dia 05 de julho de 2018, quinta-feira: O paralítico então se levantou, e foi para a sua casa. Vendo isso, a multidão ficou com medo e glorificou a Deus, por ter dado tal poder aos homens

Leitura: Am 7,10-17

A leitura de hoje é uma narrativa escrita por discípulos de Amós que relatam um episódio da vida do profeta: a denúncia por Amasias, sacerdote de Betel, acusando Amós diante do rei (vv. 10-11), expulsando-o do santuário e do país (vv. 12-13) e a réplica de Amós invocando o apelo irresistível de Deus (vv. 14-17). Talvez este conflito tenha posto fim ao ministério de Amós em Betel.

Amasias, sacerdote de Betel, mandou dizer a Jeroboão, rei de Israel: “Amós conspira contra ti, dentro da própria casa de Israel; o país não consegue evitar que se espalhem todas as suas palavras. Ele anda dizendo: ‘Jeroboão morrerá pela espada, e Israel será deportado de sua pátria, como escravo’“ (vv. 10-11).

Este relato em prosa, é intercalado entre a terceira e a quarta visão. Ele vem imediatamente depois da profecia contra a casa real (8,9) e descreve as reações que este anúncio provocou. Betel é um lugar antigo de culto. Já o neto de Abraão, o patriarca Jacó, havia erguido uma estela lá como memorial da sua visão da escada para o céu (Gn 28,19).

Depois de Salomão, no ano de 931, o reino havia se dividido em dois, o reino do Sul (Judá) com a capital e o templo em Jerusalém, e o reino do Norte (Israel) com a capital Samaria e dois santuários, um em Betel e outro em Dã (cf. 1Rs 12). Jerobeão I erigiu um bezerro do ouro (representando Javé ou seu pedestal) em Betel, para se opor aos privilégios de Jerusalém (1Rs 12,26-33) e evitar que as tribos do Norte peregrinassem para Jerusalém, capital do reino do Sul (1Rs 12,2-6).

Cerca de 750, Amos veio do Sul para pregar no reino do Norte, próspero durante o rei Jeroboão II (783-743 a.C.). Mas o luxo da elite insulta a miséria dos oprimidos e o esplendor do culto disfarça a ausência de uma religião verdadeira (2,6-8; 4,1-3; 5,11-12. 21-27; 6,4-6). Com a rudeza simples e a riqueza de imagens do homem do campo (cf. v. 14), Amós condena em nome de Javé a vida corrupta das cidades, as injustiças sociais, a falsa segurança nos ritos descomprometidos.

O profeta avisa que Javé, soberano Senhor do mundo, que castiga as nações pagãs e punirá duramente a Israel, obrigado por sua eleição à uma justiça maior (3,2), num “Dia de Javé“ (esta expressão aparece pela primeira vez em Am 5,18s), “que será trevas, não luz”: a vingança será terrível, executada por um povo que Deus chama: os assírios invadirão Israel em 722-721 pondo fim ao reino do Norte (cf. 2Rs 17,5s).

O controle da religião no Antigo Israel estava nas mãos do rei (Jerobeão II) e o sacerdote oficial (Amasias) era o administrador do santuário real (Betel). Amasias denunciou a pregação de Amos em Betel resumindo-a assim: “Pela espada morrerá Jerobeão, e Israel será toda deportado pra longe de sua terra” (cf. 7,9; 9,4.10 e 5,27; 6,7). Mas a denúncia quer fazer Amós passar por um agitador político, chamando sua pregação do julgamento de “conspiração”, envolvendo em silêncio, aquele em cujo nome o profeta anuncia essas desgraças.

 

Disse depois Amasias, sacerdote de Betel, a Amós: “Vidente, sai e procura refúgio em Judá, onde possas ganhar teu pão e exercer a profecia; mas em Betel não deverás insistir em profetizar, porque aí fica o santuário do rei e a corte do reino” (vv. 12-13).

Ou o termo ”vidente, visionário” é sinônimo de profeta (Is 29,10; 30,10) ou comporta um tom de desprezo. Amasias iguala Amós aos profetas profissionais que viviam de sua profissão (cf. 1Sm 9,7-11), mas não o acusava de ser um falso profeta; ao contrário, por sua intervenção e sua acusação de conspiração (v. 10), mostra que ele teme as consequências da pregação do profeta: a palavra de Amós, eficaz, é considerada como a causa direta das desgraças que ele anuncia (cf. 2,12; Mq 2,6).

