29 de Outubro de 2020, Quinta-feira: Jesus disse: “Ide dizer a essa raposa: eu expulso demônios e faço curas hoje e amanhã; e no terceiro dia terminarei o meu trabalho.

30ª Semana do Tempo Comum  

Leitura: Ef 6,10-20

Ouvimos hoje o final da carta aos Efésios (fora da saudação final de vv. 21-24) que se dirige novamente a comunidade toda e compara a vida cristã a um combate, no qual a pessoa deve armar-se como soldado, para defender-se dos inimigos. Atrás desta linguagem bélica, encontramos afirmações profundas. No Antigo Testamento (AT), Deus é comparado a um guerreiro que empunha armas (Sl 7; 18). Cristo submeteu todas as potestades inimigas, e a Igreja como Corpo de Cristo já participa desta vitória (1,20-23). Mas para os indivíduos cristãos ainda existem provações e tentações que não só vem de homens.

Para terminar, (irmãos), confortai-vos no Senhor, e no domínio de sua força, revesti-vos da armadura de Deus, para estardes em condições de enfrentar as manobras do diabo. Pois não é a homens que enfrentamos, mas as autoridades, os poderes, as dominações deste mundo de trevas, os espíritos do mal que estão nos céus (vv. 10-12).

A vida cristã é uma milícia, com seus inimigos, armas e aliados (2Cor 10,4). A imagem é uma batalha contra inimigos aguerridos e perigosos, em guerra defensiva.

Chefe inimigo é o “diabo” (v. 11; 4,27; cf. 1Tm 3,6s.11; 2Tm 2,26; 3,3; Tt 2,3) ou “maligno” (v. 16); tem às suas ordens um exército de poderes subalternos, de “espíritos” que agem na atmosfera sublunar (cf. 2,2), “nos céus” (cf. 1,3). É a única passagem do NT que faz dos céus a residência dos espíritos do mal. A Bíblia de Jerusalém (p. 2204) comenta: Trata-se dos espíritos que, na opinião dos antigos, governavam os astros, e, por eles, todo universo. Residiam “nos céus” (1,20s; 3,10; Fl 2,10) ou “no ar” (2,2), entre a terra e a morada de Deus, e coincidiam em parte com o que Paulo chama, noutro lugar, de “elementos do mundo” (Gl 4,3). Foram infiéis a Deus e quiseram escravizar a si os homens no pecado (2,2); mas Cristo veio libertar-nos da sua escravidão (1,21; Cl 1,13; 2,15.20); armados com a sua força, os cristãos podem agora lutar contra eles.

“Armadura de Deus”; já o AT mostrava Deus armando-se contra seus inimigos (cf. Is 11,4-5; 59,16-18; Sb 5,17-23). Paulo empresta essas armas ao próprio cristão (cf. 1Ts 5,8). A imagem se encontra associada à da vestimenta em Rm 13,12.14. O combate dos “filhos da luz” contra os “filhos das trevas” (cf. 5,1-14; 1Jo) é assunto de um dos escritos mais conhecidos da seita dos essênios em Qumran.

“Não é a homens (lit. seres de carne e osso, ou: carne e sangue) que enfrentamos,…” (v. 12). Esta expressão bíblica designa as forças humanas que são pouca coisa diante das potencias supraterrestres.

Revesti, portanto, a armadura de Deus, a fim de que no dia mau possais resistir e permanecer firmes em tudo. De pé, portanto! Cingi os vossos rins com a verdade, revesti-vos com a couraça da justiça e calçai os vossos pés com a prontidão em anunciar o Evangelho da paz. Tomai o escudo da fé, o qual vos permitirá apagar todas as flechas ardentes do Maligno. Tomai, enfim, o capacete da salvação e o gládio do espírito, isto é, a Palavra de Deus (vv. 13-17).

A Bíblia do Peregrino (p. 2813s) comenta: Várias correspondências entre conceito e imagem são gratuitas, e é difícil descobrir a coerência da série. Justiça, verdade e prontidão, fé, salvação e palavra de Deus. Contudo, autores espirituais podem tirar bons conselhos dessa armadura. O AT fala metaforicamente das armas de Deus (p. ex. Sl 7; 18); o desenvolvimento mais notável se encontra em Sb 5,17-23, ampliação de Is 59,17. Nosso autor fala da armadura do cristão.

“Cingi os vossos rins… justiça…verdade (fidelidade)” (Is 11,5); “couraça da justiça” e “capacete da salvação” (Is 59,17; Sb 5,18).

“Calçai os vossos pés (as vossas sandálias)”; sandálias são o calçado de um evangelista (mensageiro) itinerante (cf. Is 52,7); “com a prontidão para anunciar o Evangelho da paz” (Is 52,7; Na 2,1). Pode-se compreender seja o zelo pela proclamação do Evangelho, seja o impulso que este imprime a toda a existência.

“O escudo da fé, o qual vos permitirá apagar todas as flechas ardentes do Maligno”. Na fé, as tentações se estilhaçam (cf. Mt 4,1-11p).

