11 de novembro de 2017 – Sábado, 31ª semana

Leitura: Rm 16,3-9.16.22-27

Depois de ler por quatro semanas a carta aos Romanos, terminamos hoje com as saudações e a doxologia (fórmula de louvor) finais. Nossa liturgia selecionou só alguns nomes destas saudações tão amplas e detalhadas e omitiu vv. 1-2.10-15.17-21

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1385 – 1386) comenta a lista completa dos nomes dos vv. 1-24: As saudações finais, com recomendações a várias pessoas, demonstram o carinho e a familiaridade de Paulo com a cada qual, individualmente. A lista de pessoas saudadas chega a quase trinta, e inclui nomes gregos, romanos e judaicos. Inclui também pessoas de diversas condições sociais. A diversidade de pessoas formam uma comunidade unida pela fé. Das pessoas citadas, dez são mulheres que exercem ministérios e funções importantes: a diaconisa Febe; a colaboradora Prisca; a trabalhadora Maria; a parente e apóstola Júnia; as batalhadoras Trifena e Trifosa; a querida Pérside; a mãe de Rufo, à qual Paulo trata como sua própria mãe; Júlia e a irmã de Nereu, que fazem parte dos santos.

Saudai Prisca e Áquila, colaboradores meus em Cristo Jesus, os quais expuseram a sua própria vida para salvar a minha. Por isso, eu lhes sou agradecido; não somente eu, mas também todas as igrejas do mundo pagão. Saudai igualmente a igreja que se reúne na casa deles. Saudai meu muito estimado Epêneto, que faz parte dos primeiros frutos da Ásia para Cristo (vv. 3-5).

“Áquila”, natural de Ponto, vivia com sua esposa “Prisca” (ou “Priscila” em At) em Roma, quando começou uma perseguição aos judeus em 49 d.C.. O casal judeu fugiu para a Grécia e na cidade de Corinto, onde Paulo os encontrou e se hospedou com eles, porque tinham a mesma profissão, fabricavam tendas (At 18,1-3). Depois de um ano, acompanhavam Paulo até a capital da província da Ásia (na atual Turquia), Éfeso, onde Paulo os deixou por um tempo (At 18,18-28). Lá converteram Apolo de Alexandria (talvez o autor de Hb) e provavelmente “Epêneto” que devia ser um dos “primeiros frutos“ (convertidos, cf. 1Cor 16,15) da Ásia. Paulo saúda nele a conversão de toda essa província.

Provavelmente em Éfeso, durante o tumulto narrado em At 19,23s, ou seja quando da prisão a que o Apóstolo aí foi submetido (cf. v. 7), Áquila e Prisca “expuseram a sua própria vida para salvar” Paulo. O fato de, na maioria das vezes, Prisca ser nomeado antes do seu marido salienta a maior importância dela na missão. A saudação de Paulo aqui supõe que o casal exilado tinha voltado a Roma e que aí dispunha de meios para oferecer sua casa a uma comunidade (como em Éfeso, cf. 1Cor 16,19; 2Tm 4,19).

Saudai Maria, que trabalhou muito em proveito vosso. Saudai Andrônico e Júnias, meus parentes e companheiros de prisão, apóstolos notáveis e que se tornaram discípulos de Cristo antes de mim (vv. 6-7).

Não se sabe mais quem foi essa Maria, mas seu nome indica um judia. Como Áquila e Prisca, tambémAndrônico e Júnias” (ou “Júnia”; talvez se trate de um casal), devem ser de origem judaica, porque aparentados com Paulo (como também Herodião no v. 11, Jasão e Sosípatro no v. 21). A palavra traduzida por “parentes” significa também família, tribo, povo, raça (cf. 9,3). Paulo mostra que tem relações pessoais, de família, com certos cristãos de origem judaica que viviam em Roma ou em Corinto.

