02 de junho de 2018, sábado: Imaculado Coração de Maria

Ontem, celebramos o Sagrado Coração de Jesus e hoje o Coração Imaculado de Maria. Os dois corações estão profundamente unidos. Durante a gravidez de Nossa Senhora, o coração de Maria e o de Jesus pulsaram, conjuntamente, por nove meses. O Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria se contorcem de amor pela humanidade.

Temos hoje, como salmo de meditação, a oração de agradecimento de Ana, depois do nascimento de seu filho Samuel. O coração de Ana se alegra pela sua gravidez, seu parto e demais manifestações poderosas de Deus. O coração de Nossa Senhora sentiu o mesmo no Magnificat (compare 1Sm 2,1-10 com Lc 1,46-55; cf. nossa leitura v. 10).

Como aconteceu com a festa do Coração de Jesus, a do Coração Imaculado de Maria foi patrocinada pelos místicos e pelos santos. São João Eudes foi pai, doutor e o primeiro apóstolo da devoção ao Imaculado Coração de Maria. Ele não separava nunca os dois corações. Com alguns religiosos de sua congregação, em 1648, começou a celebrar a festa. Em 1668 foram compostos os textos litúrgicos para a França. Em 1805, Pio VII permitiu que fosse celebrada após o pedido explícito do bispo. Papa Pio XII, recordando a Consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria em 1942, estendeu a festa para toda a Igreja em 1944. Mas foi, sobretudo, depois das Aparições de Fátima em 1917 que se divulgou pelo mundo a devoção ao Imaculado Coração de Maria. Depois do Sagrado Coração de Jesus, o coração de Maria conquistou lugar relevante na piedade dos fiéis. Igrejas, associações, congregações, confrarias, paróquias, novas comunidades e outras realidades eclesiais foram dedicadas ao Imaculado Coração de Maria.

Numa das aparições em Fátima em 1917, Nossa Senhora mostrou o seu Coração Imaculado circundado de espinhos. À Lúcia, vidente de Fátima, noutra aparição, desdobrando as de Fátima, Nossa Senhora explicou que os espinhos eram ingratidões dos homens e que eles poderiam consolá-la se confessassem e rezassem o Rosário. Nossa Senhora quer que o nosso coração entre em sintonia com o seu coração. “Se fizerem o que vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz” disse ela em Fátima no dia 13 de junho de 1917.

 

Leitura: Is 61,9-11

Como exemplo da sintonia dos corações de Jesus e de Maria, a 1ª leitura apresenta versículos do mesmo capítulo que Jesus leu na sinagoga de Nazaré e começou assim: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque o Senhor me ungiu. Ele me enviou para dar a boa notícia aos pobres, para curar os corações feridos, para proclamar a libertação dos escravos e pôr em liberdade os prisioneiros, para promulgar o ano da graça do Senhor” (Is 61,1-2).

Após sair da escravidão do cativeiro (exílio na Babilônia, 586-538 a.C.), o Terceiro Isaías (Trito-Isaias) escreve os cap. 56-66 na época persa. É preciso caminhar para a libertação e dar-lhe consistência, restaurando o país. Os estrangeiros já não irão explorar, mas participarão da partilha, através do trabalho (vv. 4-5). Dessa maneira, o povo será sacerdote ou ministro de Deus (v. 6), oficiante de um culto que agrada ao Senhor (cf. cap. 58). Se há injustiça no país, exige-se conversão; se a injustiça vem de fora por mão de outros, deverão ser enfrentados. Direito e justiça são o fiel da balança (v. 8a); através deles haverá alegria (v. 7), fidelidade a Deus (aliança, v. 8b) e, na leitura de hoje, bênção e reconhecimento das nações (v. 9).

A descendência do meu povo será conhecida entre as nações, e seus filhos se fixarão no meio dos povos; quem os vir há de reconhecê-los como descendentes abençoados por Deus (v. 9).

Em imagem vegetal, a bênção patriarcal (cf. Gn 12,2-3) revela a ação de Deus em vv. 9 e 11: “A descendência do meu povo será conhecida entre as nações, e seus filhos [lit. rebentos] se fixarão no meio dos povos” (v. 9) e “Assim como a terra faz brotar a planta e o jardim faz germinar a semente, assim o Senhor fará germinar a justiça e a sua glória diante de todas as nações” (v. 11; cf. 45,8).

Exulto de alegria no Senhor e minha alma regozija-se em meu Deus; ele me vestiu com as vestes da salvação, envolveu-me com o manto da justiça e adornou-me como um noivo com sua coroa, ou uma noiva com suas jóias (v. 10).

