25 de Agosto 2019, Domingo: “Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão” (v. 24).

21º Domingo do Tempo Comum  

1ª Leitura: Is 66,18-21

Ouvimos um trecho do Trito-Isaías (terceiro Isaías, caps. 56-66), que escreve no pós-exílio. Os judeus que voltam do exilio babilônico (a partir de 538 a.C.) se consideram o verdadeiro Israel e legítimo dono da terra. Esdras e Neemias promovem a reconstrução do templo de Jerusalém e da muralha, mas fecham os judaísmo reforçando a pureza ritual e proibindo casamentos com estrangeiras. O grupo do Trito-Isaías, porém, propõe uma inclusão de mais pessoas (cap. 56: eunucos, estrangeiros) ao templo.

A leitura de hoje é um acréscimo posterior para concluir os caps. 40-66, ou até mesmo o livro inteiro de Isaías, e apresenta uma visão universal (cf. 2,1-5; Zc 8,1-23): todos os povos se converterão, e os dispersos de Israel serão reconduzidos como oferta ao Templo de Jerusalém. Entre eles, alguns serão escolhidos para exercerem o sacerdócio.

A Bíblia do Jerusalém (p. 1472) comenta os vv. 18-24: Todas as nações serão convertidas e reconduzirão os dispersos de Israel a Jerusalém em oferenda a Deus, mas é Israel que recebe as promessas eternas. Em nenhum outro passo no AT o universalismo e o particularismo se encontram tão justapostos.

(Assim diz o Senhor:) Eu que conheço suas obras e seus pensamentos, virei para reunir todos os povos e línguas; eles virão e verão minha glória (v. 18).

Em v. 17, o julgamento de Deus fará perecer os idólatras.  Despojados os ídolos, é o verdadeiro Deus que se tornará o objetivo das iniciativas dos seres humanos, seu centro de congraçamento.

Como outros profetas do exílio ou pós-exílio, o Terceiro Isaías anuncia que Deus reunirá os judeus, mas aqui reunirá também os outros povos e línguas; promessa que se traduz em Pentecostes e na universalidade de Igreja Católica (a palavra grega cathólica significa: para todos, universal).

Porei no meio deles um sinal, e enviarei, dentre os que foram salvos, mensageiros para os povos de Tarsis, Fut, Lud, Mosoc, Ros, Tubal e Javã, para as terras distantes, e, para aquelas que ainda não ouviram falar em mim e não viram minha glória (v. 19a).

“Os que foram salvos (lit. sobreviventes)” dentre as nações (cf. 45,20-25) são os convertidos. São também enviados a pregar a fé por todo o mundo. É notável que estes primeiros “missionários” de que se fala sejam pagãos convertidos.

Na época de Jesus houve um certo proselitismo (tentativa, às vezes fanática, de converter pessoas para própria religião e, no caso dos judeus, aceitar a circuncisão), mas em si, o judaísmo não é muito missionário. Os judeus de hoje, porém, reconhecem que a Torá (Lei de Moisés), os profetas e escritos sapienciais, ou seja, o Antigo Testamento se tornou conhecido na maior parte do mundo através dos missionários cristãos e não dos judeus.

A lista de nações é uma adição que tira seus elementos de Ez 27,10-13 (cf. Ez 38-39) e pode ser comparada com a de 11,11. As identificações prováveis são: Tarsis, provavelmente o sudoeste da Espanha (cf. 60,9; Gn10,4). Fut (segundo grego e latim, melhor que Pul, hebr., talvez Líbia) e Lud designam populações do litoral africano do mar Vermelho, desde o Sudão até a Somália (cf. Gn 10,6.13; Jr 46,9). Mosoc (assim o grego; “arqueiros”, mosheqê qeshet, hebr.) é a Frígia. Tuba(l) está no sul do mar Negro (cf. Gn 10,2), pode ser a Cilícia. Javã é a terra dos jônicos ou gregos (cf. Gn 10,2-4 etc.).

Esses enviados anunciarão às nações minha glória, e reconduzirão, de toda parte, até meu santo monte em Jerusalém, como oferenda ao Senhor, irmãos vossos, a cavalo, em carros e liteiras, montados em mulas e dromedários, – diz o Senhor – e como os filhos de Israel, levarão sua oferenda em vasos purificados para a casa do Senhor (19b-20).

Todo trecho de vv. 18-24 deveria ser em verso; possivelmente foi desfigurado pela inserção da lista de nações do v. 19 e da dos meios de transporte do v. 20.