Andrônio e Júnia são chamados “apóstolos notáveis” porque, cristãos da primeira geração, “se tornaram discípulos de Cristo antes de mim” (antes conversão de Paulo em 36 d.C.). Eles participavam ativamente no apostolado missionário da Igreja e tinham por isso sofrido a prisão (“companheiros de prisão”, Paulo já havia sofrido várias prisões, cf. 2Cor 11,23).

Nos primórdios, o título de “apóstolo” não era reservado aos Doze. Só a partir de Lc e At, o título apostolo se restringe aos Doze que Jesus chamou como testemunhas oculares (cf. At 1,21s; em Atos, nem Paulo é chamado de apóstolo, exceto com Barnabé em 14,4.14).

Saudai Ampliato, a quem estimo muito no Senhor. Saudai Urbano, nosso colaborador em Cristo, e a meu caríssimo Estáquis (vv. 8-9).

Nesta lista de nomes dos membros da comunidade romana revela-se extrema diversidade de origens e condições. Já foram citados uns de origem judaica (vv. 3-4. 6-7: Prisca e Áquila, Andrônico e Júnia(s), Maria, etc.), outros são de origem grega (v. 5: Epêneto, v. 1: Febe etc.); outros podem ser de origem romana, aqui em v. 9: “Urbano”, e outros (v. 15: Júlia; v. 13: Rufo, que talvez seja – segundo Mc 15,21 – o filho de Simão de Cirene). Uns parecem ter sido altos personagens, como Aristóbulo (v. 10), que pode ter sido da família de Herodes. Outros, ao contrário, eram, sem dúvida, escravos, ou libertos, aqui “Ampliato” e “Estáquis” vv. 8-9, e outros. Um retrato impressionante da diversidade da Igreja reunida por uma mesma fé na comunhão de Jesus Cristo.

Saudai-vos uns aos outros com o beijo santo. Todas as igrejas de Cristo vos saúdam (v. 16).

Na antiguidade e na Bíblia, um beijo pode expressar diversos significados coisas: veneração no culto a divindades (Os 13,2), veneração dos pais (Gn 27,26) ou de mestres (Mt 26,49), comunhão entre parentes (Gn 29,13), amigos (1Sm 20,41) ou amantes (Ct 1,2; 8,1). Os primeiros cristãos saudavam se com o “beijo (ósculo) santo” (1Cor 16,20; 2Cor 13,12; 1Ts 5,26; cf. 1Pd 5,14) como sinal da nova comunhão em Cristo (provavelmente num ritual como o nosso gesto de paz na missa).

“Todas as igrejas de Cristo vos saúdam”, é uma fórmula, insólita nas cartas de Paulo, que demonstra a veneração à Igreja de Roma, que era a capital do Império (e tornar-se-á a sede da Igreja Católica e Apostólica Romana – Paulo não sabe ainda, – antes Roma tornar-se-á o lugar da primeira perseguição romana aos cristãos (64-67, durante o governo de César Nero) e lugar do martírio de Pedro, Paulo e muitos cristãos (quantos desta lista de nomes que ouvimos hoje?).

Saúdo-vos eu Tércio, que escrevo esta epístola no Senhor. Saúda-vos Gaio, meu hóspede e de toda a Igreja. Saúda-vos Erasto, tesoureiro da cidade, e o irmão Quarto (vv. 22-23).

Contrariamente ao costume, “Tércio”, secretário de Paulo nesta “epístola” (carta), também saúda esta comunidade, da qual talvez fosse conhecida. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2197): Cabe aqui lembrar que Paulo ditava as suas cartas, o que explica frequentes deslizes de estilo, repetições e deselegâncias, como também as interrupções e bruscas mudanças de temas no decurso de uma mesma frase.

Ao que parece, foi na casa de “Gaio” (se é o mesmo “Caio” mencionado em 1Cor 1,14?) que se reunia a assembleia cristã de Corinto. Certos manuscritos leem após o v. 23: “Que a graça de nosso Senhor Jesus Cristo esteja com vós todos! Amém”. Este v. 24, mal-atestado, não parece ser autêntico.

