27 de Julho 2019, Sábado: “O Reino dos Céus é como um homem que semeou boa semente no seu campo. Enquanto todos dormiam, veio seu inimigo, semeou joio no meio do trigo, e foi embora (vv. 24b-25).

16ª semana sábado – Ano Ímpar

Leitura: Ex 24,3-8

Nossa liturgia saltou a reação do povo à proclamação do decálogo (com medo pediram a Moisés para ser o intermediário) e o código da aliança (20,18-23,33) e apresenta hoje o rito central da Antiga Aliança no monte Horeb/Sinai. Aliança = contrato = testamento. A palavra hebraica berit pode ser traduzida por aliança ou por testamento: a antiga Aliança é com Moisés e o povo de Israel, a nova Aliança é o Novo Testamento (NT) no sangue de Jesus (cf. 1 Cor 11,25). Na Bíblia temos as duas grandes partes: Antigo (ou Velho ou Primeiro) Testamento, o qual é também a Bíblia dos judeus (a Bíblia Hebraica, sem os sete livros gregos que fazem parte da Bíblia católica) e o Novo (ou Segundo) Testamento (exclusivamente cristão).

A liturgia nossa cortou os vv. 1-2 e 9-11. No conjunto dos vv. 1-11 há restos da conclusão de uma antiga aliança que devem ser de uma tradição anterior à reforma de Josias: Menciona a presença de Nadab e Abiú (vv. 1.9), filhos de Aarão e famílias sacerdotais nortistas que depois serão excluídas (cf. 6,23; 28,1; Lv 10,1-4; Nm 3,2-4; 26,60s; 1Cr 24,3). Fala de “marcos de pedra” cf. Gn 28,18.22, estas colunas sagradas foram destruídas depois por Josias (2Rs 23,6.14-15) e de sacrifícios realizados por não-sacerdotes (vv. 4-5), de sangue aspergido sobre o povo e de pessoas que veem Deus (vv. 8-11; em contradição em 19,12.21; 33,20; Lv 26,1; Nm 4,20), junto com o livro e o banquete da aliança (v. 11; cf. Gn 26,28-30; 31,43-54).

Moisés veio e transmitiu ao povo todas as palavras do Senhor e todos os decretos. O povo respondeu em coro: “Faremos tudo o que o Senhor nos disse” (v. 3).

O próprio Deus já tinha pronunciado pessoalmente ao povo as “dez palavras” (decálogo, ou seja, os dez mandamentos; cf. 20,1; 34,28; Dt 4,13; 10,4) ao povo, e Moisés apresentou o antigo código da aliança (cap. 21-23) como cláusulas da aliança (“todos os decretos”); o povo aceita e promete obediência (cf. 19,8). As “palavras” em v. 3 referem-se ao decálogo, chamado “livro da aliança” (v. 7), diferente do Código da Aliança (20,22-23-33: uma coletânea antiga, sedentária e agrícola). Deus promete ser fiel ao seu povo, e o povo, por sua vez, promete fidelidade e docilidade à vontade de Deus.

Então Moisés escreveu todas as palavras do Senhor. Levantando-se na manhã seguinte, ergueu ao pé da montanha um altar e doze marcos de pedra pelas doze tribos de Israel (v. 4).

Depois, “todas as palavras” são escritas no documento/protocolo da aliança, que confere validade e se conserva para o futuro; a leitura se detém.

As “tábuas de pedra com a Lei” (v. 12), escritas ora por Moisés (34,27-28) ora por Deus (24,12; 31,18; 32,16; 34,1; Dt 10,4), contém o decálogo; é o “testemunho” que será depositado depois na Arca da Aliança (25,10-22; 40,20; na destruição de Jerusalém em 586, a arca se perderá; cf. Jr 3,16; Ap 11,19).

As doze pedras (talvez em círculo com um dólmen; cf. Js 4) representam as tribos/filhos de Jacó/Israel (cf. Gn 29,31-30,24; 35,15-20), ao passo que o altar (talvez no centro) representa o Senhor.

Em seguida, mandou alguns jovens israelitas oferecer holocaustos e imolar novilhos como sacrifícios pacíficos ao Senhor (v. 5).

Uns jovens – ainda não funciona o corpo levítico – oferecem holocaustos e sacrifícios de comunhão (Sl 50,5). A vítima oferecida se consagra; seu sangue, que é sua vida, é agora sagrado. A palavra grega “holocausto” (shoá em hebraico; cf. Gn 22; Lv 1) significa um sacrifício em que a vítima é inteiramente consumida pelas chamas; no século 20 d.C. tornou-se sinônimo do massacre nazista que sacrificou seis milhões de judeus nas câmeras de gás de Auschwitz e outros campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial.

Moisés tomou metade do sangue e o pôs em vasilhas, e derramou a outra metade sobre o altar. Tomou depois o livro da aliança e o leu em voz alta ao povo, que respondeu: “Faremos tudo o que o Senhor disse e lhe obedeceremos”. Moisés, então, com o sangue separado, aspergiu o povo, dizendo: “Este é o sangue da aliança, que o Senhor fez convosco, segundo todas estas palavras” (vv. 6-8).

Moisés, intermediário entre Javé e o povo, une ambos simbolicamente espalhando sobre o altar (que representa Javé Deus), e depois sobre o povo, o sangue de uma única vítima (obs. a palavra em latim hóstia significa “vítima”). O pacto é então ratificado pelo sangue (cf. Lv 1,5), como a Nova Aliança o será pelo sangue de Cristo (Mc 14,24p; Hb 9,12-26). O sangue era considerado a sede do princípio vital (Gn 9,4; Dt 12,16.23; Sl 30,10), daí o seu valor expiatório (Lv 17,11) e seu papel de primeiro plano no ritual dos sacrifícios e alianças.

