8 de Julho 2019, Segunda-feira: Enquanto Jesus estava falando, um chefe aproximou-se, inclinou-se profundamente diante dele, e disse: “Minha filha acaba de morrer. Mas vem, impõe tua mão sobre ela e ela viverá” (v. 18).

14ª semana 2ª feira – Ano Ímpar

Leitura: Gn 28,10-22

Ouvimos hoje sobre o sonho de Jacó e a fundação do santuário de Betel que ganhou grande importância no reino do Norte (cf. 1Rs 12,29-30). Betel, cujo nome significa “casa de Deus” (cf. 28,10-22), foi um centro religioso muito importante sob a monarquia israelita (fora de Jerusalém, é o lugar mais mencionado no AT; cf. 35,8; Js 7,2; Jz 1,22–25; 20,26s; 21,2; 1Sm 7,16; 10,3; 1Rs 12,26-13,34; 18,29; Jr 48,13; Am 4,14; 7,10-17; Os 10,15; 2Rs 17,17s; 23,15-20; Esd 2,28; Ne 11,31; 1Mc 9,50).

Bet-El significa “Casa de Deus”. El é a principal divindade de Canaã (cf. 31,13). A narrativa em Gn 28 apresenta Jacó como fundador deste antigo santuário (cf. 35,7) e de sua coluna sagrada (v. 18; cf. 35,15-15; 1Rs 14,23; 2Rs 17,16; Is 19,19; Os 10,1), e identifica El com Elohim (“Deus”; vv. 17.20.22). Isso mostra que a maioria dos israelitas e sua religião originam-se de Canaã, como indica o próprio nome IsraEl (cf. 32,29; 33,20). Betel, como “Casa de Deus” e “Porta do Céu” (v. 17), será integrado ao sistema de arrecadação de tributos (v. 22) do reino do Norte. Mas depois do rei Josias (640-609), El e Elohim serão identificados com Yhwh (Javé, traduzido por “Senhor”, v. 13) e as colunas sagradas serão proibidas (Ex 23,24; 34,13; Lv 26,1; Dt 7,5; 12,3; 16,22).

Jacó saiu de Bersabeia e dirigiu-se a Harã. Chegando a certo lugar, quis passar ali a noite, pois o sol já se havia posto. Tomou uma das pedras do lugar, fez dela travesseiro e ali mesmo adormeceu (vv. 10-11).

Depois de enganar o pai cego e roubar a bênção que era para seu irmão Esaú, Jacó tinha que fugir da vingança (cf. cap. 27; leitura do sábado passado). Mais uma vez com ajuda da mãe Rebeca, conseguiu ainda uma saída honrosa pelo envio do seu pai Isaac: “Vai à planície de Aram à casa de Batuel, o pai da tua mãe. Ali, toma por mulher uma das filhas de Labão, o irmão da tua mãe” (28,2). É a releitura sacerdotal (27,46-28,9) que apresenta os patriarcas em linha de pureza de sangue, integrando e subordinando as tradições de Isaac e Jacó às de Abraão.

Buscar a esposa não no meio dos pagãos, mas do próprio povo (entre os parentes, como já foi feito com Rebeca em Gn 24; cf. Tb 3,17; 7,10), torna se norma no pós-exílio: no séc. V a.C., Esdras proibiu os casamentos mistos (Esd 9-10) para manter a comunidade dos repatriados unida, com suas devoções e tradições. Uma das razões, demonstrada em Ne 13,23-27, é o fato de a mãe ser a única educadora em casa: como pode uma criança ser educada dentro da língua e tradição judaica, se a mãe não é judia.

Bersabeia (21,14.33; 22,19; 26,23.33; cf. 46,1-5) é um lugar no sul da Palestina onde se venerava o patriarca Isaac, enquanto Jacó-Israel era venerado como ancestral do Norte (Betel: 28,19; 35,1; Siquem: 33,18; 34,2). Os redatores usaram estas tradições para criar a unidade do povo através da unidade da narrativa. Como os redatores eram do reino de Judá, as tradições de Isaac e Jacó-Israel eram subordinadas ás tradições de Abraão, apresentado como patriarca de todo o povo.

Harã era o lugar de onde tinha partido Abraão (. Jacó deveria percorrer todo caminho do seu avô de volta: toda a Palestina, passar pela Síria e Mesopotâmia, para chegar a Harã. Eram mais ou menos 1.600 a pé. A descrição mostra que a sua situação é de um fugitivo. Ele que vivia tranquilo em tendas junto a seus pais (25,27) anda agora cruzando os campos: não tem parentes que o acolham nem estrangeiros que lhes ofereça hospitalidade. O rico de bênçãos celestes anda com um cajado na mão (32,11) e pedirá a Deus somente pão e roupa (v. 20). O futuro senhor de povos (27,29) caminha fugitivo. Dorme onde o alcança o pôr-do-sol, não tem nem mesmo um saco de dormir, nenhum travesseiro para reclinar a cabeça (cf. Mt 8,20).