A palavra de Deus é o “gládio”, uma espada, uma arma ofensiva, então a Palavra de Deus deve ser anunciada. O v. amalgama diversas reminiscências dos profetas (Is 11,4; 49,2; Os 6,5). Em Hb 4,12 se trata da espada de execução do culpado.

Com preces e súplicas de vária ordem, orai em todas as circunstâncias, no Espírito, e vigiai com toda a perseverança, intercedendo por todos os santos. Orai também por mim, para que a palavra seja colocada em minha boca para anunciar corajosamente o mistério do Evangelho, do qual sou embaixador acorrentado. Possa eu, como é minha obrigação, proclamá-lo com toda a ousadia (vv. 18-20).

Auxílio do aliado é conseguido pela oração (Sl 35,1-4) “em todas as circunstâncias” (cf. Fl 4,6), “com toda a perseverança” e não deve cessar (1Ts 5,17). Intercessão “por todos os santos” (os consagrados, os cristãos, cf. 1,1) incluindo o apóstolo.

“Sou embaixador acorrentado” A Carta aos Efésios faz parte das cartas do cativeiro (Ef, Fl, Cl, Fm). Paulo está preso (Ef 3,1; 4,1; 6,20; cf. Fm 9.10.13.27; Cl 4,3.10.18); rodeado dos mesmos companheiros, encarrega Tíquico de idêntica missão (Cl 4,7-8; Ef 6,21-22). Enquanto Fl e Fm foram escritos pelo próprio Paulo, as cartas Ef e Cl apresentam estilo e teologia diferentes e uma situação posterior. Por isso, muitos peritos consideram estas duas cartas Deuteropaulinas, ou seja, escritas por discípulos de Paulo (talvez por Epafras, cf. Cl 1,7; 4,12?) em nome dele por volta de 80 d.C.. Ef retoma várias expressões de Cl e depende dela.

Um mensageiro preso é um paradoxo. O que pede é “ousadia”, liberdade de espírito para pregar o evangelho. O homem pode abrir a boca, mas encontrar a palavra certa é dom de Deus (At 4,29).

A palavra seja colocada em minha boca”, lit.: que a palavra me seja concedida na abertura da minha boca. Esta expressão bíblica (cf. Ez 3,27; 29,21; Sl 51,17; cf. Cl 4,3) se refere a uma inspiração direta de Deus e lembra o início do sermão da montanha: “Abrindo a boca, Jesus ensinava nestes termos” (Mt 5,2).

“Anunciar corajosamente o mistério do Evangelho” lit. com franqueza de linguagem (cf. 3,12; Cl 2,1-5). As palavras “do  Evangelho” são omitidas por vários manuscritos.  Sobre o “mistério”, cf. 3,2-12 (leitura de quarta-feira da semana passada). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p.2269) explica este “mistério”:

Tema fundamental de Ef e Cl, o “mistério” refere-se ao desígnio eterno de Deus, outrora escondido aos homens e agora revelado (Ef 1,9-10; 3,3-10; Cl 1,26-27; cf. já Rm 16,25-26; 1Cor 2,7-9). Essa ideia vem menos do helenismo de que da apocalíptica judaica (cf. Dn 2,21-23.28-30.47; o livro de Henoc e os textos de Qumran). Para a epístola, o mistério se realizou em Jesus Cristo e descobre todas as suas implicações na igreja, graças ao mistério do apóstolo: chamamento dos pagãos à salvação, reconciliação do apóstolo: chamamento dos pagãos à salvação, reconciliação dos judeus e das nações reunidos em um mesmo corpo, união conjugal de Cristo e sua Igreja, submissão do universo inteiro a Cristo.

 

Evangelho: Lc 13,31-35

Depois de considerações sobre a incredulidade de Israel do tempo de Jesus (vv. 22-30, evangelho de ontem), ouvimos hoje duas declarações de Jesus acerca da sua própria morte: os vv. 31-33, que lhe são próprios, e os vv. 34-35, que Mt situa mais tarde (como final do discurso contra os fariseus em Mt 23,37-39).

Naquela hora, alguns fariseus aproximaram-se e disseram a Jesus: “Tu deves ir embora daqui, porque Herodes quer te matar”. Jesus disse: “Ide dizer a essa raposa: eu expulso demônios e faço curas hoje e amanhã; e no terceiro dia terminarei o meu trabalho. Entretanto, preciso caminhar hoje, amanhã e depois de amanhã, porque não convém que um profeta morra fora de Jerusalém (vv. 31-33).

Esta notícia não se encaixa bem na viagem de Jesus a Jerusalém, porque já ele tinha saído do território de Herodes, da Galileia tomando o caminho pela Samaria em 9,51s. Herodes Antipas (cf. Lc 3,1) era governador (tetrarca) apenas da Galileia e ainda da Pereia (Transjordânia), mas seu poder era concedido por Roma.

