jesus (Lc 1-2) como no início da Igreja (At 1-2); em ambos, ligada à presença do Espírito Santo que será o principal protagonista da evangelização. Assim podemos dizer: onde está o Espírito, está também Maria (ou vice-versa). Pode-se lembrar que “espírito” em hebraico é feminino (ruah), em grego, é neutro (pneuma), só nas traduções em latim, português etc. tronou-se masculino.

A Bíblia de Jerusalém (p. 2047) comenta sobre a oração nos Atos dos Apóstolos:

Os Atos contém numerosos exemplos de oração assídua, recomendada (Mt 6,5) e praticada por Jesus (Mt 14,23). Oração comunitária presidida pelos apóstolos (At 4,24-30; 6,4) e centralizada na fração do Pão (2,42.46; 20,7-11). Oração nas ocasiões importantes: eleições e ordenações para encargos na igreja (1,24; 6,6; 13,3; 14,23), confirmação dos samaritanos (8,15), período de perseguições (4,24-31; 12,5.12). Notam-se também pessoas individuais em oração: Estevão orando por si mesmo e por seus algozes (7,59-60); Paulo, após a visão que teve de Cristo (9,11); Pedro e Paulo antes dos milagres (9,40; 28,8); Pedro, quando Deus o chama para ir ter com Cornélio (10,9; 11,5); o próprio Cornélio, homem de oração (10,2.4.30-31); Paulo e Silas na prisão (16,25); Paulo, ao deixar seus amigos em Mileto (20,36) e em Tiro (21,5). Oração de suplica na maioria desses casos, também (8,22-24) para obter o perdão; oração de louvor (16,25) e de ação de graças (28,15); enfim testemunho de fé: “invocar o nome de Jesus Cristo” é característica do cristão (2,21.38; 9,14.21; 22,16).

 

Evangelho: Lc 1,26-38

O evangelho de hoje apresenta a anunciação a Maria (o primeiro mistério a ser contemplado na oração do rosário). A primeira parte da oração da Ave-Maria repete a saudação do anjo Gabriel (v. 28b), a segunda a exclamação de Isabel (v. 42). A terceira é uma súplica da Igreja à “Mãe de Deus” (cf. v. 43). Em 431 d.C., o Concílio de Éfeso determinou que Maria pudesse ser chamada assim porque ela é mãe de Cristo e Cristo é Deus, junto com o Pai e o Espírito Santo.

(Naquele tempo), o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma virgem, prometida em casamento a um homem chamado José. Ele era descendente de Davi e o nome da virgem era Maria (vv. 26-27).

O costumeiro “Naquele tempo” substituiu “No sexto mês”; a conta dos meses é a partir da concepção de João (vv. 24.36), por isso celebra-se o nascimento de João Batista (24 de junho) seis meses antes do Natal (24 de dezembro). O anjo é Gabriel (significa “força de Deus”; cf. v. 11.19; Dn 8,16; 9,21). Gabriel já apareceu a Zacarias que pertence ao baixo clero no templo da capital Jerusalém (vv. 5-25), agora é enviado a uma moça na periferia. “Nazaré” é um lugarejo desconhecido no interior (cf. Jo 1,46) da desprezada “Galileia” (cf. Jo 7,41s), mas é o lugar escolhido (Is 8,23b).

Antes mesmo de levarem uma vida comum, os noivos judeus (como Maria e José) se comprometeram em casamento, eram considerados quase como esposos porque o contrato já foi assinado (cf. Mt 1,18s). “Maria” é tradução grega do nome hebraico Miriam (o mesmo nome da irmã profetisa de Moisés em Ex 2,4.7; 15,21; Nm 12,1-10; 20,1; Maomé confundiu-a com a mãe de Jesus).

“O anjo entrou onde ela estava e disse: “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo! ” (v. 28).

“Alegra-te” (saudação comum na língua grega do NT) é tradução melhor do que “Ave” (saudação em latim), porque apela à alegria messiânica; os profetas convidaram a filha de Sião a alegrar-se pela vinda de Deus em meio a seu povo (cf. Is 12,6; Sf 3,14-15; Jl 2,21-27; Zc 2,14; 9,9).

“Cheia de graça”, lit.: “tu que fostes e permaneces repleta do favor divino”. Alguns manuscritos acrescentam “Bendita és tu entre as mulheres”, por influência de v. 42 (saudação de Isabel).

Maria ficou perturbada com estas palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação. O anjo, então, disse-lhe: “Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. Ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu reino não terá fim” (vv. 29-33).

As palavras do anjo (cf. Mt 1,20-23; Lc 1,13-17) inspiram-se em várias passagens messiânicas do AT, nascimentos (milagrosos) e profecias messiânicas (cf. Gn 16,11s; Jz 13,3-5; 2Sm 7; Is 7,14s; 9,5s; 11,1-5; Jr 23,5; Dn 7,14). A “virgem conceberá um filho” (cf. Is 7,14 em grego). Este será reconhecido como messias (2Sm 7), “descendente de Davi” (através de José) e “Filho do Altíssimo” (através do Espírito Santo, cf. v. 35a; cf. 1Sm 16,13; 2Sm 7,14-16; Sl 2,7; Rm 1,2-4). Seu reinado sobre “Jacó” (= Israel; cf. Gn 32,29) será “para sempre” e sem fim (universal, cf. Is 9,6; Dn 7,14). A última expressão entrou no Credo Niceno-constantinopolitano: “E seu reino não terá fim”.