Ao ser repartido entre Deus e o povo (cf. Hb 9,18-19), o sangue une com vínculo sagrado as duas partes; é o sinal ou o sacramento da aliança. Antes da aspersão do povo, procede-se a leitura ou proclamação do protocolo (“livro da aliança”), e o povo pela terceira vez aceita (cf. 19,8). A nova aliança será selada pelo sangue de Cristo que retomará parte desses ritos e de seus termos (cf. a palavra de Jesus sobre o cálice em Mt 26,27; Mc 14,24; Lc 22,20; 1Cor 11,23-25).

 

Evangelho: Mt 13,24-30

No terceiro discurso em Mt, Jesus propôs a segunda parábola. Esta parábola do joio só se encontra no evangelho de Mt e fica no lugar onde em Mc 4,26-30 havia uma parábola de um agricultor que planta e depois vai dormir aguardando o amadurecimento da semente. Para Mc foi um exemplo de confiança e paciência, mas Mt e Lc não a copiaram, talvez por sua ambiguidade: O cristão não se deve acomodar e dormir (cf. Mc 13,36; 1Ts 5,6), mas vigiar (Mt 24,42; 25,13; cf. 26,38.40), porque “seu adversário, o diabo, vos rodeia como um leão a rugir” (1Pd 5,8). Lc omite a parábola de Mc, Mt a substitui por outra que também recomenda a paciência.

Jesus contou outra parábola (à multidão): (v. 24a)

Nos vv. anteriores, Jesus estava falando a seus discípulos (cf. v. 10), mas parece que a multidão não se afastou, por isso nossa liturgia acrescentou “à multidão”, porque o próprio Mt a menciona com ouvinte no v. 34. Igual à primeira parábola da semente (do semeador, vv. 1-9.18-23), oferece uma explicação à parte (vv. 36-43; evangelho da próxima terça-feira), apenas para os discípulos: “deixando as multidões” (v. 36).

“O Reino dos Céus é como um homem que semeou boa semente no seu campo. Enquanto todos dormiam, veio seu inimigo, semeou joio no meio do trigo, e foi embora (vv. 24b-25).

Na primeira parábola, não se definiu qual semente foi semeada, pelo fruto podia ser o trigo (milho ou soja não eram conhecidos na época). Aqui se define: a “boa semente” e o “trigo”. O joio, que se encontrava no Antigo Oriente todo, era considerado uma aberração ou forma enfeitiçada do trigo. Seu veneno vem de um fungo.

Quando o trigo cresceu e as espigas começaram a se formar, apareceu também o joio. Os empregados foram procurar o dono e lhe disseram: ‘Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde veio então o joio?’ O dono respondeu: ‘Foi algum inimigo que fez isso’ (vv. 26-28a).

Aparecem os empregados que não são os mesmos que farão a colheita depois (v. 30). Muita coisa nesta parábola não corresponde à prática comum da agricultura, mas os ouvintes já estão sensibilizados em reconhecer metáforas (cf. 22,28-43: dono – Deus; dar frutos – boas obras; cf. v. 39: inimigo – diabo; cf. 1Pd 5,8; colheita – juízo final, cf. 9,36-38; ceifadores – anjos).

Os empregados lhe perguntaram: ‘Queres que vamos arrancar o joio?’ O dono respondeu: ‘Não! Pode acontecer que, arrancando o joio, arranqueis também o trigo. Deixai crescer um e outro até a colheita! E, no tempo da colheita, direi aos que cortam o trigo: arrancai primeiro o joio e o amarrai em feixes para ser queimado! Recolhei, porém, o trigo no meu celeiro! ’ (vv. 28b-30)

A pergunta dos empregados corresponde à prática comum: arrancar primeiro a erva daninha, depois colher o trigo e guardar no celeiro, e só no final queimar o joio que ainda sobrou no campo. Mas a resposta é contrária: “Deixai crescer um e outro até a colheita!”

Israel comparava a si mesmo como trigo e os pagãos como joio. Para Mt, a interpretação tem que ser outra, porque o messias (Cristo) já veio. Então, por que o Reino ainda não se instalou definitivamente? Resposta de Jesus: Isso não se deve à imperfeição natural dos homens, mas a uma sabotagem premeditada, feita por aquele que quer usurpar a autoridade de Deus no mundo. Não cabe aos homens fazer a separação entre bons e maus, pois só Deus pode fazer o julgamento (cf. 7,1-5). Para a comunidade cristã talvez o joio seja a parte de Israel que rejeita o messias Jesus, para Mt pode ser uma parte dentro da própria comunidade cristã. A explicação nos vv. 36-43 trará mais clareza.

O site da CNBB comenta (referindo-se a Rm 7,14-25): A contradição faz parte da vida de todos nós porque, se por um lado temos a presença da graça em nossas vidas e o chamado à santidade, por outro conhecemos a realidade do pecado como consequência da tendência para o mal, que é a concupiscência, que ficou na natureza humana como uma marca deixada pelo pecado original. Isso significa que a parábola do trigo e do joio nos mostra não apenas a realidade do mundo em que vivemos e as suas contradições, mas também a nossa própria vida, na qual sempre vemos o bem que queremos e algumas vezes praticamos o mal que não queremos. Isso não significa que é legítimo ceder ao joio que marca a nossa vida, mas que devemos estar sempre atentos a ele para não cairmos em tentação.

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