Glória seja dada àquele que tem o poder de vos confirmar na fidelidade ao meu evangelho e à pregação de Jesus Cristo, de acordo com a revelação do mistério mantido em sigilo desde sempre. Agora este mistério foi manifestado e, mediante as Escrituras proféticas, conforme determinação do Deus eterno, foi levado ao conhecimento de todas as nações, para trazê-las à obediência da fé. A ele, o único Deus, o sábio, por meio de Jesus Cristo, a glória, pelos séculos dos séculos. Amém! (vv. 25-27).

Paulo conclui sua maior carta com uma oração de louvor, chamada glória ou doxologia. Desta forma solene (cf. Ef 3,20s; Jd 24-25), Paulo retoma os temas essenciais da carta e de outros escritos; cf. 1,5: “a missão de pregar… a obediência da fé entre todos as nações (pagãos, gentios)”. Chegando em Roma, capital dos pagãos, Paulo vibra de ardor missionário (cf. At 28).

Este louvor exprime o maravilhamento da Igreja perante o “mistério” antes oculto, agora revelado (Ef 3,9), “mediante as Escrituras proféticas” (isto é, os testemunhos do AT e NT) e assim difundido no mundo inteiro. Toda o peso dessa grande fórmula litúrgica está nas palavras “agora manifestado”: a Igreja, olhando para o passado se alegra por viver na época em que o nome de Jesus Cristo revelado é doravante a chave da história universal e do destino de toda pessoa humana.

A Bíblia de Jerusalém (p.2145) comenta o “mistério” (v. 25): Esta ideia de um “segredo” cheio de sabedoria (v. 27; 1Cor 2,7; Ef 3,9; Cl 2,2-3), há muito tempo escondido em Deus e hoje revelado (v. 25; 1Cor 2,7.10; Ef 3,5.9s; Cl 1,26), é tomada por Paulo da apocalíptica judaica (Dn 2,18-19), mas ele a aprofunda aplicando-a ao plano da salvação (v. 26; Rm 11,25; Cl 1,23; 4,3; Ef 3,3-12; 6,19) e enfim a restauração do universo em Cristo, como seu único chefe (Ef 1,9-10). Veja ainda 1Cor 4,1; 13,2; 14,2; 15,51; Ef 5,32; 2Ts 2,7; 1Tm 1,9-10; Mt 13,11p; Ap 1,20; 10,7; 17,5.7.

“Aquele que tem o poder de vos confirmar…” na doutrina e na prática da vida cristã (cf. 1,11; 1Ts 3,2.13; 2Ts 2,17; 3,3; 1Cor 1,21; Cl 2,7). Deus é o “único sábio” (Eclo 1,8; cf. Rm 11,33-36; 1Cor 1,24; 2,7; Ef 3,10; Cl 2,3; Ap 7,12).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2146) comenta o final (v. 27): O NT adota as bênçãos e doxologias de Israel (Gn 14,19s; Sl 41,14), chamando, porém, frequentemente a Deus de Pai e incluindo Jesus Cristo (9,5; 11,35-36; 1Cor 8,6; cf. Gl 1,5; Ef 3,21; Fl 4,20; 1Tm 1,17; 6,16; 2Tm 4,8; Hb 13,21; 1Pd 4,11; 2Pd 3,18; Jd 25; Ap 1,6). As doxologias posteriores o mais das vezes nomearão as três “Pessoas” (cf. 2Cor 13,13).

Mas o lugar dos vv. 25-27 varia segundo os manuscritos. Esta doxologia, colocada aqui pela maioria dos documentos, encontra-se, em alguns deles, no final do cap. 15 ou do cap. 14; outros a omitem. Também a autenticidade desta majestosa doxologia é contestada. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2197) comenta sobre a questão, se os cap. 15-16 já faziam parte da Rm desde o início desta epístola (carta) ou se foram anexados depois, no tempo da cartas Deuteropaulinas (Ef, Cl) ou das Tritopaulinas (cartas Pastorais: 1-2Tm, Tt):