E viu em sonho uma escada apoiada no chão, com a outra ponta tocando o céu e os anjos de Deus subindo e descendo por ela. No alto da escada estava o Senhor que lhe dizia: “Eu sou o Senhor, Deus de Abraão, teu pai, e Deus de Isaac; darei a ti e à tua descendência a terra em que dormes. A tua descendência será como o pó da terra, e te expandirás para o ocidente e o oriente, para o norte e para o sul. Em ti e em tua descendência serão abençoadas todas as nações da terra (vv. 12-14).

O sonho da escada que conduz ao céu lembra as torres de andares (zigurates) na Mesopotâmia (para onde Jacó está indo; cf. a torre de Babel em 11,4) ou as pirâmides egípcias.

A Bíblia Pastoral (p.58-59) comenta o sonho:

O sonho é o reino dos símbolos. De Jacó não nos consta sua preocupação religiosa: uma vez mencionou o Senhor, e foi quando usou seu nome em vão (27,20). Na fuga, na aflição, abre-se de repente para ele um mundo superior; obtém uma experiência nova do Senhor, que ele não conhecia. A sua viagem acaba sendo de iniciação.

O lugar parece solitário, mas está bem povoado de mensageiros celestes. Acordado Jacó não o vê (v. 16). Quando o sono lhe fecha os olhos, se lhes abre os da fantasia, não para inventar ficções, mas para descobrir a realidade. O que vê é um espaço dominado por uma rampa gigantesca, mais que qualquer montanha, mais que a projetada torre de Babel [11,4]. Une a terra como o céu, transitável para os mensageiros celestes. O Senhor está de pé “sobre ele/ela”. O hebraico é ambíguo: sobre ele, protegendo de perto (cf. Sl 63,8-9; 139,10); sobre ela no vértice da rampa. A ela se refere a declaração em Jo 1,51.

Em Jacó se cumpre duplo movimento: para fora, saindo do espaço doméstico; para dentro penetrando no espaço interior dos sonhos. De pé, fixa os olhos no solo; deitado, ao rés do chão, descobre a altura celeste. O lugar se revela como “Casa de Deus”; não recinto fechado, que acolhe e contém, mas “porta do céu”, abertura a espaços transcendentes…

O oráculo renova a promessa de terra e descendência (cf. a promessa a Abrão em 12,2-3; 13,14-17). A “casa de Deus” (Betel, vv. 16-17) é um centro que une com o céu, como o “umbigo do mundo” de outras culturas. É centro de expansão para os quatros pontos cardeais (como o olhar de Abraão em 13,14). Os descendentes se estenderão concentricamente, sem perder o centro de unidade, assegurado pelo vínculo com Deus. Assim, Betel seria o contrário de Babel (que significava originalmente “porta dos deuses”, e depois “confusão” para ouvidos hebreus).

Estou contigo e te guardarei onde quer que vás, e te reconduzirei a esta terra. Nunca te abandonarei até cumprir o que te prometi” (v. 15).

O Senhor acrescenta uma promessa particular para a situação atual de Jacó: vai acompanhá-lo na viagem, e fará voltar (“Estou contigo” cf. 26,24). O Deus dos patriarcas não está limitado a certo lugar ou santuário, mas está ligado às pessoas, acompanhando os nômades até para outros países. Jacó experimenta que o Deus dos seus antepassados o acompanha, como depois os hebreus no Egito, os israelitas na diáspora e os judeus no exilio. Esta afirmação torna-se se comum em histórias de vocação ou envios de missão (cf. Ex 3,12; Jz 6,12; Is 7,14; 41,10; Jr 1, 8; Mt 28,19-20; Rm 8,31).

Ao despertar, Jacó disse: “Sem dúvida, o Senhor está neste lugar e eu não sabia”. Cheio de pavor, disse: “Como é terrível este lugar! Isto aqui só pode ser a casa de Deus e a porta do céu”. Jacó levantou-se bem cedo, tomou a pedra de que tinha feito travesseiro e colocou-a de pé para servir de coluna sagrada, derramando óleo sobre ela. E deu ao lugar o nome de “Betel”. Antes, porém, a cidade chamava-se Luza (vv. 16-19).