O v. 10 já pode pertencer à seção seguinte (cap. 62: Jerusalém reencontra seu marido Javé) e serve de inclusão pelo tema dos noivos (cf. Ap 19,7s; 21,2). Também pode ser lido como transição entre uma mensagem para o povo e outra para Jerusalém (62,1-12). “Exulto de alegria no Senhor e minha alma regozija-se em meu Deus” (v. 10a; cf. 1Sm 2,1: Lc 1,46).

“Ele me vestiu com as vestes da salvação, envolveu-me com o manto da justiça e adornou-me como um noivo com sua coroa, ou uma noiva com suas jóias” (v. 10b). O que se traduz “adornar com coroa” ou “diadema”, no texto literal está: “o noivo se comporta como sacerdote (com) turbante esplêndido”. É a mesma palavra de v. 3, designa um turbante de cerimônia seja para homens (Ez 24,17.23), seja para mulheres (Is 3,20), seja para sacerdotes (Ex 39,28: Ez 44,18): “para transformar sua cinza em coroa [lit. turbante esplêndido], seu luto em perfume de festa, seu abatimento em roupa de gala” (v. 3).

Assim como a terra faz brotar a planta e o jardim faz germinar a semente, assim o Senhor Deus fará germinar a justiça e a sua glória diante de todas as nações (v. 11).

Mais importante é a bênção da justiça para distinguir a estirpe escolhida. A maldição do pecado será anulada (59,9-15); a nova videira dará fruto esperado (cf. 5,7); em virtude dela, serão “carvalhos da justiça, plantação do Senhor” (61,3). A cidade feita um jardim de justiça, começa a ressoar cânticos de louvor que outros povos escutam: porque o louvor sem a justiça não era aceito (1,10-20). A cidade poderá chamar-se “cidade fiel” (1,26), “cidade não abandonada… minha querida…desposada” (62,12) e as portas, “louvor” (60,18).

 

Evangelho: Lc 2,41-51

A pergunta sobre a pessoa de Jesus leva a pergunta sobre suas origens. A falta de informações sobre a infância de Jesus no primeiro evangelho Marcos (por volta de 70 d.C.) levou os evangelistas Mt e Lc (entre 80 e 85 d.C.) a escreverem histórias que são em boa parte mais simbólicas do que informações históricas exatas (até se contradizem em partes, ex. a fuga ao Egito ou a volta imediata a Nazaré), mas servem de introduções à parte central de cada evangelho. Só o evangelista Lucas escreve algo sobre o tempo entre a infância e a idade adulta de Jesus. A narração de Lucas sobre o episódio do adolescente Jesus põe em primeiro plano a relação suprema e misteriosa de Jesus com o Pai, mas na festa de hoje contemplamos a dor e o desespero da mãe por causa do seu filho desaparecido, mas também a meditação dos fatos no seu “coração” (v. 51).

Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, para a festa da Páscoa. Quando ele completou doze anos, subiram para a festa, como de costume (vv. 41-42).

Para seus leitores greco-romanos, Lc quer apresentar a infância de Jesus dentro dos costumes da sua religião judaica. Já contou a circuncisão na sinagoga de Belém (v. 21) e a apresentação no templo de Jerusalém (vv. 22-40). “Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém” (v. 41) para celebrar a Páscoa, de acordo com lei do Senhor (Dt 16,1-8; cf. o paralelo com 1Sm 1,3.21; 2,19). Jesus completou os doze anos, a idade em que todo judeu assume suas obrigações legais. Poderíamos comparar os nossos sacramentos batismo e crisma com os ritos no judaísmo: a marca inicial da ”circuncisão” (cf. 2,21) com a qual o menino faz parte do povo de Deus, desemboca na entrega da lei, ou seja, com 12 anos o menino judeu recebe a Torá (Lei de Moisés) para ler na sinagoga (esta festa se chama “Bar Mitzva”). Jesus tem agora obrigação de ir a Jerusalém também.

E a segunda viagem explícita de Jesus a Jerusalém e ao templo (a primeira, 40 dias após o nascimento nos braços dos pais, cf. vv. 22-40) e a primeira menção de uma iniciativa independente e consciente de Jesus.

Passados os dias da Páscoa, começaram a viagem de volta, mas o menino Jesus ficou em Jerusalém, sem que seus pais o notassem. Pensando que ele estivesse na caravana, caminharam um dia inteiro. Depois começaram a procurá-lo entre os parentes e conhecidos. Não o tendo encontrado, voltaram para Jerusalém à sua procura (vv. 43-45).