Rm 15-16 suscita uma questão de críticas literárias. Não há dúvida quanto à sua autenticidade, mas a tradição manuscrita a respeito deles é insegura. Parece ter existido uma recensão curta da epístola, da qual se amputaram os dois últimos capítulos: mas como ela interrompe a epístola no meio de um desenvolvimento (em Rm 14,23), não é primitiva, e Rm 15 certamente faz parte do corpo da epístola. Poder-se-ia dizer o mesmo de Rm 16? Houve quem estranhasse a severidade do tom de Rm 16,17-20, contrastante com o da epístola. Notaram-se certas afinidades com os temas das Pastorais …; há quem se tenha perguntado como Paulo conhecia tanta gente (Rm 16,1-16), numa cidade onde nunca tinha estado. – Mas as mudanças de tom são frequentes em Paulo e a passagem de Rm 16, mais semelhante às Pastorais (16,17), tem precisamente um paralelo no corpo da epístola (6,17). E Paulo pode ter encontrado em outro lugar, que não em Roma, os personagens que saúda, e, além disso, não é necessário que os conheça a todos os pessoalmente. – A hipótese segundo a qual Rm 16 constituía primitivamente um bilhete independente, ajuntando ulteriormente à epístola, levanta mais problemas do que resolve. – Só a doxologia final (Rm 16,25-27), cria um verdadeiro problema. O tema e o estilo a aproximam mais das epístolas do Cativeiro (Ef-Cl), e numerosas expressões são estranhas ao vocabulário habitual de Paulo. Mas essas objeções estão longe de ser decisivas.

Evangelho: Lc 16,9-15

Ouvimos a continuação da parábola do “administrador desonesto” (vv. 1-8, evangelho de ontem).

Sentenças soltas foram reunidos nos vv. 9-13 com a finalidade de interpretar a parábola como uma lição sobre diversos aspectos do dinheiro. Elas estão ligadas entre si por um jogo de palavras semíticas referindo-se ao “Dinheiro” (“Mamon”: vv. 9.11.13) e ao que é “digno de confiança” (vv. 10.11.12) e “verdadeiro” (v. 11); todos termos a partir da mesma raiz hebraica aman (daí a palavra “Amém”, e outras palavras hebraicas que significam fé, verdade, fidelidade, algo em que se pode confiar, acreditar). Esses vv. estão unidos pela antítese entre o embuste/engano) e a fidelidade/verdade (vv. 10-12).

Nossa liturgia substitui a introdução “E eu vos digo” (v. 9) pelo costumeiro “Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos” (cf. v. 1). Mas a introdução original é típica de Lc e indica que ele mesmo poderia ter inserido as sentenças seguintes.

“Usai o dinheiro injusto para fazer amigos, pois, quando acabar, eles vos receberão nas moradas eternas (v. 9).

“Usai o dinheiro”, o vosso, evidentemente. O “dinheiro” em grego se diz Mamon, deus da fortuna. O termo Mammon (como nos vv. 11 e 13) é uma palavra aramaica que não apareceu ainda na Bíblia Hebraica (só na tradução de Eclo 31,8), sim na literatura rabínica entre AT e NT. Como vem da raiz hebraica amen, o substantivo pode ter provindo primitivamente da ideia de um depósito “confiado”: ele designa aqui o Dinheiro, personificado como uma potência que escraviza o mundo.

A expressão “o dinheiro injusto” (lit. o Mamon da iniquidade; cf. Eclo 5,8 “riquezas injustas, enganadoras”) qualifica todo patrimônio como injusto, também o adquirido honestamente? O dinheiro é chamado “da iniquidade” não só porque aquele que o possui o adquiriu mal, mas ainda, de maneira mais geral, porque na origem de muitas fortunas há alguma desonestidade ou exploração violenta. Bill Gates, o fundador da Microsoft e homem mais rico na atualidade, afirma que a metade dos bilionários ganhou sua fortuna com trabalho (sempre honesto?), não como herança.