A pedra alongada antes caída, é colocada na vertical, plantada na terra e apontando para o céu como vínculo misterioso entre terra e céu. É memorial e mais que isto: A pedra localiza a presença divina. Ela se torna uma bêt El, uma “casa de Deus”, o que explica o nome do lugar Betel, e recebe uma unção de óleo como ato de consagração (cf. Ex 30,26-29).

Tais práticas, difundidas nos povos semitas e outras culturas, mais tarde foram condenadas pela lei (Ex 23,24; 34,13; Dt 7,5; 12,3; 16,22; Lv 26,1) e pelos profetas (Os 3,4; 10,1; Mq 5,12), porque estas pedras erguidas (postes, estelas, colunas) simbolizavam os deuses masculinos dos cananeus. Aqui mesmo, a ideia de uma morada divina sobre a terra se justapõe uma noção mais espiritual: Betel é a “porta do céu”, onde Deus reside (cf. 1Rs 8,27).

Jacó fez um voto, dizendo: “Se Deus estiver comigo e me proteger nesta viagem, dando-me pão para comer e roupa para vestir, e se eu voltar são e salvo para a casa de meu pai, então o Senhor será o meu Deus. E está pedra que ergui como coluna sagrada, será uma “morada de Deus” (vv. 20-22a).

Se Deus cumprir a promessa de v. 15, Jacó promete fidelidade com a fórmula da aliança (v. 22: “o Senhor será meu Deus”). A pedra erguida será “morada (lit. casa) de Deus”.

Jacó se compromete também a entregar o dízimo em Betel: “e de tudo o que me deres eu te pagarei fielmente o dízimo” (v. 22b, omitido pela nossa liturgia; cf. Am 4,4; Gn 14,20), depois partiu de novo. Jacó perdeu tudo, menos a benevolência de Deus. Ele até então não tinha se dado conta disso. A visão agora refaz completamente a sua consciência e os seus planos. Ainda terá um caminho longo, mas sabe que conta com a força do altíssimo. O encontro com Deus marca o homem. Ao pôr-se de novo a caminho parece sentir-se leve: “ergueu os pés”, expressão única na Bíblia, “e dirigiu-se ao país dos orientais” (29,1). Em 35,1-15, Jacó estará de volta e construirá um altar em Betel.

O filosofo judeu Fílon de Alexandria (20 a.C. – 50 d.C.) interpretou a escada de Jacó como imagem da providência que Deus exerce sobre a terra pelo ministério dos anjos. Para outros, ela prefigurava a sabedoria e a encarnação do verbo (Jo 1,1-14), ponte lançada entre o céu e a terra. O v. 17 é utilizado pela liturgia no ofício e na missa da dedicação das igrejas. Pe. Marcelo Rossi canta: “Anjos subindo e descendo sobre o altar. ”

Evangelho: Mt 9,18-26

Depois de três controvérsias, Mt concluiu a parte narrativa (entre os dois sermões da montanha e da missão dos discípulos) com mais três relatos de milagres (vv. 18-34). No evangelho de hoje, Mt resumiu bastante o relato de Mc. Como nos paralelos (Mc 5,21-43; Lc 8,40-56), o relato de um milagre (vv. 20-22) se encaixa no relato de outro (vv. 18-19.23-26). Esta técnica narrativa de inserir uma cena bem no meio da outra, os exegetas (peritos da Bíblia) chamam de “sanduiche”. Com o recurso do caminho durante a cena, o primeiro milagre realizado prepara o segundo, a cura de uma doença incurável prepara a ressurreição de uma defunta. Em ambos os casos são decisivos a fé e o contato com Jesus.

Enquanto Jesus estava falando, um chefe aproximou-se, inclinou-se profundamente diante dele, e disse: “Minha filha acaba de morrer. Mas vem, impõe tua mão sobre ela e ela viverá” (v. 18).

Mt não nos diz mais que este chefe era “um dos chefes da sinagoga chamado Jairo” (Mc 5,22), ou porque a comunidade de Mt não conhecia mais este Jairo ou seus leitores não queriam se identificar com um chefe de uma instituição que se tornou hostil à comunidade cristã (cf. 10,17; cap. 23). Em Mt, a menina já morreu, enquanto em Mc ela ainda estava viva e morreu por causa do atraso no caminho. A mão de Jesus é símbolo de cura e proteção (8,3.15; 12,49; 14,31; 19,13-15).

Jesus levantou-se e o seguiu, junto com os seus discípulos. Nisto, uma mulher que sofria de hemorragia, há doze anos, veio por trás dele e tocou a barra do seu manto. Ela pensava consigo: “Se eu conseguir ao menos tocar no manto dele, ficarei curada. ” Jesus voltou-se e, ao vê-la, disse: “Coragem, filha! A tua fé te salvou. ” E a mulher ficou curada a partir daquele instante (vv. 19-22).