No oriente, há caravanas e famílias maiores, por isso pais não notaram a ausência de Jesus. Supõe que a caravana se dividia em vários grupos. Tampouco entre “parentes e conhecidos” (v. 44) encontra se agora Jesus. Mais tarde, Jesus será procurado outra vez por sua mãe e seus irmãos e vai se referir a seus discípulos como parentes (cf. 8,18-21p): “aqueles que ouvem a palavra de Deus e a põem em prática”. Aqui José participa da procura, será sua última menção como pessoa viva nos evangelhos.

Três dias depois, o encontraram no Templo. Estava sentado no meio dos mestres, escutando e fazendo perguntas. Todos os que ouviam o menino estavam maravilhados com sua inteligência e suas respostas (vv. 46-47).

“Três dias depois, o encontraram no templo” (v. 46; três dias depois da sua morte, Jesus será encontrado vivo na Páscoa; cf. cap. 24). “Estava sentado no meio dos doutores, escutando e fazendo perguntas,” como antecipação das futuras discussões em Jerusalém (cap. 20; cf. Eclo 9,14-15). Já em v. 40, ainda em Nazaré, Jesus “se enchia de sabedoria”, como depois em v. 52.

Ao vê-lo, seus pais ficaram muito admirados e sua mãe lhe disse: “Meu filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu estávamos, angustiados, à tua procura”. Jesus respondeu: “Por que me procuráveis? Não sabeis que devo estar na casa de meu Pai?” (vv. 48-49).

A procura por Jesus e sua resposta em forma de pergunta prefigura de certa maneira a procura pelo corpo do ressuscitado e a resposta do anjo no túmulo vazio: “Porque procurais entre os mortos aquele que está vivo?” (24,5). Na pergunta da mãe é descarregada a angustia acumulada, a forma da pergunta pertence como acusação ao pleito ou querela. A referência a “teu pai” contrasta com a resposta “meu Pai” (outros traduzem: “ocupar-me com as coisas do meu Pai”). Jesus afirma, na presença de José (v. 48), ter Deus por Pai (cf. 10,22; 22,29; Jo 20,17), e reivindica para se relações com o Pai, as quais ultrapassam as da família humana (cf. Jo 2,4). É a primeira descrição nos evangelhos da sua consciência de ser “o Filho de Deus”.

Eles, porém, não compreenderam as palavras que lhes dissera. Jesus desceu então com seus pais para Nazaré, e era-lhes obediente. Sua mãe, porém, conservava no coração todas estas coisas (vv. 50-51).

Cheio de “sabedoria e graça” (vv. 40.52), Jesus dá uma lição dolorosa a seus pais constatando duas paternidades. Dá também uma lição aos doutores da lei no templo de Jerusalém. Jesus é filho carnal de Maria, pela qual está ligado fisicamente à humanidade. Está ligado a ela por afeto e submissão filial. Mas esta relação fica relativizada e submetida à outra superior. Jesus é filho legal de José pelo qual fica registrado oficialmente como descendente de Davi. Mas também a sua relação com José fica relativizada e submetida à relação de Jesus com o Pai. O adolescente está cortando muito vínculo com um só gesto que por isso se torna espetacular e dramático na narração de Lc, como ação simbólica. Não pede permissão, porque recebe ordens diretamente do Pai. Maria e José ficam implicados, têm que contribuir, com sua angustia e dor para a trama: no final, esses atores não compreendem completamente.

Maria se recolherá para acolher e guardar no coração o grande mistério de Jesus. O mistério de Jesus é profundo e ainda não está totalmente revelado (até hoje, até sua revelação no fim dos tempos). “Sua mãe, porém, conservava no coração todas estas coisas” (v. 51). No seu livro sobre a infância de Jesus, o papa Bento XVI repete a teoria de que o evangelista Lc teria tido informações privilegiadas da família de Jesus, como indicaria a meditação no coração de Maria duas vezes, aqui e em 2,19: “Maria, contudo, conservava cuidadosamente todos esses acontecimentos e os meditava em seu coração.“

A lacuna na biografia de Jesus entre os 12 e os 30 anos (mais ou menos, quando foi batizado, cf. 3,23) levou a várias especulações fantasiosas, como uma estadia no Egito (cf. Mt 2) ou na Índia onde teria aprendido com mestres místicos. Mas a doutrina de Jesus adulto não revela nada de outras influências fora do seu país, ao contrário, está aprofundando a doutrina do Antigo Testamento dentro do contexto judaico da sua época (cf. Mc 12,28-34 etc.).

 

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