9 de Outubro de 2019, Quarta-feira: Jesus respondeu: “Quando rezardes, dizei: Pai, santificado seja o teu nome. Venha o teu Reino (v. 2).

27ª Semana do Tempo Comum

Na leitura de ontem, encerrou-se um tríptico (peça de arte em três partes), e aí o relato poderia terminar, com o perdão de Deus. A ameaça do profeta cumpriu gloriosamente sua função, a conversão da grande cidade. Só que, por meio do personagem, o autor tem ainda uma lição para o leitor. Como reage Jonas? Como reage o leitor?

Este último capítulo coloca em relevo a universalidade da misericórdia divina. Deus teve piedade do seu profeta desobediente e engolido pelo peixe (2,7), de Nínive arrependida; ele também tem piedade de Jonas afligido pelo seu egoísmo.

Este desfecho causou em Jonas profunda mágoa e irritação; orou então ao Senhor, dizendo: “Peço-te me ouças, Senhor: não era isto que eu receava, quando ainda estava em minha terra? Por isso, antecipei-me, fugindo para Társis. Sabia que és um Deus benigno e misericordioso, paciente e cheio de bondade, e que facilmente perdoas a punição. E agora, Senhor, peço que me tires a minha vida, para mim é melhor morrer do que viver”. Disse o Senhor: “Achas que tens boas razões para irar-te?” (vv. 1-4).

Do fundo da sua irritação, Jonas volta a orar. A ironia do autor chega ao sarcasmo. Jonas, “sabe” que “Deus é benigno e misericordioso…”, e por isso foge dele. Os atributos são citação de uma fórmula litúrgica: Ex 34,6; Sl 86,15; 103,8 11,4; Ne 9,17.31. Com um Deus justo se podem fazer contas e prever o resultado; com um Deus misericordioso não se pode fazer cálculos. Porque é capaz de perdoar aos maiores adversários, deixando prejudicado o profeta. Um profeta é acreditado quando a sua profecia se cumpre (Jr 28,9). Perdido todo o crédito profissional, não quer continuar vivendo (como Moisés e Elias em Nm 11,15; Rs 19,4).

Jonas saiu da cidade e estabeleceu-se na parte oriental e ali fez para si uma cabana, onde repousava à sombra, a ver o que ia acontecer à cidade (v. 5)

Este versículo é um salto narrativo atrás, mostrando-nos o profeta no quadragésimo dia à espera do fantástico espetáculo que havia anunciado.

O Senhor Deus fez nascer uma hera, que cresceu sobre a cabana, para dar sombra à cabeça de Jonas e abrandar seu aborrecimento. E Jonas alegrou-se grandemente por causa da hera. Mas, ao raiar do dia seguinte, Deus determinou que um verme atacasse a hera, e ela secou. Quando o sol se levantou, mandou Deus do oriente um vento quente; e o sol bateu forte sobre a cabeça de Jonas, que se sentiu desfalecer; teve vontade de morrer, e disse: “Para mim é melhor morrer do que viver” (vv. 6-8).

Visto que não bastou a lição do barco, o Senhor prepara uma parábola em ação para ensinar seu profeta; para isso congrega, em dimensões reduzidas, o reino vegetal, o animal e os elementos.

Disse Deus a Jonas: “Achas que tens boas razões para irar-te por esta hera?” – “Sim”, respondeu ele, “tenho razão até para morrer de raiva” (v. 9).

O interrogatório confronta o profeta com seus interesses: a mamoneira, ele próprio, a cidade. São interesses magnânimos ou mesquinhos?

O Senhor replicou-lhe: “Tu sofres por causa desta planta, que não te custou trabalho e não fizeste crescer, que nasceu numa noite e na outra morreu. E eu não haveria de salvar esta grande cidade de Nínive, em que vivem cento e vinte mil seres humanos, que não sabem distinguir a mão direita da esquerda, e um grande número de animais?” (vv. 10-11).

