Dia 19 de Dezembro de 2018, Quarta-feira: Então Zacarias perguntou ao anjo: “Como terei certeza disto? Sou velho e minha mulher é de idade avançada” (v. 18).

Leitura: Jz 13,2-7.24-25

As leituras do AT (Antigo Testamento) nestes dias nos preparam mais de perto para o nascimento do messias. Ouvimos hoje a anunciação (bastante abreviada) do nascimento de Sansão.

A Bíblia do Peregrino (p. 453s) comenta: Este é o mais desenvolvido relato de anunciação no Antigo Testamento. O núcleo é realmente a fórmula clássica de anunciação, dita pelo anjo do Senhor e repetida pela mulher; a partir desta, toma corpo um relato de aparição.

As circunstâncias extraordinárias de um nascimento indicam que o menino será extraordinário.

A Bíblia de Jerusalém (p. 398) comenta a figura de Sansão no livro de Juízes (Jz): A história de Sansão é diferente de todas as outras narrativas no livro. Ela conta, do nascimento à morte, a vida de um herói local, que é forte como um gigante e fraco como uma criança, fascina as mulheres e é enganado por elas, coloca em apuros os filisteus, mas não liberta deles a região. A história tem o humor vigoroso dos contos populares nos quais as pessoas que têm de suportar um opressor, se vingam dele, colocando-o em ridículo.

O aspecto religioso é igualmente bem marcado: Sansão é consagrado a Deus desde o seio de sua mãe, e seu “nazireato” (cf. Nm 6,1-8) é a fonte de sua força. A força de Sansão vem de Deus e seu nascimento é um verdadeiro dom de Deus.

Havia um homem de Saraá, da tribo de Dã, chamado Manué, cuja mulher era estéril (v. 2).

É comum o tema da esterilidade da mãe do herói: no AT, Sara (Gn 15-21), Raquel (Gn 30-35), Ana (1Sm 1-2) e no NT, Isabel (Lc 1; cf. evangelho de hoje). O filho que nascerá não é produto humano, sim puro dom de Deus.

A tribo de Dã recebeu um território onde se encontram as localidades aqui citadas: Saraá, Estaol e Tamna (cf. Js 19,40-48); mas ela emigrou para o norte (Jz 17-18) e essas localidades passam a fazer parte do domínio de Judá (Js 15,33). As histórias de Sansão parecem supor uma situação posterior a essa migração na qual os filisteus não intervêm. Mas clãs que permaneceram no local viviam misturados com os cananeus e submetidos aos filisteus.

O anjo do Senhor apareceu à mulher e disse-lhe: “Tu és estéril e não tiveste filhos, mas conceberás e darás à luz um filho. Toma cuidado de não beberes vinho nem licor, de não comeres coisa alguma impura, pois conceberás e darás à luz um filho. Sua cabeça não será tocada por navalha, porque ele será consagrado ao Senhor desde o ventre materno, e começará a libertar Israel das mãos dos filisteus” (vv. 3-5).

Em v. 3b “conceberás… um filho” é provavelmente duplicata do v.5a.

A Bíblia do Peregrino (p. 453s) comenta: O esquema completo de anunciação tem as seguintes peças: concepção e parto, nome do menino e sua explicação, uma dieta, história futura do menino. Vejam-se os seguintes textos: Gn 16,11-12 (Ismael); Is 7,13-14 (o filho de Acaz); o padrão passa ao Novo Testamento, onde Mateus e Lucas o utilizam, Mt 1,20-23 e Lc 1,11-20.26-37.

Aqui falta a indicação do nome (cf. v. 24), talvez porque “Sansão” não é nome que alude ao Deus de Israel (não contém o “J” de Javé nem o “El” de Elohim), ou alude a uma divindade pagã? Seu nome em hebraico significa “pequeno sol” (cf. vv. 24s).

Mas aqui desenvolve-se o motivo da dieta (cf. Is 7,15, de acordo com o destino de herói; quer dizer, nem através de sua mãe a criatura deve tocar o vinho (cf. João Batista, Lc 1,15). Seu destino será “começar” o que outros (o juiz Samuel, os reis Saul e Davi) continuarão: “libertar Israel das mãos dos filisteus”.

