29 de Junho de 2020, Segunda-feira: “As raposas têm suas tocas e as aves dos céus têm seus ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (vv. 19-20).

13ª Semana do Tempo Comum 

 Leitura: Am 2,6-10.13-16

Nesta semana ouvimos o livro de Amós, o mais antigo dos livros proféticos. É o terceiro colocado na Bíblia hebraica e latina (o segundo na Bíblia grega) dentro dos doze Profetas Menores (menores não em importância, mas em volume; cf. Eclo 49,10). Amós era um homem da roça, um “vaqueiro” (7,14 hebraico; no texto grego: “pastor de cabras”) que se tornou profeta e criticava a injustiça social. Aqui a breve introdução da Bíblia Sagrada Edição Pastoral (p. 1123):

Em meados do século oitavo antes de Cristo, pelo ano 760, um sitiante (7,14) chamado Amós «caiu na arapuca» de Deus (3,5), deixou sua vida tranquila no Sul e foi anunciar e denunciar no Norte, onde reinava Jeroboão II (1,1). Um «leão começava a rugir» (3,8): era Javé colocando em polvorosa todo um regime de injustiças. Amós acabou sendo expulso, mas antes rogou uma praga em cima do sacerdote Amasias, que presidia o culto em Betel, de acordo com a vontade do rei (7,10-17).

Por que a palavra de Amós incomodava tanto? Exatamente porque ele anunciava que o julgamento de Deus iria atingir não só as nações pagãs, mas também, e principalmente, o povo escolhido; este já se considerava salvo, mas na prática era pior do que os pagãos (1,3-2,16). E Amós não se contentava em denunciar genericamente a injustiça social. Ele «dava nome aos bois»: os ricos que acumulavam cada vez mais, para viverem em mansões e palácios (3,13-15; 6,1-7), criando um regime de opressão (3,10); as mulheres ricas que, para viverem no luxo, estimulavam seus maridos a explorar os fracos (4,2-3); os que roubavam e exploravam e depois iam ao santuário rezar, pagar dízimo, dar esmolas para aplacar a própria consciência (4,4-12; 5,21-27); os juízes que julgavam de acordo com o dinheiro que recebiam dos subornos (5,10-13); os comerciantes ladrões e os «atravessadores» sem escrúpulo que deixavam os pobres sem possibilidades de comprar e vender as mercadorias por preço justo (8,4-8).

Em cinco visões, Amós anuncia o fim do reino do Norte, porque aí a situação era insustentável diante de Deus (7,1-3; 7,4-6; 7,7-9; 8,1-3; 9,1-4).

No estado atual, o livro de Amós termina com um toque de esperança (9,11-15). Tal esperança foi vislumbrada pelos judeus que, dois séculos depois, se encontravam na Babilônia e acrescentaram este trecho, conscientes de se terem purificado do seu pecado, no amargor do exílio.

Depois da apresentação inicial do profeta (v. 1), o livro afirma que “Javé rugirá de Sião” (v. 2) , seja através da voz de Amós que vem do reino do Sul (Judá), seja porque Jerusalém, a capital de Judá edificada na colina de Sião, é o lugar onde o Senhor (Javé) habita (cf. Dt 12,5). Em seguida, oráculos contra seis nações vizinhas são pronunciados acentuando a justiça de Javé que castiga em todos os povos qualquer tipo de injustiça (1,3-2,3; os vv. 2,3-5 contra Judá podem ser um acréscimo posterior). Israel, o reino do Norte, vem em último lugar para mostrar que o castigo também o atingirá, como os outros. Os oráculos contra as nações são um elemento habitual da pregação profética (Is 13-23; Jr 46-51; Ez 25-32). Mas incluindo Israel, Amós provocou, com certeza, a estupefação e a cólera de seus ouvintes, indignados por serem igualados aos pagãos.

Isto diz o Senhor: “Pelos três crimes de Israel, pelos seus quatro crimes, não retirarei a palavra (v. 6a).

Igual aos oráculos anteriores contra os outros povos, uma fórmula numérica abre a acusação contra Israel. Esta fórmula, n+1, é típica da literatura sapiencial (Pr 30,15s.18s.23.29-31; Eclo 25,7-9; 26,5.28; cf. Am 4,8; Is 17,6; Jr 26,23). É curioso que dos quatro anunciados só se menciona um só delito, o que faz exceder a medida e perder a paciência, quer dizer: o tempo do julgamento chegou. Os delitos mencionados de todos estes povos não são contra a religião, mas contra os “direitos humanos”.