Os missionários incentivam a volta dos exilados (irmãos vossos) e a peregrinação das nações povos ao monte Sião (cf. 2,2-5). Continua e fecha a série de 43,6s; 49,22s; 60,4.9. Hoje em dia, é o turismo religioso que atrai pessoas de longe a Jerusalém e a Terra Santa

Escolherei dentre eles alguns para serem sacerdotes e levitas, diz o Senhor (v. 21).

Continua a mesma extraordinária abertura do v. 19. Os estrangeiros prestam serviço, o povo é sacerdotal (cf. 61,5). Pagãos convertidos terão acesso ás funções do culto.

A Tradução Ecumênica da Bíblia comenta: O Senhor chamará ao sacerdócio: ou judeus regressados da diáspora, sem que se exija deles uma ascendência sacerdotal (cf. Esd 2,62; Ne 7,64); ou estrangeiros convertidos que tiverem feito tudo para facilitar a volta das caravanas de judeus, sem que se exija deles uma ascendência israelita (cf. 56,3-7).

 

2ª leitura: Hb 12,5-7; 11-13

O autor anônimo de Hb prepara a comunidade desanimada para resistir às perseguições (cf. 10,32-34) e continuar a luta contra o pecado, “até ao sangue” do martírio (v. 4). Na leitura de hoje, compara o sofrimento com a disciplina na educação da época.

Já esquecestes as palavras de encorajamento que vos foram dirigidas como a filhos: “Meu filho, não desprezes a educação do Senhor, não te desanimes quando ele te repreende; pois o Senhor corrige a quem ele ama e castiga a quem aceita como filho”. É para a vossa educação que sofreis, e é como filhos que Deus vos trata. Pois qual é o filho a quem o pai não corrige? (vv. 5-7).

O autor acabou de explicar os sofrimentos como esforço esportivo para alcançar a meta (vv. 1-3). Agora aplica o modelo da educação paterna, severa e afetuosa, segundo os costumes dos antigos que valorizavam a disciplina, a “instrução pela correção” (cf. Jó 5,17; 33,19; Sl 94,12; Pr 13,1; 22,15; Eclo 1,27; 4,17; 23,2; 30,1-13).

A pedagogia moderna não concorda com métodos autoritários e castigos físicos, mas sabe também que não é suficiente amar os filhos, mas há de educá-los, não se deve mimá-los, mas demonstrar os limites com clareza e firmeza. É necessário também fazer os filhos se descobrirem a si mesmos e desenvolverem seu próprio potencial (cf. a reciprocidade em Cl 3,20s: não só obediência, mas “encorajamento”).

No momento mesmo, nenhuma correção parece alegrar, mas causa dor. Depois, porém, produz um fruto de paz e de justiça para aqueles que nela foram exercitados (v. 11).

O autor, porém, não tem a intenção de ensinar pedagogia, mas quer fazer uma comparação explicando o sentido do sofrimento: “No momento mesmo, nenhuma correção parece alegrar, mas causa dor. Depois, porém, produz um fruto de paz e de justiça” (v. 11; cf. Rm 8,17s).

Os sofrimentos que uma perseguição, uma doença ou uma miséria trazem não são necessariamente castigo pelos próprios pecados, mas pode ser a consequência do pecado e da violência de outrem (o próprio Jesus, servo sofredor, carregou os nossos pecados; cf. Is 53).

Ao contrário, os sofrimentos de que Hb fala, são sinais de que Deus está perto. Ele não está longe e indiferente, mas é um Pai que nos ama e educa, como no deserto educava o povo submetendo-o a prova (Dt 8,1-5). Se respeitamos os nossos pais como educadores, devemos ser “mais submissos ao Pai dos espíritos, a fim de vivermos?” (cf. vv. 8-10; omitidos pela liturgia de hoje)

A provação é aqui vista como uma correção que supõe e manifesta a paternidade de Deus, “pois o Senhor corrige a quem ama e castiga quem ama como filho” (v. 5 cita Pr 3,11-12). Assim as provações fazem sentido (sem provas nas escolas, quem irá aprender muita coisa?).

Portanto, “firmai as mãos cansadas e os joelhos enfraquecidos; acertai os passos dos vossos pés”, para que não se extravie o que é manco, mas antes seja curado (vv. 12-13).

As expressões dos vv. 12-13 (citações de Is 35,3; Pr 4,26) trazem de volta a comparação com a corrida (cf. v. 1) introduzindo a próxima seção: caminhar com firmeza rumo a Jerusalém celeste (cf. v 22).

 

Evangelho: Lc 13,22-30

Em Lc, Jesus continua seu caminho para Jerusalém, decidido e consciente da sua morte e ressurreição que ocorrerão lá (cf. 9,22.44.51). Neste caminho, Lc insere material da fonte Q (coleção perdida de palavras de Jesus) que Mt também usa (cf. Mt 7,13-14; 21-23; 25,1-13).