A Bíblia do Peregrino (p. 2219) comenta:

Estamos diante de um episódio capital para entender a missão do profeta neste e em outros casos. Quase todo o relato discorre em intervenções orais, com citações dentro de citações. Para entender a questão, começamos por observar os personagens e suas funções: Jeroboão rei, Amasias sacerdote, Amós profeta, e Yhwh. É um triangulo de funções, competências e relações.

  1. a) O sacerdote é um funcionário real, encarregado do santuário nacional, que o rei controla (1Rs 12,25-33).
  2. b) O sacerdote controla a competência em seu terreno, o templo, e, por ordem do rei, em todo o território.
  3. c) O profeta, como porta-voz do Senhor, é a instância suprema (Dt 17-18); um profeta pode legitimar e condenar dinastias.

Israel se constitui como espaço geográfico fechado, controlado; é um “reino” cujo centro está em Betel. Betel é centro cultual, fechado, controlado pelo rei e pelo sacerdote. A palavra de Deus irrompe nesse espaço cultual, tornando-o caixa de ressonância, até que as palavras encham e excedam o espaço do seu templo, protegendo assim o espaço do seu reino; mas a palavra de Deus penetra, instala-se, até expulsar os culpados para o espaço estranho, impuro.

Para o sacerdote oficial, a pregação de Amós é conjuração, não palavra profética. Mas descobre um perigo real nessas palavras e procura neutralizá-las, primeiro com a denúncia, depois com a expulsão; mas não se atreve a matá-lo.

Respondeu Amós a Amasias, dizendo: “Não sou profeta nem sou filho de profeta; sou pastor de gado e cultivo sicômoros. O Senhor chamou-me, quando eu tangia o rebanho, e o Senhor me disse: ‘Vai profetizar para Israel, meu povo’ (vv. 14-15).

Amós recusa tanto o título como a função de profeta (nabi) os quais trabalhavam nas cortes ou santuários oficiais a serviço do rei. Também é alheio às confrarias de profetas (2Rs 2,3) que havia em certos santuários (cf. 1Sm 10,10; 1Rs 20,35; 2Rs 2,3) e cujos membros se chamavam “filhos de profeta”.

Ele é criador de animais (“pastor de gado”, vaqueiro; dois termos diferentes em 1,1 e 7,14), natural de Técua, 09 km a sudeste de Belém em Judá (reino do Sul). O fruto do sicômoro serve de alimento para o gado, pinçava-se o caule, a fim de apressar o amadurecimento. Amós não vivia do “pão” ganhado pela profecia (cf. v. 12; 1Sm 9,7).

Para Amós, profetizar não é profissão, é missão divina da qual não se pode negar (cf. 3,8). O Senhor, que considera Israel povo seu, o chamou e enviou. “Chamou-me, quando eu tangia o rebanho” (cf. Sl 78,70s). Sua presença e pregação em Betel respondem, sem possibilidade de recusa, a missão divina que ele não escolheu como profissão (cf. Jo 15,16; Paulo em 1Cor 9,6.16s; 2Cor 11,9; At 18,3). Portanto, é mesmo profeta, pois fala em nome de Deus que é o Senhor de Israel.

E agora ouve a palavra do Senhor. Tu dizes: ‘Não profetizes contra Israel e não insinues palavras contra a casa de Isaac’. Pois bem, isto diz o Senhor: ‘Tua mulher se prostituirá na cidade, teus filhos e filhas morrerão pela espada, tuas terras serão tomadas e loteadas; tu mesmo morrerás em terra poluída, e Israel será levado em cativeiro para longe de seu país’” (vv. 16-17). 

Amasias se fechou à palavra de Deus insinuando motivos materiais à pregação de Amós. Sua culpa pesa mais, porque era o sumo sacerdote do santuário real, chefe de todos os sacerdotes do reino do Norte.

Amós não responsabiliza a família de Amasias pelo pecado do sacerdote (cf. Dt 24,16), mas vê toda esta família perecer no caos da catástrofe anunciada ao povo todo. Amós é o primeiro profeta que fala em deportação e exílio. “Israel será levado em cativeiro para longe de seu país” (v. 17; cf. v. 11; 2Rs 17,5s; Dt 28,30-33; Os 9,3).