Ou Lc quer alertar apenas da ilusão do apego ilusório, “quando acabar” (alguns manuscritos trazem: uma vez que tiverdes desaparecido). Ao final, Lc dá ainda um significado positivo do dinheiro motivando para esmolas e partilha (12,33; At 4,32-37).

“A esmola livra da morte e expia o pecado; os que dão esmolas se saciarão de vida” (Tb 12,9). Bill Gates admite que o capitalismo produz desigualdade, mas discerne três grupos de ricos, uns que investem sua fortuna (criando empregos), outros que apoiam projetos humanitários (ele mesmo na luta contra aids) e outros que só gastam com aviões de jato, iates e demais consumo de luxo etc. Só estes últimos deveriam ser tributados mais severamente, segundo ele.

“Vos receberão”; o sujeito impreciso alude aos “amigos” (v. 9) ou cúmplices no v. 4, mas pode-se também entender este plural como um termo impessoal que designa Deus, evitando mencioná-lo (cf. 6,38; 12,20; 16,22). Combina melhor com a hora da morte do que com o juízo final, mas a perspectiva é escatológica (cf. Sf 1,18: “Nem sua prata nem seu ouro poderão salvá-los no dia da cólera do Senhor”).

“Nas moradas eternas”, lit. nas tendas eternas. Esta expressão deve inspirar-se no repertório de imagens da festa das Tendas (ou tabernáculos, cf. Lv 23,42s), que se considerava, então, uma prefiguração da era da salvação (Zc 14,16-21; cf. Mc 9,5; Mc 15,16; Ap 7,15; 21,3). Aqui talvez seja um contraste às “casas” dos cúmplices do administrador (v. 4: “me receberão nas suas casas”; cf. o contraste em 2Cor 5,1). Todo o v. 9 está construído segundo o modelo da parábola no v. 4. Ele é um convite a “acumular tesouros no céu” (cf. 12,16-21; 12,33; 18,22) por meio da “esmola” (tema caro a Lc, próprio em 11,41; 12,33; 16,9; At 9,36; 10,2.4.31; 11,29; 24,17 e em paralelo com Mc e Mt, em 6,30; 18,22; 21,1-4).

Quem é fiel nas pequenas coisas também é fiel nas grandes, e quem é injusto nas pequenas também é injusto nas grandes. Por isso, se vós não sois fiéis no uso do dinheiro injusto, quem vos confiará o verdadeiro bem? (vv. 10-11).

Seguem-se algumas sentenças aparentadas com o tema (cf. as parábolas parecidas das minas em Lc 19,17-26 e dos talentos em Mt 25,14-30). “O que se requer do administrador é que seja fiel” (1Cor 4,2). O primeiro aforismo é geral: o “pouco” (pequenas coisas) e o “muito” (grandes) admitem muitas identificações. No contexto presente, o pouco são os bens deste mundo, o muito são os bens do céu ou do reino de Deus, o “verdadeiro bem” (cf. 11,13: o Espirito Santo; cf. a palavra da verdade em 2Tm 2,15; Tg 1,18). A quem é infiel na administração dos bens da Igreja, muito menos pode se confiar a verdade cristã (12,42; 1Pd 4,10).

“Fiel” ou: digno de confiança. “Injusto” ou: desonesto (v. 8)

E se não sois fiéis no que é dos outros, quem vos dará aquilo que é vosso? (v. 12).

Mais difícil é a segunda sentença. “No que é dos outros”, quer dizer, de um bem alheio, exterior ao homem: a riqueza que fica fora e passa. “Aquilo que é vosso” (variação de texto: “nosso”), são os próprios bens que Deus entrega ao fiel, os bens espirituais que podem pertencer ao homem. Trata-se do bem do Reino (e provavelmente, na variante, do bem da Igreja). Os bens de dentro orientam e regulam o uso é aplicado do primeiro. Nos vv. 10-12, o dinheiro é, portanto, o teste de fidelidade dos discípulos.