Jesus atravessava cidades e povoados, ensinando e prosseguindo o caminho para Jerusalém. Alguém lhe perguntou: “Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam?” (vv. 22-23).

A pequenez no início do reino de Deus (cf. vv. 18-21, parábolas da semente de mostarda e do fermento) suscita a pergunta sobre o número dos que se salvam. Soa na pergunta a concepção clássica do “resto” (de Israel/Judá), que se salva e assegura a continuidade do povo (Is 4,3; 11,11; Mq 4,7; 5,6s; Jr 31,7 etc.; cf. Rm 9,27 citando Is 10,22s). Aqui se trataria do resto que passará à nova e definitiva era, que entrará no Reino de Deus. É importante advertir que a pergunta que se faz no “caminho para Jerusalém”. Da geração que havia saído do Egito, apenas dois homens (Josué, Caleb) entraram na terra prometida (cf. Nm 13-14). Quantos entrarão na cidade de Jerusalém celeste (cf. Ap 7 e 21)?

A Bíblia do Peregrino (p. 2503s) comenta: A pergunta pode ser colocada em termos étnicos: salvar-se-ão todos os judeus, todo Israel? A profecia de Daniel parece ambígua: “teu povo… se salvará, todos os inscritos no livro. Muitos dos que dormem no pó acordarão. Uns para vida eterna e outros para o opróbrio, para o horror eterno” (Dn 12,1-2).

Jesus respondeu: “Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão” (v. 24).

A primeira resposta passa da curiosidade à admoestação com o vigoroso imperativo “lutai” (“fazei todo esforço”; cf. 16,16 e a disputa em 22,24.36; os esforços em 1Cor 9,25; Cl 1,29; as Cartas Pastorais se referem à luta apostólica, cf. 1Tm 6,12; 2Tm 4,7-8). A porta é “estreita” e é preciso abrir passagem à força para entrar na casa. Que “muitos tentarão entrar e não conseguirão” não exclui que também muitos consigam. A resposta de Jesus é intencionalmente ambígua: salvam-se poucos e muitos (se lemos a parábola seguinte até o v. 30, ou seja, até a mudança de interlocutor em v. 31).

Seguir Jesus pelo caminho a Jerusalém não é fácil, comporta renúncias, sacrifícios, a cruz (cf. 9,23-26.57-62). Um rico, que queria herdar a vida eterna, não conseguiu seguir a Jesus, que comenta depois: “Como é difícil para um rico entrar no reino de Deus, é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha…” (cf. 18,15-27). A renúncia produz a paz e a tranquilidade de vida para o ambiente. O bem da paz nasce de um sacrifício. O próprio Jesus se oferece como caminho (Jo 14,6), como porta (Jo 10,7.9) e como sacrifício universal (o cordeiro de Jo 1,29.36).

O texto paralelo em Mt 7,13-14 apresenta a resposta de Jesus dentro do sermão da montanha na forma da doutrina dos dois caminhos, o do bem e o do mal (cf. Dt 30,15-20; Sl 1; Pr 4,10-19; 12,28; 15,24; Eclo 15,17; 33,14). É novo o critério de largueza e estreiteza (cf. o caminho largo de Sl 119,45; 18,37): “Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta e espaçoso é o caminho que leva à perdição, e muitos são os que entram por ele. Como é estreita a porta e apertado o caminho que leva à vida! E são poucos os que o encontram” (Mt 7,13-14).

Uma vez que o dono da casa se levantar e fechar aporta, vós, do lado de fora, começareis a bater, dizendo: “Senhor, abre-nos a porta!” Ele responderá: “Não sei de onde sois” (v. 25).

A Bíblia do Peregrino (p.2504) comenta: Segue-se a imagem da porta de entrada que dono da casa controla (recorda-se Gn 19,1-11). Não bastava ter convivido fisicamente com Jesus para ter salvo-conduto assegurado; nem bastava uma neutralidade cortês. Era preciso tomar partido (12,8-9). É verdade que conviveram com Jesus, pois ele escolheu conviver com eles. Todavia, passou o tempo em que ao quem bate à porta será aberto (11,9).

Mt 25,1-13 transformou a cena numa festa nupcial (parábola das dez virgens esperando pelo noivo).

Então começareis a dizer: “Nós comemos e bebemos diante de ti, e tu ensinaste em nossas praças!” Ele, porém, responderá: “Não sei de onde sois. Afastai-vos de mim todos vós que praticais a injustiça!” (vv. 26-27).