Maria perguntou ao anjo: “Como acontecerá isso, se eu não conheço homem algum? ” (v. 34).

É comum nos relatos de vocação a pessoa chamada alegar um argumento contra (cf. 1,18; 5,8; Gn 18,12; Ex 3,11.13; 4,1.10.13; Jz 6,15; Jr 1,6…). A virgem Maria é apenas noiva (cf. v. 27) e não tem relações conjugais (sentido semítico de “conhecer”, cf. Gn 4,1; etc.). O anjo não repreende Maria como fez a Zacarias (cf. v. 20), porque se trata aqui de uma coisa inédita. O fato de Maria não conviver ainda com José parece realmente opor-se ao anúncio dos vv. 31-33 e induz a explicação do v. 35. Nada no texto impõe a ideia de um voto de virgindade.

O anjo respondeu: “O Espírito virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra” (v. 35a).

A resposta do anjo evoca a nuvem luminosa, sinal da presença de Javé (cf. Ex 13,22; 19,16; 24,16) como também as asas do pássaro que simbolizam o poder protetor (Dt 32,11; Sl 17,8; 57,2; 140,8) e criador (Gn 1,2) de Deus. O fato de Maria conceber sem ainda estar morando com José indica que o nascimento do Messias é obra da intervenção (poder, força, cf. o nome Gabriel) de Deus. Aquele que vai iniciar nova história surge dentro da história de maneira totalmente nova.

“Por isso, o menino que vai nascer será chamado Santo, Filho de Deus” (v. 35b).

A santidade é um dos atributos essências do Deus de Israel no AT (Is 6,3; Lv 11,44-46; etc.); ela se comunica àquele que se aproxima de Deus ou lhe é consagrado. Jesus é o Santo do NT (cf. Lc 4,34p; Jo 6,69; At 2,27; 3,14; Ap 3,7).

Davi recebeu o Espírito de Javé quando foi ungido (1Sm 16,13). O Messias (significa: ungido; em grego: Cristo) é descendente de Davi e considerado filho (adotivo) de Deus (cf. 2Sm 7,14), adotado na hora da sua posse (consagração, cf. Sl 2,7; batismo: Mc 1,11), e também dotado como o Espírito (Is 11,1s; 42,1; 61,1). Mas o Espírito também está com os profetas (cf. 1Sm 10,10; 2Rs 2,9.15; Ez 2,2; 11,5; 37,1) e pode ser derramado sobre o povo (Ez 11,19; 36,26s; Jl 3,1s; cf. Lc 1,35.41.67; 2,25-27;  At 2 etc.). Na sua vida na terra, Jesus não era sacerdote no templo nem tomou posse como rei, mas era vista como profeta (cf. 7,16; Mc 9,8.19p) ou messias (9,20p; Mc 11,9s). A novidade aqui é que Jesus é Filho de Deus no sentido literal, biológico (cf. Mt 1,16.20.25), não só a partir do batismo (que pode ser considerado como espécie da consagração ou posse alternativa (3,22p; cf. Sl 2,7), mas “desde o ventre materno” (cf. vv. 15.41; Is 49,1.5; Jr 1,5; Gl 1,15).

Também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na velhice. Este já é o sexto mês daquela que era considerada estéril, porque para Deus nada é impossível” (vv. 36-37).

Em vez de dar um sinal (exigido por Zacarias em v. 18; cf. Gn 15,8; Jz 6,17; Is 7,11; 38,7), o anjo indica um milagre que já aconteceu (Maria já sabia da gravidez da sua prima ou não?). Zacarias e Isabel estavam na mesma situação que Abraão e Sara (ambos velhos e ela estéril). Gabriel conclui com palavras semelhantes às de Deus na visita a Abraão e Sara (na aparição dos três anjos em Gn 18,14; cf. Jr 32,27).

Maria, então, disse: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra! ” E o anjo retirou-se (v. 38).

Maria não usa um verbo ativo na primeira pessoa “cumprirei” (Ex 19,8), mas um intransitivo: “aconteça, faça-se” o que disse o anjo, ou seja, a ação divina e sua consequência (como um novo Gênesis; cf. Gn 1,3: Deus falou “haja luz”, e “houve luz”; etc.). Deixar Deus agir é a suprema humildade e grandeza de Maria (cf. 1,48s). A tradição entendeu o consentimento (“sim”) de Maria como pronunciado em nome da humanidade (cf. 2Cor 1,19-22). Imagine se ela tivesse negado! No plano da criação, Deus faz o homem colaborador (imagem; cf. Gn 1,26s). No plano da salvação, se fez dependente do livre arbítrio (consentimento) de uma mulher. Amor e fé não se forçam ou impõem, mas se propõem.

Na sua encarnação que resultará na paixão e morte, Jesus também será o “servo (escravo) do Senhor Javé” (cf. Is 53; Fl 2,7). Não só por sua maternidade, mas pela sua reposta generosa à palavra de Deus, Maria torna-se modelo de fé para toda Igreja (cf. 11,27s). Bento XVI a chama “mãe da palavra” (do Verbo encarnado, Jo 1,14) e “mãe da fé” (fé é a reposta à palavra; cf. Verbum Domini 27). Ela é a “mãe dos crentes” (dos que acreditam e seguem Jesus; cf. Jo 19,25-27).

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