Ninguém pode servir a dois senhores. Porque ou odiará um e amará o outro, ou se apegará a um e desprezará o outro. Vós não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (vv. 13).

Esta sentença é da fonte Q (coleção de palavras que Lc tem em comum com Mt, cf. Mt 6,24). A Tradução Ecumênica das Bíblia (p. 2013) comenta: Aqui, “servir” tem o sentido cultual, corrente na Bíblia. Em face de Deus, o Dinheiro é um falso deus. Segundo este v. o dinheiro é, portanto, um perigo muito mais grave do que nos vv. precedentes: pode-se fazer dele um ídolo.

A terceira sentença é aplicação do primeiro mandamento: o Deus verdadeiro não admite rivais. A Bíblia do Peregrino (p. 2510) comenta: “Mamon”, deus das riquezas, quer ser servido como rival ou competidor de Deus (cf. Is 65,11). O dinheiro é para ser administrado como meio de fazer o bem, não como sujeição a ele (Mt 6,24). “Quem ama o dinheiro será por ele extraviado … Feliz o homem que se conserva íntegro e não se perverte com a riqueza” (Eclo 31,5.8).

Os fariseus, que eram amigos do dinheiro, ouviam tudo isso e riam de Jesus (v. 14). 

Os fariseus, que já criticaram Jesus em 15,2, reaparecem. Em lugar de objeção ou comentário, como é seu costume outras vezes, Lucas faz intervir a zombaria dos fariseus, desta vez como tipos de amor ao dinheiro, e por isso identificáveis com muitos outros. Segundo eles, a riqueza é benção de Deus, prêmio pela observância. Da mesma maneira se prega a “teologia da prosperidade” em muitas igrejas fundamentalistas da atualidade. Omite-se nesta teologia a crítica profética e a valorização de Jesus pelas coisas pequenas e pessoas humildes (cf. Lc 6,20 etc.).

Os vv. 14-18 têm um objetivo comum: procurar definir a posição de Jesus em face do judaísmo e da Lei e preparar também a conclusão da parábola seguinte (v. 31). Os fariseus aparecem aqui como representantes do pensamento judaico. Jesus dirigirá uma censura semelhante aos escribas em 20,47. Seria injusto aplicá-la a todos os fariseus. Os vv. 14-15 parecem ser uma transição entre os vv. 9-13, sobre o dinheiro, e as sentenças que se lhe seguem (vv. 16-18, omitidos pela nossa liturgia).

Então, Jesus lhes disse: ”Vós gostais de parecer justos diante dos homens, mas Deus conhece vossos corações. Com efeito, o que é importante para os homens, é detestável para Deus” (v. 15).

Além do amor ao dinheiro, outra forma de cobiça: acumular obras de observâncias pensando que com elas se adquirem direitos sobre Deus, ou direito à recompensa de Deus e à estima dos homens, “parecer justos diante dos homens (cf. 10,29; 18,9-14; 20,20; Mt 6,1-6.16-18). É a altivez que Deus detesta: “O Senhor detesta o arrogante” (Pr 16,5; Is 2,9-18; 5,14-16; Lc 1,51s; Mt 18,1-4) e “conhece os corações”, tema bíblico (1Sm 16,7; 1Cr 28,9; Pr 15,11; 16,5; 24,12) empregado por Lc em At 1,24; 15,8.

O site da CNBB comenta: Devemos usar do dinheiro da injustiça para conquistar os bens eternos. De fato, o dinheiro é sempre uma realidade injusta, independentemente da forma como foi conquistado, porque vai sempre significar separação, apossamento, divisões e condições de vida diferentes, gerando oportunidades diferentes e privilégios, além de uma concorrência sempre injusta com os nossos irmãos e irmãs. Por isso, Jesus diz que ninguém pode servir a Deus e ao dinheiro. Usar do dinheiro da injustiça para conquistar os bens eternos significa usar de tudo o que o dinheiro nos concede, tanto em termos de bens materiais como pessoais, como por exemplo a formação profissional, para a construção do Reino e a promoção da dignidade de todos.  

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