Expulsos pelo faraó Ramsés II (1196-1165) após tentaram invadir o Egito, os filisteu se instalaram na região litoral de Palestina e se tornaram ameaça constante aos povos vizinhos. Os filisteus foram chamados pelos gregos de p(h)alestinos, daí vem o nome da província romana “Palestina” que abrange o mesmo território de Israel. Hoje se denomina os judeus que vivem no estado de Israel “israelenses” (não israelitas como no AT), enquanto os árabes que moram na região são os “palestinos” (desde 630 d.C. em Israel, e expulsos pelos israelenses se concentram mais na Cisjordânia e na faixa de Gaza).

A mulher foi dizer ao seu marido: “Veio visitar-me um homem de Deus, cujo aspecto era terrível como o de um anjo do Senhor. Não lhe perguntei de onde vinha nem ele me revelou o seu nome. Ele disse-me: Conceberás e darás à luz um filho. De hoje em diante, toma cuidado para não beberes vinho nem licor, e não comeres nada de impuro, pois o menino será consagrado a Deus, desde o ventre materno até ao dia da sua morte” (vv. 6-7).

Quem é que apareceu? Quando a mulher fala, é “um homem de Deus” (v. 6) que equivale a um profeta (cf. 1Rs 17,18.24), ou “aquele que veio” (v. 10), quando o marido fala, o designa também “homem de Deus” (v. 8), “aquele falou” (v. 11); só no final diz que era “Deus” (v. 22). O narrador o chama quase sempre “o anjo do Senhor (Javé)” (vv. 3.9.13.15s.18.20s; cf. 2,1; 6,11; Gn 16,7 etc.), e diz simplesmente “o Senhor (Javé)” quando fala da oração ou do altar (vv. 8.19).

A Bíblia do Peregrino (p. 453s) comenta: Como “anjo” a rigor significa mensageiro, podemos resumir assim: não se diz que “o Senhor aparece”, porque a aparição é como um sair de si tomando figura, e por isso se emprega a perífrase “o mensageiro/anjo do Senhor”: para aparecer toma figura humana, por isso as pessoas veem um homem que fala como profeta, com aspecto de “mensageiro divino”.

Quando esse mensageiro desaparece subindo na chama do altar (v. 20), as pessoas descobrem que era o próprio Deus que se manifestava e falava (v. 22s). Quem enxergasse Deus diretamente, morreria (cf. v. 23; Ex 33,20). Esses dados completam os da aparição a Gedeão no cap. 6; aqui, no v. 22, o Anjo é identificado com Javé, como em 6,22-23.

Sansão será um nazir, isto é, aquele que é especialmente “consagrado” a Deus. Aqui a proibição feita ao nazir (“não beberes vinho nem licor”) é reportada à mãe para marcar que o menino é consagrado desde o seio materno (cf. Is 49,1.5; Jr 1,5; Gl 1,15). Em geral, o voto do “nazireato” (nazirado) em Nm 6 é temporário e parece derivado do nazirado perpétuo (vv. 5.7; 1Sm 1,11; Lc 1,15; cf. Am 2,11).

Ela deu à luz um filho e deu-lhe o nome de Sansão. O menino cresceu e o Senhor o abençoou. O espírito do Senhor começou a agir nele no Campo de Dã (vv. 24-25a).

Sansão (hebr. Shimshon) é um nome próprio derivado de um termo hebraico que significa “sol”. Este nome alude a uma divindade pagã ou era comum na região? A cidade de Bet-Shémesh, “casa do sol”, não está longe de Saraá (v. 2).  Nossa liturgia omitiu o final do v. 25: “entre Saraá e Estaol”. O “campo (lit. acampamento) de Dã” pode ser referir à época em que esta tribo estava migrando (cf. 18,1).

O menino cresceu e o Senhor o abençoou (cf. Lc 1,80). O “espírito do Senhor” é o elemento dinâmico que não dará descanso ao herói, que o moverá de modo imprevisível para que cumpra sua missão. Essa informação justifica a ligação de Sansão com os Juízes (cf. 3,10; 6,34; 1,29; 14,6.19), mas reconhece que a vitória sobre os filisteus não será obra de Sansão: foi necessário esperar Saul e Davi, também movidos pelo espírito de Deus (1Sm 10,6,10; 16,13). Também o messias o será (Is 11,2; 42,1; 61,1; Mc 1,10p).