Lc é o único evangelista a apresentar os fariseus aparentemente favoráveis a Jesus (cf. 7,36; 11,37; 14,1; cf. At 23,6; 26,5). A Bíblia do Peregrino (p. 2504) comenta:  A intenção dos fariseus não é clara: pretendem intimidar Jesus? Buscam descarregar a culpa em outro? Jesus não admite intimidação em seu caminho. Embora detenha o poder, Herodes é um animalzinho sem importância (cf. Ez 13,4; Ne 3,35).

Herodes talvez quisesse, com esta ameaça, desembaraçar-se de Jesus; a essa manobra aludiria o epíteto de “raposa”. Para Jesus, Herodes não é perigoso; ele não é um leão (imagem tradicional dos reis; os rabinos costumavam aplicá-la a pessoas perigosas; cf. Sl 17,12; 22,14). Jesus encontrará Herodes em Jerusalém durante sua paixão, mas será condenado por Pilatos (23,6-12).

Esta vez não é como a do outro Herodes (Herodes Grande, o pai de Antipas, reinava sobre Israel toda) e as crianças inocentes em Belém (Mt 2). A Bíblia do Peregrino (p. 2504) comenta: Jesus tem ainda tarefa clara. Morrerá quando chegar sua hora, não antes; em Jerusalém, não fora. Cabe a Deus fixar os prazos (Sl 75,3). Os poderes humanos podem executar, mesmo sem pretendê-lo nem sabê-lo, plano decidido por Deus não podem interferir nem impedi-lo.

“Hoje, amanhã e no terceiro dia/depois de amanhã”; este esquema dos três dias indica um intervalo de tempo bastante curto e pode ter sido tomado de Os 6,2 e adaptado como enigma à situação presente. “Terminarei o meu trabalho” (Lit. “estou no fim”). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2008) comenta: A expressão é equivocada: ele pode ser entendida no stnido temporal (a minha missão está terminada) ou indicar o resultado obtido (eu atingi a minha meta). Como em 22,53, como também em Jo 7,30 e 8,20, os inimigos de jesus não podem atingi-lo antes que “sua hora tenha chegado”.

Jerusalém, Jerusalém! Tu que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes eu quis reunir teus filhos, como a galinha reúne os pintainhos debaixo das asas, mas tu não quiseste! Eis que vossa casa ficará abandonada. Eu vos digo: não me vereis mais, até que chegue o tempo em que vós mesmos direis: Bendito aquele que vem em nome do Senhor” (vv. 34-35).

O Senhor quis proteger seu povo “à sombra das suas asas” (Sl 36,8) e a capital Jerusalém com sua presença no templo (Is 31,5; 37,33-35), exigindo ao mesmo tempo a conversão (Jr 7). Ela em vez de receber “profetas e enviados”, os matou (Ne 9,26; At 7,52), “resistiu” ao chamado de Deus. Leia-se a terrível descrição da “Cidade Sanguinária”, traçada por Ezequiel, profeta da catástrofe: “cidade que se encaminha para seu fim” (Ez 22,2). Agora vem Jesus, novo enviado de Deus, para cumprir a mesma missão; e vai sofrer o destino dos profetas.

Ora, como já aconteceu uma vez em 586 a.C. (destruição de Jerusalém e do templo pelos babilônios; Lm 1,8.14.18 etc.), acontecerá outra vez (destruição da cidade e do templo pelos romanos em 70 d.C., fato conhecido por Lc 19,41-44): a casa habitada “ficará abandonada”, seja o templo, seja a cidade (1Rs 9,7-9; Jr 12,7). Mas chegará “o tempo”, quando as pessoas o verão voltando (na parusia, cf. 21,27?), e o receberão com a saudação do salmo: “Bendito aquele que vem em nome do Senhor” (Sl 118,26), o que acontecerá já na entrada em Jerusalém (19,30). Anúncio de conversão tardio de Israel? (cf. Rm 11,25-26).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2008) comenta a cronologia dos evangelhos sinóticos (Mc, Mt e Lc): Essas palavras que Mt situa durante a pregação de Jesus em Jerusalém supõem que Jesus já exerceu seu ministério na cidade antes da “Semana Santa”. O fato é muito verissímil (cf. Jo); ele faz sobressair o caráter artificial do plano dos sinóticos, e notadamente da composição da viagem a Jerusalém no terceiro evangelho.

O site da CNBB comenta: A ameaça de morte não faz com que Jesus se acovarde, a sua resposta é bem clara: “devo prosseguir o meu caminho, pois não convém que um profeta perece fora de Jerusalém”. Jesus vai seguir o seu caminho até o fim porque a sua fidelidade ao Pai está acima de todas as coisas, inclusive da sua própria vida, que ele vai entregar livremente em Jerusalém para que o homem seja resgatado do reino da morte. O mundo não quer a vida do profeta, não quer que ele chegue a realizar a sua missão e todos os que são do mundo, religiosos ou não, não toleram a presença do profeta, embora a sua morte contribua para a salvação de todos.

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