No caminho “junto com os discípulos” (v. 19; mas sem a multidão de Mc 5,24.30-31), Jesus é tocado de trás por uma mulher que sofria de hemorragia há doze anos” que “tocou a barra do seu manto” (v. 20). Como no relato anterior do exorcismo (8,28-33p), Mt omitiu os detalhes da doença, aqui sobre o fracasso dos médicos, o sofrimento e a segregação da mulher (Mc 5,26-33). Seus leitores judeu-cristãos sabem que o sangue da menstruação e da hemorragia torna uma mulher impura (cf. Lv 15,25-30). Mas Mt especifica a roupa de Jesus, um manto com “barra” ou orla como judeus piedosos costumam vestir (cf. Nm 15,38-40; Dt 22,12). Tocar esta orla é um gesto de petição (Zc 8,23; 1Sm 15,27). Através do contato mediato do manto, acontece o contato profundo com Jesus pela fé. Esse é o contato que cura.

Como não há multidão acompanhando, Jesus sabe logo quem o tocou. Não a repreende pela violação da lei da pureza, mas diz: “Coragem, filha! A tua fé te salvou” (v. 22; cf. 8,10.13; 9,29; 15,28). Mt acresenta “coragem” (cf. v. 2; palavra unicamente na boca de Jesus em Mt) e omite a fórmula “vai em paz” (cf. Mc 5,34). Para Mt, fé é algo ativo que precisa de oração (pedido) e coragem; acreditar é arriscar-se, abandonar-se (cf. 14,28s). A cura constatada em seguida é sinal de salvação. Para Paulo também é a fé em Jesus que salva, não a lei judaica (cf. Rm 3,21-26; Gl 2,15 etc.).

Chegando à casa do chefe, Jesus viu os tocadores de flauta e a multidão alvoroçada, e disse: “Retirai-vos, porque a menina não morreu, mas está dormindo. ” E começaram a caçoar dele. Quando a multidão foi afastada, Jesus entrou, tomou a menina pela mão, e ela se levantou. Essa notícia espalhou-se por toda aquela região (vv. 23-26).

A ressurreição da filha do chefe deve ser lida sobre o pano de fundo dos milagres de Elias e Eliseu (1Rs 17,17-24; 2Rs 4,32-37), só com inversão dos sexos. Mt abrevia e se concentra ao essencial. “Os tocadores de flauta e a multidão alvoroçada” fazem parte dos ritos funerais (cf. Jr 9,16-20). Quando Jesus disse: “a menina não morreu, mas está dormindo”, as pessoas “começaram a caçoar dele” (v 24). Riam-se como Sara estéril ao ouvir o anúncio da sua fecundidade, mas para Deus nada é impossível (cf. Gn 18,12-15). Para eles, a menina estava morta, não para Jesus. Se o sono é imagem da morte (Jr 51,39; Sl 13,4; Jó 3,13), uma morte não definitiva assemelha-se a um sono, para despertar (Jo 11,4.11-13). O ceticismo do povo faz ressaltar o poder de Jesus (cf. 1Cor 15,55.57). Pela primeira vez mostra-se no evangelho que seu poder atinge até a morte (como o de Deus, cf. Tb 13,2; 1Sm 2,6). Aquele que devolve a vida não se contamina tocando um cadáver (Nm 5,2; 19,11) ou uma mulher com hemorragia.

Afastada a multidão, Jesus faz exatamente como o pai tem pedido, “tomou a menina pela mão e ela se levantou” (v. 25). Mt também omite as palavras em aramaico “Talita kum”, a idade da menina e a recomendação de dar comida a ela (Mc 5,41-43). Mt não é um narrador ilustrativo como Mc, ele sempre se concentra ao essencial: a fé no poder de Jesus. Em vez do segredo messiânico de Mc 5,34, “essa notícia espalhou-se por toda aquela região” (v. 26; cf. v. 31.33.35; 8,27; Mc 1,28).

O site da CNBB comenta: O Evangelho de hoje nos mostra que não existe problema que não tenha solução verdadeira quando nos aproximamos de Jesus. Tanto o chefe que se aproxima de Jesus reconhecendo a morte da sua filha, mas acreditando que a imposição das mãos de Jesus lhe devolverá a vida quanto a mulher que, depois de 12 anos de enfermidade, reconhece que basta tocar a barra do manto de Jesus que ficará curada foram atendidos. A palavra que Jesus disse à mulher vale para todos nós: devemos ter coragem, pois a nossa fé nos salva. Devemos acreditar em Deus e enfrentar, com confiança nele, todos os nossos problemas, pois ele está ao lado de quem crê.

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