Evangelho: Lc 1,5-25

Após uma breve introdução e dedicação (vv. 1-4), o evangelho de Lc começa sua narrativa com a história da infância de Jesus precedida e entrelaçada pelo nascimento de João Batista. A aparição do arcanjo Gabriel no quadro solene das liturgias do templo vai anunciar o nascimento e a missão de João ao pai dele, Zacarias. Nos dois capítulos da infância, Lc emprega o grego de sabor semítico da Tradução do AT hebraico para o grego, chamada LXX, “Setenta“ (pela lenda eram setenta sábios que a escreveram) e que inclui sete livros a mais (que não constam na Bíblia protestante). Nesta, Lc se inspira com os temas tradicionais das aparições (Jz 6,11-24), das anunciações de nascimentos maravilhosos (Gn 16; 17; 18; Jz 13) e dos oráculos proféticos (Ml 2,6; 3,1.23-24; Is 40,3).

Nos dias de Herodes, rei da Judéia, vivia um sacerdote chamado Zacarias, do grupo de Abia. Sua esposa era descendente de Aarão e chamava-se Isabel. Ambos era justos diante de Deus e obedeciam fielmente a todos os mandamentos e ordens do Senhor. Não tinham filhos, porque Isabel era estéril, e os dois já eram de idade avançada (vv. 5-7).

Era o tempo do chamado Herodes Magno (o Grande) que reinava de 37-4 a.C. (de fato, a morte dele aconteceu quatro anos antes do ano zero da nossa era; no século VI d.C, um monge encarregado de fazer o cálculo da nossa era, contando a partir do nascimento de Jesus, errou por alguns anos).Herodes era “rei da Judeia”; na língua dos gregos para os quais Lc escreve, o termo “Judeia” designa todo território dos judeus na época (cf. Lc 4,44; 6,17; 23,5; At 10,37), mas os próprios judeus aplicavam-no só à parte sul da Palestina (antiga Judá), em oposição a Galileia (cf. Lc 3,1; 5,17; At 9,31) no norte.

Os pais de João Batista têm algo de patriarcas, embora ele seja um sacerdote que profetiza e o filho venha a ser um grande profeta, como os sacerdotes profetas Jeremias e Ezequiel. Seu sacerdócio tem a legitimação da estirpe, de “Abias”, a oitava das 24 classes sacerdotais (1Cr 24,10); cada classe desempenhava esse serviço por uma semana (cf. 1Cr 24,19; 2Cr 23,8). Também sua esposa Isabel é de descendência sacerdotal, de “Aarão” (irmão de Moisés e primeiro sumo sacerdote). Herodes não tem tal legitimação (não era judeu, mas idumeu, de um país vizinho), é usurpador pelo apoio de César Augusto.

O nome Zacarias (hebraico Zacar-Ya, Zc 1,1; Ne 12,16; cf. Mt 23,35; Lk 11,51) significa “o Senhor (Yhwh, Javé) lembra”; o nome dela é Elisabet (lit. grego), na forma popular Isabel é confundível com a princesa fatal Jezabel/Izébel (1Rs 16,3), mas Elisabet corresponde ao hebraico Elisheba, mulher de Aarão (Ex 6,23), e significa “meu Deus é sete (plenitude)” ou “meu Deus jura/promete”.

Isabel era “estéril”, não por castigo como Micol, esposa de Davi (2Sm 6,23; cf. Lv 20,20s), mas por natureza como outras mulheres ilustres, as matriarcas Sara, Rebeca e Raquel (Gn 11,30; 17,16-17; 25,21; 29,31; cf. Jz 13,2s), e sobretudo como Ana, a mãe do juiz e profeta Samuel (1Sm 1-2) que ungiu Saul e Davi (1Sm 10;16).

Os pais de João “já eram de idade avançada” (como Abraão e Sara, cf. Gn 18,11) e ademais exemplares segundo a religiosidade tradicional (Jó 1,1; Tb 1,3; Ez 36,27): sua justiça aceita por Deus consiste no cumprimento exato de todos os preceitos.