Após um curto ministério, que teve como ambiente principal o santuário cismático de Betel, e provavelmente também em Samaria, capital do Norte (3,9; 4,1; 6,1), Amos é expulso de Israel e deve ter retomado suas ocupações anteriores, mas suas profecias se cumpriram e ainda hoje incomodam.

 

Evangelho: Mt 9,1-8

Mt copiou a história da cura do paralítico de Mc 2,1-12 (cf. comentário da 1ª semana do tempo comum, 2ª feira). Para Mt é importante sobretudo que Jesus encontrou aqui pela primeira vez a hostilidade dos mestres da Lei (cf. 12,28; 15,1 etc.).

Entrando em um barco, Jesus atravessou para a outra margem do lago e foi para a sua cidade (v. 1).

Voltando da Decápolis (região das dez cidades gregas), onde curou dois possessos pagãos (cujos demônios foram para manada de porcos; cf. 8, 28-42), “Jesus atravessou para outra margem do lago e foi para sua cidade”. Esta cidade não é Nazaré, mas Cafarnaum que escolheu para morar (4,13) e onde pagava o imposto (17,24-26).

Apresentaram-lhe, então, um paralítico deitado numa cama. Vendo a fé que eles tinham, Jesus disse ao paralítico: “Coragem, filho, os teus pecados estão perdoados!” (v. 2).

Mt omite detalhes pitorescos como as quatro pessoas que trouxeram o paralítico e destelharam a casa para ele poder se encontrar com Jesus (Mc 2,2-4). Enquanto Mc escreveu como num filme de ação, Mt dá uma aula, para ele o mais importante é Jesus e suas palavras: “Coragem, filho, os teus pecados estão perdoados” (v. 2, e pode se acrescentar: ”agora”).

Em Mt, só Jesus fala a palavra “coragem” (v. 22; Mt omite a palavra em 9,28; 20,32, porque não é Jesus que a fala; cf. Mc 10,49). Os leitores de Mt percebem a salvação contida nestas palavras, porque para os judeus, o pecado separa o homem de Deus e é causa da doença (Lv 26,14-16; Dt 28,12s; 2Cr 21,5;18s; Sl 32; 38; 41; Ecl. 38,9-10; Jo 5,14; 9,2; 1Cor 11,30).

Então alguns mestres da Lei pensaram: “Esse homem está blasfemando!” (v. 3).

Em que Jesus estava blasfemando segundo a opinião dos mestres da lei? Mt não conta; em Mc 2,7 pensavam: “Ninguém pode perdoar pecados, a não ser Deus”. A blasfêmia de Jesus seria arrogar-se um privilégio exclusivo de Deus (Sl 130,4; Is 43,25). Os mediadores do AT não perdoam pecados, só intercedem pedindo perdão para os outros (cf. Ex 32; Nm 14; 2Sm 12 etc.). A pena da blasfêmia é lapidação (cf. At 7,58; Lv 24,14-16). Mas os leitores judeu-cristãos de Mt talvez saibam que só se faz culpado de blasfêmia quem pronunciar o nome de Deus nitidamente, o que não é o caso aqui.

Mas Jesus, conhecendo os pensamentos deles, disse: “Por que tendes esses maus pensamentos em vossos corações? O que é mais fácil, dizer: ‘Os teus pecados estão perdoados’, ou dizer: ‘Levanta-te e anda’? (vv. 4-5).

Jesus, porém, conhece os pensamentos dos homens da lei (penetrar pensamentos é próprio de Deus; cf. Pr 15,11) e os qualifica como “maus” (v. 4). É mais fácil “dizer” que os pecados estão perdoados, do que “dizer” que o paralítico se levante e ande, porque este último deve ser provar pela ação (cf. v. 5). Jesus cura o paralítico da sua deficiência física, como prova que ele tem também o poder de perdoar pecados. Deus não iria atender um blasfemo (cf. Jo 9,15s.31-33).

Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem na terra poder para perdoar pecados,” – disse, então, ao paralítico – “Levanta-te, pega a tua cama e vai para a tua casa” (v. 6).