Em Lc, alega-se a convivência (cf. os conterrâneos na sinagoga de Nazaré em 4,22 e Mc 6,3p, ou os comensais em Lc 7,36; 14,1ss); no paralelo de Mt se fala da prática de fé através de milagres e exorcismos: “Naquele dia, muitos vão me dizer: ‘Senhor, Senhor, não foi em teu nome que expulsamos demônios? E não foi em teu nome que fizemos muitos milagres?’ Então eu lhes direi publicamente: ‘Jamais vos conheci. Afastai-vos de mim, vós que praticais o mal’” (Mt 7,21-23).

Em Mt, a admoestação é grave, termina com uma sentença definitiva de condenação: “Afastai-vos de mim, vós que praticais o mal!”, é uma adaptação do Sl 6,9, súplica de um doente. Também Lc chama os excluídos de “malfeitores” (“praticais a injustiça”, v. 27); na parábola das dez virgens são as imprudentes, despreparadas (Mt 25,10-12). Para ambos os evangelistas, uma convivência sem o testemunho de fé, tampouco uma prática de fé sem a misericórdia para com os pobres, não garantem a salvação, ao contrário, excluem dela (cf. Mt 25,31-46; Lc 16,19-31).

Ali haverá choro e ranger de dentes, quando virdes Abraão, Isaac e Jacó, junto com todos os profetas no Reino de Deus, e vós, porém, sendo lançados fora. Virão homens do oriente e do ocidente, do norte e do sul, e tomarão lugar à mesa no reino de Deus (vv. 28-29).

Alarga-se a visão escatológica. Fora da casa, do reino, ficam judeus excluídos, “lançados fora”; desesperados e de fora verão o grande banquete do Reino (Is 25,6-8). Cf. os hedonistas insensatos ao comparecer ao julgamento: “Ao vê-lo, estremecerão de pavor, atônitos diante da salvação inesperada; dirão… entre soluços de angústia: … nós insensatos!” (Sb 5,2-4). Os convidados serão os patriarcas do povo de Israel (Abraão, Isaac e Jacó) e muitos pagãos (em Mt 8,12 a frase está inserida na cura do servo-filho do centurião romano) das quatro partes do mundo (cf. Sl 107,3: “todos os resgatados do Senhor”).

Inspirado em Is 25,6; 55,1-2; Sl 22,27 etc., o judaísmo apresentou a era messiânica muitas vezes sob a imagem de um festim (cf. 14,15s; 16-24; 22,16.18.30; Mt 22,2-14; 26,29p; Ap 3,20; 19,9) em que os eleitos estão reunidos ao redor dos patriarcas e dos profetas (cf. Lázaro no seio de Abraão em 16,22). Para pertencer ao povo de Deus, não basta pertencer à raça de Abraão (cf. 3,8p; Jo 8,33-41), mas é preciso acolher Jesus, para ser conhecido pelo juiz (vv. 25-27).

Jesus vislumbra a rejeição do messias e do evangelho pelo seu próprio povo (cf. Mt 27,25), enquanto os pagãos demonstram mais abertura, “abrindo a porta da fé” (At 14,27; cf. At 13,46-48; 18,5s, etc.). Eles vão tomar o lugar daqueles judeus, herdeiros naturais das promessas (cf. Mt 21,43; Rm 9,3-5), mas não acreditando no Cristo ficarão “fora nas trevas” (Mt 22,13; 25,30) com “choro e ranger de dentes” (expressão de dor terrível; cf. Mt 13,42.50; 22,13; 24,51; 25,30). Enquanto Mt 8,12 dirige esta ameaça ao conjunto de judeus, Lc só visa aos ouvintes incrédulos de Jesus.

E assim há últimos que serão primeiros e primeiros que serão últimos (v. 30).

Este provérbio é de aplicação múltipla nos evangelhos (cf. Mt 19,30; 20,16; Mc 10,31). Alguns que foram chamados primeiro serão os últimos (e não entrarão); outros chamados na última hora se adiantarão aos primeiros lugares.

O site da CNBB comenta: A porta larga que o mundo oferece para as pessoas é a busca da felicidade a partir do acúmulo de bens e de riquezas. A porta estreita é aquela dos que colocam somente em Deus a causa da própria felicidade e procuram encontrar em Deus o sentido para a sua vida. De fato, muitas pessoas falam de Deus e praticam atos religiosos, porém suas vidas são marcadas pelo interesse material, sendo que até mesmo a religião se torna um meio para o maior crescimento material, seja através da busca da projeção da própria pessoa através da instituição religiosa, seja por meio de orações que são muito mais petições relacionadas com o mundo da matéria do que um encontro pessoal com o Deus vivo e verdadeiro. Passar pela porta estreita significa assumir que Deus é o centro da nossa vida.

Voltar