Em certa ocasião, Zacarias estava exercendo as funções sacerdotais no Templo, pois era a vez do seu grupo. Conforme o costume dos sacerdotes, ele foi sorteado para entrar no Santuário, e fazer a oferta do incenso. Toda a assembleia do povo estava do lado de fora rezando, enquanto o incenso estava sendo oferecido (vv. 8-10).

Os sacerdotes oficiavam por turnos de permanência, e “oferecer o incenso” era privilégio não repetido. Sendo muitos os sacerdotes, era uma honra muito grande exercer esta função.

O rito se realizava antes do sacrifício matutino e depois do vespertino; era feito no altar especial do incenso (Ex 30,6-8.34-38; Sl141,2), no interior do templo, enquanto o povo esperava no átrio (espaço exterior). A revelação acontecerá em contexto cultual, como a de Isaias (Is 6). Para a assembleia do “povo”, Lc usa a palavra grega Laós (cf. 1,21.68.77; 2,10.32; 3,15.18.21 etc.) de onde vem a nossa palavra “leigo” (do povo, não da hierarquia).

Então apareceu-lhe o anjo do Senhor, de pé, à direita do altar do incenso. Ao vê-lo, Zacarias ficou perturbado e o temor apoderou-se dele (vv. 11-12).

Lc escreve em grego que traduz o hebraico malak Yhwh (Gn 16,7 etc.), em português “anjo do Senhor”; esta expressão designa uma manifestação, às vezes visual do Senhor. No v. 19 se identifica com o nome próprio, Gabriel. Provoca o “temor” ou intimidação da presença do divino (cf. 1,29; o temor de Deus em Ex 20,20; Dt 6,2; Pr 1,7; Is 11,2) ou do sobre-humano (Dn 10,7; ao ouvi-lo: Hab 3,16).

Essa “perturbação” é muitas vezes notada no AT perante as aparições dos anjos (Jz 6,22; 13,20.22; Tb 12,16; Dn 8,17s; 10,7s.11.16) e ao mesmo modo, o “temor” que é o pavor dos seres humanos diante do mistério cuja transcendência se sente. Lc o assinala diante de revelações (2,9; 9,34), milagres (1,65; 5,26; 7,16; 8,25.35.37; 24,5.37; At 2,43) e outras intervenções divinas (At 5,5.11; 19,17).

A Bíblia do Peregrino (p. 2450) comenta: A aparição angélica imita modelos tradicionais, como os de Gedeão e Sansão (Jz 6,12;13,3), e visa ao oráculo de anunciação, segundo o gênero. São tópicos da cena: a aparição inesperada, o susto, a objeção, o sinal. O oráculo costuma anunciar a concepção, o nascimento, o nome e o futuro do menino; às vezes acrescenta prescrições dietéticas (Gn 16,11-12; Jz 13,3-5; Is 7,14-16).

O lugar, “de pé, à direita”, indica a dignidade do anjo (cf. Ez 10,3; Sl 110,1; At 7,56), ao lado do altar de incenso que é de ouro (cf. 1Rs 6,20s; 7,48).

Mas o anjo disse: “Não tenhas medo, Zacarias, porque Deus ouviu tua súplica. Tua esposa, Isabel, vai ter um filho, e tu lhe darás o nome de João” (v. 13).

O oráculo é pormenorizado. Começa com a fórmula clássica: “não temas”, frequente nas aparições de Deus (Gn 15,1; 26,24; 46,3; Jz 6,23) e dos anjos (Gn 21,17; Tb 12,17; Dn 10,12.19). Serve para conter o pavor inicial: a divindade chega com a intenção pacífica (cf. 1,30; 2,10; At 18,9; 23,11). Além disso, serve para dispor o ânimo à recepção da mensagem.

A seguir vem o anúncio: o nascimento de um filho, que será dom especial de Deus, respondendo à “súplica” do sacerdote (Gn 18,10,14; 25,21), embora a oração que o sacerdote devesse apresentar em nome do povo se referia à salvação messiânica. O anúncio retoma os termos clássicos deste gênero no AT, sobretudo de Gn 17,19 (cf. Gn 16,11; Jz 13,3.5; Is 7,14).