A Bíblia do Peregrino (p. 2209) introduz nossa leitura: O oráculo final contra Israel perde seu caráter de sentença motivada e se alarga em forma de discurso de acusação pronunciado pela parte ofendida. O Senhor não figura aqui como juiz da história que, do alto de sua instância suprema, julga relações e delitos internacionais. O Senhor é aqui a parte ofendida que se queixa contra o ofensor, prova a sua inocência e a culpa do outro, exerce seu direito à justiça vindicativa. O fundamento da queixa é o compromisso mútuo da aliança; os benefícios concedidos são uma agravante; os pecados são principalmente de injustiça social.

Porque eles vendem o justo por dinheiro e o indigente, pelo preço de um par de chinelos; pisam, na poeira do chão, a cabeça dos pobres, e impedem o progresso dos humildes; filho e pai vão à mesma mulher, profanando meu santo nome; deitando-se junto a qualquer altar, usando roupas que foram entregues em penhor, bebem vinho à custa de pessoas multadas, na casa de Deus (vv. 6a-8).

Os profetas protestam muitas vezes, contra a venalidade da justiça (cf. 5,7.12; 6,12; Is 1,23; Jr 22,3; Mq 3,1-3.9-11; 7,1-3 etc.): a justiça dos tribunais vende-se; os juízes condenam por motivos irrisórios ou em troca de um “par de chinelos”, um presente sem valor. Mas a sandália pode também aludir a um rito de transação (cf. Rt 4,2); então a acusação denunciaria a venda de um inocente salvando-se as aparências do direito.

O primeiro adjetivo, “justo”, qualifica os outros três: “indigente”, “pobres, “humildes”; não são delinquentes, nem devedores, ou suas dívidas são apenas minúsculas. São vítimas inocentes.

A avidez dos grandes é outro tema profético (cf. 8,4-6; Is 1,17.23; 3,14; Mq 2,1-2. 8-11; 3,9-11; 6,9-12; Sf 1,9; Jr 2,34; Ez 22,29). O v. 7 é um texto difícil de traduzir: “são ávidos”, ou eles “pisam” (esmagam; assim o texto da nossa liturgia);  “na (sobre o) poeira da terra” (omitido pelo grego) é, às vezes, considerado como adição (jogar “poeira na cabeça” é sinal de desolação; cf. Js 7,6; Ne 9,1; Ap 18,19). Impedir o “progresso” (lit. caminho), quer dizer impedir o direito e os meios de progredir e de viver. A acusação denuncia a garra em despojar os pobres: chega-se a lançar um chefe de família na miséria e todos os seus no desespero, para no fim abusar de sua filha (“mesma mulher”), reduzida a escravidão (cf. Ex 21,7-11; Lv 18,8).

Ou poder-se-ia ler também nesta última frase uma denúncia da prostituição sagrada, “deitando-se junto a qualquer altar”? Talvez o caso do pai e do filho indo para mesma mulher seja o primeiro de três delitos relacionados com o culto ou santidade. Mas a mulher é chamada de “moça”, não prostituta estrangeira ou de profissão, e menos ainda prostituta sagrada (cf. Os 4,14; Dt 23,18). Trata-se, então de uma escrava da casa tomada como objeto de prazer pelo pai e pelo filho. O delito não é a simples fornicação, mas que pai e filho tenham relações com a mesma mulher (cf. Dt 23,1; 27,20; Lv 18,18; Gn 35,22; 1Cor 5,1). O que se condena, não é tanto a aparência de incesto, mas a degradação infligida a um ser humano. O que atinge a dignidade do homem ou da mulher atinge a Deus. A desonra da moça (israelita) redunda em desonra do Senhor, “profanando meu santo nome”. O profeta revela a natureza dessas faltas: em Israel, os atos contrários a justiça social mancham a própria pessoa de Deus.

Quando o devedor era insolvente, confiscavam-se-lhe todos os bens; até seu manto era tomado em “penhor”, mas a lei exigia a restituição (Ex 22,25s; Dt 24,12s.17). Aqui ao contrário, tal exação é misturada com os atos culturais, “usando roupas penhoradas, bebem vinho confiscado na casa de Deus”, nos banquetes sagrados que sucedem aos sacrifícios (cf. Eclo 34,20). Lit. “casa de seu deus”: trata-se, sem duvida, de Javé, mas ele é rebaixado ao nível de um ídolo quando é honrado com bens tirados aos infelizes sob a aparência de legalidade como multa ou confisco dos bens de um devedor que não pode pagar (cf. Eclo 34,20). As “multas” eram pagas no templo ou ao prejudicado como compensação (cf. Ex 21,22; Dt 22,19). O delito consiste em abusar o cargo ou em exigi-las para vícios.