O v. 6 é o ápice em que Jesus fala de si como “Filho do Homem” (cf. evangelho de segunda-feira passada), que é o futuro juiz do mundo que virá nas nuvens (cf. Dn 7,13s) e já perdoa “aqui na terra”. Para isso ele tem pleno “poder”, toda “autoridade” (cf. 28,18, em grego a mesma palavra expressa poder e autoridade). Não substitui o juízo final, mas o pecado perdoado já aqui na terra está desligado lá no céu, ou seja, absolvido (cf. 16,19; 18,18). Em nenhum momento, a tradição judaica relacionou o perdão dos pecados ao “Filho do homem”, mas atribuiu a ele o juízo final (no escrito apócrifo Henoc; cf. Mt 25,31-46). A comunidade cristã sabia que o perdão dos seus pecados se deve à morte de Jesus (cf. Mc 10,45p; Mt 26,28; Is 53).

O paralítico então se levantou, e foi para a sua casa. Vendo isso, a multidão ficou com medo e glorificou a Deus, por ter dado tal poder aos homens (vv. 7-8).

Somente a palavra de Jesus basta para a cura acontecer (cf. 8,5-13). Em vez do louvor da multidão (Mc 2,12: “Nunca vimos uma coisa assim”), Mt fala do “medo” (típico dos discípulos, mas Jesus a tira; cf. 10,26-28; 14,27.30-31; 17,6-7) e do louvor (“glorificou”) ao mesmo tempo (cf. 28,8). A multidão fica impressionada pelo milagre e louva a Deus não propriamente pelo milagre da cura, mas pelo poder de perdoar que Deus deu “aos homens”. Chama atenção que o poder (a autoridade) de perdoar pecados agora é “dado aos homens” e não só ao Filho do homem do v. 6. Aqui Mt já antecipa a autoridade dada a Pedro e à comunidade de “ligar ou desligar”, ou seja, de perdoar em nome de Deus (cf. 16,19; 18,15-20)

Perdoar pecados é um tema importante para Mt. Ele já introduziu o menino “Jesus” especificando o significado do nome dele: “salvará o povo dos seus pecados” (1,21). Mt destaca o pedido de perdão na oração do Pai-Nosso (6,12-14), discursa sobre a autoridade e experiência do perdão na comunidade (18,15-35; 16,19) e na última ceia acrescenta mais umas palavras sobre o cálice da eucaristia, “para remissão dos pecados” (26,28; cf. Is 53,12),

A paralisia expressa a situação do pecador. O pecado escraviza, tira a liberdade de se movimentar (cf. Gl 5,1.13; Rm 7,14ss; 8,14s). No séc. 16, o primeiro protestante, Martin Lutero, tirou a confissão e as indulgências por terem sidas abusadas pela ganância do clero daquela época. Depois o Concílio de Trento corrigiu estes abusos e insistiu no poder de perdoar pecados que não é privilégio exclusivo de Deus ou de seu Filho, porque Jesus passou esta autoridade para Pedro e os apóstolos (cf. Mt 16,19; 18,18; Jo 20,23); e estes passaram a autoridade para seus sucessores, os bispos católicos, que a passam também aos padres. Assim o pecador arrependido não precisa duvidar mais, se Deus já o tenha perdoado ou não. Com a absolvição dos pecados, pronunciada por um ministro autorizado (ordenado), ele pode ter a certeza de ser livre: ”Filho, teus pecados estão perdoados.”

O site da CNBB comenta: Onde é mais fácil que vejamos a ação de Deus na nossa vida, quando Deus realiza uma cura ou nos concede alguma graça pela qual suplicamos ou fizemos promessas ou quando ele perdoa os nossos pecados? É claro que ao lermos este texto, afirmamos que é quando ele perdoa nossos pecados, mas a gente não vê as pessoas celebrarem ações de graças quando são perdoadas e sempre vemos celebrações em ação de graças por curas, conquistas e coisas do gênero. Isto tudo nos mostra que intelectualmente sabemos as coisas certas, mas existencialmente vivemos subordinados aos valores do mundo, de modo que somos pessoas divididas entre o que falamos e o que de fato acreditamos. O Evangelho de hoje é para todos nós um convite: precisamos de fato enxergar mais além para valorizarmos mais os verdadeiros dons que Deus nos concede.

Voltar