O nome João (em hebr. Yohanan) significa: “O Senhor se compadece”, ou: “agracia, é misericordioso” (cf. 1,58). O nome dele já será o primeiro sinal do advento do messias.

Tu ficarás alegre e feliz, e muita gente se alegrará com o nascimento do menino, porque ele vai ser grande diante do Senhor. Não beberá vinho nem bebida fermentada e, desde o ventre materno, ficará repleto do Espírito Santo. Ele reconduzirá muitos do povo de Israel ao Senhor seu Deus. E há de caminhar à frente deles, com o espírito e o poder de Elias, a fim de converter os corações dos pais aos filhos, e os rebeldes à sabedoria dos justos, preparando para o Senhor um povo bem disposto” (vv. 14-17).

“Tu ficarás alegre e feliz, e muita gente se alegrará”; logicamente, o filho será uma alegria para o pai, que assim terá um sucessor (Jr 20,15; e Sara em Gn 21,6). A alegria (cf. a alegria messiânica em Lc 1,28.44.47; 2,10) será partilhada por muitos aos quais a missão da criança afetará (Gn 30,13; Is 9,2;66,10).

Segue a breve descrição de seu destino. “Será grande”, na sua apreciação decisiva do Senhor “o maior até agora entre os nascidos de mulher” (7,28p). Como no estatuto dos nazireus, se absterá de vinho (Nm 6,3; Jz 13,4.7.14), aqui já se indica a austeridade de João, futuro asceta no deserto. Mas Lc omite sua dieta esquisita no deserto (cf. Mc 1,6p: gafanhotos), talvez queira moralizar seus ouvintes greco-romanos para não exagerar com as bebidas nos banquetes (12,45; cf. 15,13; 16,19; Gl 5,21).

Vários homens do AT são consagrados ao Senhor “desde o ventre materno”: Sansão (Jz 13,5) Jeremias (Jr 1,5), o Servo de Javé (Is 49,1.5). Isso significa que eles são predestinados à sua missão (cf. Paulo em Gl 1,15).

João ficará “repleto do Espírito Santo”, como Josué (Dt 34,9) e nisso consistirá sua grandeza; ou como Elias (cf. 2Rs 2,15), com o qual exercerá a função profética de “converter” como seu ancestral Levi, tal como a descreve Ml 2,4-6 (cf.Jr 3,12,14; 15,19;18,11; em Dn 12,3, os que ensinam a justiça “brilharão como estrelas”), e a função especifica de “reconciliar”.

A Bíblia do Peregrino (p. 2450) comenta: Do texto bíblico (Ml 3,23-24) suprime a segunda parte, “converter os filhos aos pais” (como já tinha feito Eclo 48,10), talvez porque o movimento é agora todo para o futuro, não para o passado. A clausula paralela traça o perfil ético da reconciliação, como que evitando mal entendidos. Assim prepara para o Senhor um povo (cf. Is 43,21) bem-disposto a receber a novidade que se aproxima (cf. Am 4,12).

Segundo Ml 3,23, pensava-se que a volta de Elias devia preceder a era messiânica. João vai assumir este papel de Elias de ser o precursor (cf. 1,76; 7,27), mas não vai reencarná-lo (como ensina o espiritismo), porque Elias não desencarnou (cf. 2Rs 2; Mt11,14; 17,10-13; Lc 9,30p; Jo 1,21).

Em Lc, a expressão “cheio/repleto do Espírito Santo” não significa plenitude de graça santificante, mas o dom da profecia que o fará falar de forma inspirada (1,41.67; At 2,4; 4,8.31; 7,55; 9,17; 13,9), aliás em João, se manifestará desse modo já no seio materno (vv. 41-44).

Então Zacarias perguntou ao anjo: “Como terei certeza disto? Sou velho e minha mulher é de idade avançada” (v. 18).

Zacarias duvida (cf. v. 20, diversamente de Abraão que acreditou logo em Gn 15,6, mas igual a dúvida de Abraão e Sara em Gn 17,17;18,11s) e pede um sinal (como Abraão em Gn 18,8 e Gedeão em Jz 6,36-40; cf. os reis em Is 7,11e 38,7). A objeção serve ao narrador para salientar o puro dom de Deus, o milagre da fecundidade (cf. Is 66,9).