Entretanto, eu tinha aniquilado, diante deles, os amorreus, homens espadaúdos como cedros e robustos como carvalhos, destruindo-lhes os frutos na ramada e arrancando-lhes as raízes. Fui eu que vos fiz sair da terra do Egito e vos guiei pelo deserto, durante quarenta anos, para ocupardes a terra dos amorreus (vv. 9-10).

A injustiça ressalta sobre o dom gratuito da terra. Deus como soberano teve desocupar o terreno onde os amorreus estavam arraigados e florescentes, “arrancando-lhes as raízes” (imagem que indica destruição total).  Os amorreus (ou emoritas) eram uma população da terra de Canaã. Deus mesmo é a vanguarda abrindo o caminho vitorioso do exército de Israel (cf. Dt 7,1; Js 3,6; 2Sm 5,24). Ele se compara ao lenhador que abate uma arvore sem lhe deixar fruto para se produzir nem raiz donde possa brotar um renovo (cf. Os 9,16). A libertação é apresentada em três tempos: saída do Egito, caminho pelo deserto (não menciona a aliança, mas os quarenta anos), conquista da terra.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 910) comenta: Desde o v. 9 até o fim do capítulo, o texto assume a forma de uma interpretação solene. A oposição eu-eles, eu-vós é expressa nos termos das proclamações da aliança, Ex 20,2; Js 24,13. Por suas intervenções na história, Deus elegeu para si um povo do qual ele traça o destino; as faltas de Israel são, portanto, recusa ou traição da aliança. Daí a extrema gravidade do castigo. Estes vv. definem o tom de todo o livro de Am.

A leitura de hoje saltou os vv. 11-12 que falam dos nazireus e dos profetas que foram proibidos de falar (cf. 7,12s; Is 30,10; Jr 11,19.21 etc.).

Pois bem, eu vos calcarei aos pés, como calca o chão a carroça carregada de feixes (v. 13).

Continua a comparação com o trabalho da roça, mas o sentido do verbo é incerto: A carroça com palha (feixes) que esmaga (“calca”) as pedras do caminho, ou talvez vacila ou afunda no terreno, evoca o peso do julgamento que vai se abater sobre Israel. Esmagar, com uma carroça pacífica sob o peso de ótima colheita, é sarcasmo no castigo. Talvez insinue que a prosperidade injusta no governo de Jeroboão II se voltará contra eles.

O mais ágil não conseguirá fugir, o mais forte não achará força, o valente não salvará a vida; o arqueiro não resistirá de pé, o corredor veloz não terá pernas para escapar, nem se salvará o cavaleiro; o mais corajoso dentre os corajosos fugirá nu, naquele dia”, diz o Senhor (vv. 14-16).

Da imagem pacífica da roça passa para a visão militar. As duas qualidades apreciadas de um soldado são a força para resistir e a agilidade para manobrar. Descreve-se um campo de batalha na hora da derrota: cada soldado, de qualquer arma fica imobilizado, paralisado. Assim no dia de julgamento, Israel ficará “nu”, desarmado diante dos homens e diante de seu Deus. A expressão “naquele dia” é explicada em 5,18-20: “Que será para vós o dia do Senhor? Ele será trevas, não luz” (cf. 3,14; 4,2; 8,9.11.13; 9,11.13; Is 2,11; Sf 1,14s; Jl 1,15; Jr 30,5-7; mas também Is 11,10s; 12,1; 30,26; Jl 3,4; 4,1; Ml 3,19-23). Amós pensa na ameaça da invasão do reino do Norte (Israel) pelos assírios que acontecerá em 722 a.C. (5,5.27; cf. 2Rs 17).

Um detalhe no evangelho de Marcos, o jovem que seguia Jesus e “fugiu nu” na hora da prisão de Jesus (Mc 14,51s), pode ser inspirado nesta frase de Amós (alguns vêem nele um retrato do próprio evangelista, cf. At 12,12). Com esta imagem de derrota, contrasta outro jovem “vestido de branco, sentado a direita” no túmulo vazio (Mc 16,5) que representa a mensagem da vitória de Jesus, sua ressurreição.