Deus tem a ultima palavra. E acontece que essa ultima palavra é uma interrogação retórica, de amplo respiro. Sobre esta pergunta gravita todo o relato, imprimindo-lhe força de penetração. É um pergunta que Deus faz a Jonas, e Jonas aos leitores. Uma pergunta para aqueles que se crêem bons e desprezam os maus, para os que sabem que são maus e buscam esperança. O que significa ser profeta desse Deus misericordioso? As respostas sabidas não bastam, a pergunta continua desafiando. E nós podemos escutar o diálogo do pai com irmão mais velho do filho pródigo (Lc 15,32).

Jonas se lamenta do desfecho da pregação com o perdão oferecido ao povo por Deus. É um confronto entre a justiça humana e justiça divina. De um lado, Jonas raciocina a partir da dureza da realidade: pecado cometido pela cidade no passado incide, de maneira pesada, sobre o presente. Eis a razão pela qual o profeta insiste na condenação dos pecados cometidos. Deus conhece as conseqüências do mal, mas consegue ver no pecador possibilidade de mudança. Como pai bom que é aposta na conversão e num futuro diferente. Deus quer construir um futuro novo e conta com as possibilidades que estão escondidas dentro do coração do homem, que nós mesmos não nos damos conta.

A resposta de Deus está cheia de ironia doce e benevolente; a solicitude divina estende-se até os animais (cf. 3,7); com muito mais razão, portanto, preocupa-se ele com os homens, inclusive com as crianças “que não distinguem entre direita e esquerda”. O livro prepara assim, a revelação evangélica de Deus-Amor e serve ainda hoje como modelo no ecumenismo e diálogo inter-religioso.

 

Evangelho: Lc 11,1-4

No evangelho de hoje, ouvimos a oração do Pai-Nosso na versão de Lc (sobre a versão de Mt 6,9-13 que rezamos na missa, cf. o comentário da 3ª feira da 1ª semana da Quaresma ou da 5ª feira da 11ª semana comum).

Um dia, Jesus estava rezando num certo lugar. Quando terminou, um de seus discípulos pediu-lhe: “Senhor, ensina-nos a rezar, como também João ensinou a seus discípulos” (v. 1).

Lc apresenta Jesus orando em várias ocasiões (3,21; 5,16; 6,12; 9,18. 28s; 10,21; 11,1; 22,32.40-46; 23,34.46). Aqui a introdução em Lc retoma o fio narrativo: A oração a Deus e o amor ao próximo são práticas da fé (cf. 10.25-37). A oração responde à palavra escutada (por Maria no episódio anterior, em 10,39). E agora as duas coisas se fundem porque os discípulos que pedem “escutam” como se deve orar. Orar é a atividade integrante de toda a vida religiosa e pode ser mais importante que os sacrifícios: “Todos os povos chamarão minha casa ‘Casa de oração’ (Is 56,7). Para orar, o AT nos oferece textos abundantes e varados: O saltério inteiro (livro dos 150 salmos) e muitas orações dispersas em textos narrativos, proféticos e sapienciais. Em Lc, o próprio Jesus dá exemplo frequente de oração (3,21; 5,16; 6,12; 9,29); algo tem a ensinar, como João e outros mestres (cf. 5,33).

Jesus respondeu: “Quando rezardes, dizei: Pai, santificado seja o teu nome. Venha o teu Reino (v. 2).

Jesus responde ao pedido, propondo uma oração muito breve, inclusive mais breve que a de Mateus, com cinco pedidos ao invés de sete (Mt 6,9-13). Faltam o pedido “seja feita a tua vontade” (Mt o encontrou na oração de Jesus no monte das oliveiras em 22,42p) e “livra-nos do mal”. Talvez a versão de Lc seja mais próxima do texto original que Jesus ensinou, porque é mais provável alguém (Mt) acrescentar palavras da oração de Jesus do que tirá-las (como se pode verificar no acréscimo antigo “pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre”, ou no costume católico de anexar a oração da Ave-Maria).