O anjo respondeu-lhe: “Eu sou Gabriel. Estou sempre na presença de Deus, e fui enviado para dar-te está boa notícia. Eis que ficarás mudo e não poderás falar, até ao dia em que essas coisas acontecerem, porque tu não acreditaste nas minhas palavras, que hão de se cumprir no tempo certo”(vv. 19-20)

O anjo está a serviço de Deus, “na sua presença” assiste a corte divina, segundo representações tradicionais. O nome hebraico Gabri-El significa “Força de Deus” (e é o quarto nome significativo no relato). Enquanto nos relatos antigos do AT se falava apenas do Anjo de Javé (Senhor)/Deus”, em época tardia se impõe o costume de dar nomes a alguns seres celestes, se são investidos de alguma missão especial (o mesmo Gabriel em Dn 8,16; 9,21), aqui como mensageiro de uma boa nova (Is 40,9): “dar a boa notícia”, lit. “evangelizar”, verbo que Lc aprecia, 10 vezes no seu evangelho (1,19; 2,10; 3,18; 4,18.43…) e 15 vezes nos Atos dos Apóstolos (sua segunda obra), na maioria a propósito da Boa Nova ou “Evangelho” do Reino (cf. Mc 1,1; At 5,42; Gl 1,16 etc.)

Mas por sua falta de fé, Zacarias não poderá comunicar a boa notícia, ou seja, evangelizar. A mudez e a incomunicação (v. 62 indica também surdez), além de castigo, servirão de sinal (que ele pedia para crer), como aconteceu a Ezequiel (3,26s; 24,27; 33,21s). Não poderá comunicar a boa notícia. Quando recuperar a fala, o sacerdote será profeta (v. 67). No momento, começa uma etapa de incomunicação e escondimento para a família (v. 24), enquanto amadurece uma vida nova.

O povo estava esperando Zacarias, e admirava-se com a sua demora no Santuário. Quando saiu, não podia falar-lhes. E compreenderam que ele tinha tido uma visão no Santuário. Zacarias falava com sinais e continuava mudo (vv. 21-22).

O povo esperava talvez a bênção sacerdotal (Nm 6,23-26) que o mudo não podia pronunciar. O povo adivinha logo algo de sobrenatural. Segundo a tradição judaica, o sumo sacerdote não prolongava sua oração para “não inquietar Israel”.

Depois que terminou seus dias de serviço no Santuário, Zacarias voltou para casa. Algum tempo depois, sua esposa Isabel ficou grávida, e escondeu-se durante cinco meses. Ela dizia: “Eis o que o Senhor fez por mim, nos dias em que ele se dignou tirar-me da humilhação pública! ”(vv. 23-25).

Lc gosta de usar a expressão do AT “quando se cumpriram os dias de…” (cf. 2,6.21.s; 9,51; At 2,1; 9,23). Na época, esterilidade era sempre considerada um “opróbrio” (cf. Gn 30,23; 1Sm 1,10; Is 4,1) e muitas vezes um castigo (Lv 20,20s; 2Sm 6,23); cf. a “humilhação pública” da esterilidade como a de Raquel (Gn 30,23) ou de Jerusalém (Is 54,4).

Isabel “escondeu-se durante cinco meses”, é um ocultamento temporário, até que Maria o rompa com sua visita “no sexto mês” (vv. 26.36.39s). Assim, indica-se que Maria poderia saber da gravidez de Isabel só por revelação (v. 36).

O site da CNBB resume: A Bíblia nos apresenta alguns casos em que mulheres que não poderiam ter filhos ficaram grávidas. Podemos citar alguns exemplos: Sara, esposa de Abraão e mãe de Isaac; a esposa de Manué, que era estéril e deu à luz Sansão; Ana, esposa de Elcana, que era estéril e deu à luz Samuel; e Isabel, esposa de Zacarias, que deu à luz João Batista. Cada vez que uma mulher estéril fica grávida, alguma coisa importante vai acontecer. Com Isaac, a formação do povo de Israel, com Sansão, a derrota dos filisteus, que permitiu a permanência do povo de Israel na Terra Prometida, com Samuel, a formação do Reino de Israel e com João Batista, a chegada da plenitude dos tempos.

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