 

Evangelho: Mt 8,18-22

Depois relatar três curas exemplares (vv. 1-15, entre outras, cf. v. 16; 4,23-24), Mt apresenta o tema do seguimento num diálogo que encontrou na fonte Q (cf. Lc 9,57-60). Antes do sermão da montanha, Jesus já havia chamado os primeiros quatro discípulos (4,18-21 par Mc 1,16-20). Agora responde a duas solicitações.

Vendo uma multidão ao seu redor, Jesus mandou passar para a outra margem do lago (v. 18).

De fato, embarcará só em v. 23 e chegará à outra margem em v. 28 (cf. evangelhos dos próximos dias). Em 13,2s (copiado de Mc 4,1p), Jesus viu a “multidão ao se redor” e entrou num barco também, mas só ele e para ensiná-la com mais eficiência. Depois do diálogo no evangelho de hoje, Mt relata a tempestade no mar (cf. evangelho de amanhã) com que Mc finalizou o discurso das parábolas (Mt o reserva para o cap. 13). A “outra margem” é terra pagã. Quem vai seguir Jesus para lá? As multidões “o seguiam” (cf. 4,25-5,1; 7,28-8,1.10) como discípulos em potencial, mas não iriam caber no barco, então, a ordem deve se dirigir aos discípulos já chamados.

Mas em seguida aparecem duas pessoas quer querem “estar no mesmo barco”, ou seja, seguir Jesus de verdade. São dois casos complementares e exemplares: um é um letrado, um “mestre da lei”, que quer fazer-se discípulo. Outro já é discípulo (o texto deve ser traduzido melhor assim): “Outro, um dos discípulos,…” (v. 21). O mestre da lei chama Jesus também de “Mestre”, enquanto o discípulo o chama de “Senhor”, uma expressão de fé (cf. Fl 2,11; At 2,36… ). Em Mt, só os discípulos o invocam como “Senhor” (8,25; 14,28.30; 16,22; 17,4; 18,21) ou os doentes pedindo a cura (8,2.6.8; 9,28; 15,22.25.27; 17,15; 20,30s.33).

Mas o entusiasmo suscitado pelo ensinamento (a interpretação da lei no sermão da montanha) e pelos milagres não deve iludir, pois o seguimento de Jesus é exigente. As respostas de Jesus são radicais. Ao primeiro, Jesus enfrenta com a dificuldade de não ter lar; ao segundo, Jesus não lhe permite distrair-se.

Então um mestre da Lei aproximou-se e disse: “Mestre, eu te seguirei aonde quer que tu vás.” Jesus lhe respondeu: “As raposas têm suas tocas e as aves dos céus têm seus ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (vv. 19-20).

Este mestre da lei não é hostil a Jesus como os outros (cf. 9,3; 12,38; 15,1 etc.), ao contrário, quer seguir Jesus aonde for! Não sabemos como o letrado reagiu à resposta de Jesus, mas no final do discurso das parábolas, em 13,52 se fala de um “mestre da lei que se tornou discípulo” (alguns veem nele um autorretrato do evangelista cuja identificação tradicional com o publicano de 9,9 é questionada hoje).

Os rabinos (mestres judaicos) costumavam acolher discípulos em suas casas que funcionavam como escolas. Mas Jesus é pregador itinerante: “As raposas têm suas tocas e as aves dos céus têm seus ninhos; mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (v. 20; sobre as raposas, cf. Sl 63,11; Ez 13,4, e as aves cf. Sl 104,12.17). Pr 27,8 compara o “vagabundo longe do lar” com o “pássaro que fugiu do ninho”. O leitor se lembra das palavras de Jesus no sermão anterior sobre os pássaros e os lírios que o Pai celeste alimenta e veste (cf. 6,25-34). Aqui Jesus apresenta a pobreza quotidiana do pregador itinerante cuja primeira preocupação não é alimento nem vestimenta, mas “o reino de Deus e sua justiça” (6,33).