A invocação “pai” orienta o resto. Substitui as do Antigo Testamento, JHVH (Javé) = “Senhor”, ou “meu Deus”. No AT, o indivíduo não chamava a Deus de Pai, exceto o rei (Sl 89,27) e um par de textos tardios (Eclo 23,1; 51,10). Jesus nos faz participar da sua relação filial excepcional (cf. 10,21s) ensinando como primeira palavra “Abbá”, palavra em aramaico que significa “painho” ou “papai”, a palavra com que as crianças se dirigem ao próprio pai. Esta palavra ficou cara aos primeiros cristãos (cf. Mc 14,36; Rm 8,15; Gl 4,6) de modo que entrasse na linguagem sem ser traduzida (como “Amém”, “Hosana”).

“Seja santificado”, ou seja, respeitada ou reconhecida a tua santidade, não seja profanado o teu nome (cf. o três vezes “santo” de Is 6,3 e Sl 99). Também com a conduta pode-se profanar o nome santo, especialmente diante dos pagãos (Ez 36,20-23).

“Venha o teu reinado”: responde em forma de pedido ao anuncio da boa nova (Mc 1,5p); que Deus seja efetivamente quem rege a história dos homens (cf. Sl 82,8; 98). Pede-se porque é um processo: o reino chegou em Jesus e está para chegar em nós.

Dá-nos a cada dia o pão de que precisamos (v. 3).

Depois dos pedidos referentes a Deus (“teu”), parte-se para a esfera humana (“nós”). O discípulo não deve buscar riquezas materiais como luxo, mas apenas o necessário (cf. 12,13-34p; 16,13.19-31; 18,18-30; 19,1-10; At 2,44s; 4,32.34-37 etc.). É duvidoso o significado do adjetivo do pão: se é “cotidiano”, “cada dia”, refere-se a nossa vida aqui (cf. Sl 136,25; Pr 30,7-9); como a vida, também o sustento é dom de Deus. Se é o “pão do amanhã”, refere-se ao escatológico, o que alimenta a vida eterna na casa do Pai. É possível que o autor quisesse abranger tudo. Há uma variação de leitura (que talvez se origine da liturgia batismal: “vosso Espírito Santo venha sobre nós e nos purifique”).

E perdoa-nos os nossos pecados, pois nós também perdoamos a todos os nossos devedores; e não nos deixes cair em tentação” (v. 4).

Lc interpreta corretamente as “faltas, dívidas, ofensas, pecados” de Mt 6,12, conservando o aspecto jurídico de Mt na segunda parte do pedido (“nossos devedores”). Já no AT, recomenda-se o perdão: “Perdoa a ofensa a teu próximo, e te perdoarão os pecados quando pedires” (Eclo 28,2; cf. 1Sm 24; Lc 6,37). O perdão é dom excelso. No NT, o perdão substitui a vingança (cf. Gn 4,15.23s; Ex 21,23-25; Mt 18,21-35; Lc 6,27-37; 17,3s; 23,24; At 7,60 etc.).

Sobre a tentação (prova, provação), cf. Eclo 2,1; 33,1; Sb 3,5). Lc não traz o segundo membro do pedido de Mt (“livra-nos do mal”, ou seja, do maligno), mas também ele atribui a tentação a Satanás (4,2.13; 8,12-13; cf. 22,31).

O site da CNBB comenta: Jesus ensinou seus discípulos a rezar, mas isso não quer dizer que Jesus os ensinou a decorar um monte de palavras e a imitarem papagaio, repetindo as palavras que aprenderam. A oração era uma prática constante da vida de Jesus, e muito mais importante do que as palavras que os discípulos deveriam dizer é imitar a atitude de encontro filial de Jesus com o Pai e uma série de valores que deveriam ser conhecidos e experimentados, de modo que a oração expresse uma forma de vida segundo valores do Reino, como a fraternidade, a partilha, o perdão e a própria presença de Deus no coração e na vida das pessoas, e expresse também a nossa atitude filial diante de nosso Deus, que também é nosso Pai.

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