Nem um lar o Filho do homem tem! É a primeira vez em Mt, que aparece este termo “Filho do homem”. Pode significar simplesmente “ser humano” (em hebraico: “filho de Adão”; cf. Sl 8,5; Ez 2,1 etc), assim Jesus queria dizer: “Até os animais tem tocas e ninhos, mas eu, como ser humano, não tenho residência fixa.” Mais provável, porém, é o significado apocalíptico que vem de Dn 7,13-14, onde um ancião (Deus) entrega o reino de Deus a um “Filho do Homem que vem nas nuvens” e contrasta com as bestas-feras dos reinos pagãos. Em Dn 7,29, o Filho do Homem é identificado com o “povo dos santos”. Em alguns círculos judaicos (ex. no Apocalipse de Henoc), este Filho do Homem foi identificado como indivíduo: o Messias que virá e julgará o mundo no final dos tempos (cf. 13,41; 16,27; 24,30.37.39.44; 25,31; 26,64). Jesus não podia ser preso ao utilizar este título “filho do homem”, pela ambiguidade do significado, e aplicou-o a si mesmo com predileção, não só para indicar sua futura glória celeste, mas também para expressar sua humilhação humana (anúncios da paixão: 17,12; 20,17-19; Mc 8,31; Jo 3,14). No evangelho de hoje, o mestre da lei não vai entender seu pleno significado (antes da Páscoa), mas para o leitor cristão de Mt (depois da Páscoa) se esclarece: O Filho do Homem, aquele que ressuscitou e voltará para julgar o mundo, tinha que viver na pobreza absoluta e sem lar. Aquele, que é do céu e “vem das nuvens” (24,20p; 26,64p), aqui na terra não tem lar. O Filho de Deus se fez verdadeiro homem (Filho do homem) e mostra através da sua pobreza que seu reino não é deste mundo (cf. Jo 18,36). Não se deve interpretar mal o texto e trocar a exigência da pobreza (cf. 19,21) pelo trabalho sem descanso (cf. Jo 5,17). Jesus viveu pobre, não estressado.

Um outro dos discípulos disse a Jesus: “Senhor, permite-me que primeiro eu vá sepultar meu pai.” Mas Jesus lhe respondeu: “Segue-me, e deixa que os mortos sepultem os seus mortos” (vv. 21-22).

A outra solicitação vem de um discípulo que quer, antes de partir com Jesus, enterrar seu pai falecido e assim cumprir um dos deveres mais sagrados do judaísmo e do helenismo como se lê nos relatos patriarcais (a única terra que o nômade Abraão adquiriu foi a do túmulo da esposa, cf. Gn 23; 25,8s; 35,27-29) ou no livro de Tobias (Tb 2,3-8; 4,3-4; 14,10-13).

A resposta de Jesus numa forma paradoxal é chocante: “Segue-me e deixa que os mortos sepultem os seus mortos” (v. 22). Outra vez se posiciona em favor do mandamento “honrar pai e mãe” (15,4-5p), mas aqui fala de uma ruptura com a própria família; ele mesmo a realizou (12,46-50p) e exige dos seus seguidores (10,37; Lc 14,26). A comunidade a experimentou também após a páscoa (10,34-36; 19,27-30). Mas esta atitude radical combina com o amor e a piedade? Mais uma vez se trata de manifestar o contraste entre este mundo e o reino de Deus. Quem segue a Jesus, deve ser sinal do reino com suas palavras e seu estilo de vida (cf. Jr 16,1-9).

Os que confiam seu horizonte a esta vida mortal que se ocupem de enterrar; eles por sua vez serão enterrados. Jesus chama a uma vida nova, ele é “a ressurreição e a vida” (Jo 11,25). Se o discípulo voltar atrás para se despedir da sua família (como Elias permitiu, cf. 1Rs 19,19-21; cf. Lc 9,61-62) e participar do luto familiar, perderá a chance de embarcar com Jesus “para outra margem” (símbolo do além) e testemunhar a morte e a ressurreição de Jesus. Se o discípulo seguir sem olhar atrás agora, poderá consolar sua família (e muitos outros) depois com o anúncio do reino de Deus (cf. o acréscimo em Lc 9,60), ou seja, com a mensagem da ressurreição e da vitória de Jesus sobre a morte. Os mortos estão com Ele, com Ele viverão (cf. 22,32p).

O site da CNBB comenta: O seguimento de Jesus traz consigo uma série de implicações e exige de todos nós muito mais do que o entusiasmo ou a boa vontade. Exige disposição de deixar muita coisa para trás, inclusive o conforto, os costumes, a cultura e até mesmo os grandes valores que norteiam a nossa vida. Seguir Jesus significa ter a disposição de sempre ir em frente, sempre ir além, sempre buscar o novo para que a boa nova aconteça, é uma vida marcada sempre por novos desafios, é sempre atravessar o lago e buscar a outra margem do lago onde novas pessoas esperam para serem evangelizadas. Seguir Jesus significa colocar a obra evangelizadora acima de tudo.

Voltar