7 de Novembro de 2019, Quinta-feira: Então Jesus contou-lhes esta parábola: Se um de vós tem cem ovelhas e perde uma, não deixa as noventa e nove no deserto, e vai atrás daquela que se perdeu, até encontrá-la? (vv. 3-4).

31ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Rm 14,7-12

Não se esperava que numa carta tão maciça em doutrina de fé (caps. 1-11), ou depois de uma exortação tão dispersa (caps. 12-13), Paulo entrasse na discussão de um problema particular e aparentemente secundário como tabus alimentares e detalhes de calendário. Mas nisso, ele nos ensina como tratar as nossas diferenças na comunidade.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2196) comenta: Neste cap., Paulo encara o caso de certos cristãos que ainda não tiraram todas as consequências da sua conversão ao evangelho. Embora tenham abraçado a fé, eles se julgam sempre obrigados a cumprir as prescrições legais do judaísmo (cf. Cl 2,16-23; 1Tm 4,3-5; Tt 1,15). Como fez em 1Cor 8,7-14; 10,14-33, a respeito das carnes sacrificadas aos ídolos (deuses pagãos), Paulo pede, de um lado, que cada um aja conforme suas convicções pessoais (vv. 5-6) e, por outro, que fortes e fracos na fé evitem julgarem-se mutuamente (cf. v. 10).

Também nessas questões é o amor fraterno (cf. 12,10; 13,8-10) que permite a todos, seja qual for o seu grau de adiantamento da fé, viver em paz e unidade.

Ninguém dentre nós vive para si mesmo ou morre para si mesmo (v. 7).

Para as sociedades antigas não havia dúvidas sobre a pertença de cada um pertencia a uma família, um clã, uma classe social, uma religião, etc. A modernidade, porém, enfatizou a autonomia do indivíduo e com isso sua mobilidade social ou falta de compromisso. O Concílio Vaticano reconhece a liberdade do indivíduo e sua consciência, mas também sua obrigação social com o bem comum (cf. DH, GS). Hoje, mais do que nunca, somos conectados um ao outro, seja na informática ou na ecologia em mútua dependência.

Se estamos vivos, é para o Senhor que vivemos; se morremos, é para o Senhor que morremos. Portanto, vivos ou mortos, pertencemos ao Senhor. Cristo morreu e ressuscitou exatamente para isto, para ser o Senhor dos mortos e dos vivos (vv. 8-9).

O fato de que fortes e fracos pertencem ao Senhor é mais importante que as opiniões éticas divergentes. Segundo a confissão cristã primitiva (ligada à ressurreição, cf. Fl 2,6-11; At 2,36), “Senhor” é aqui título de Cristo. Só Senhor dos vivos (Mc 12,27p; cf. Lc 20,38)? Ele é também Senhor dos mortos, para a vida. A morte é assumida na experiência cristã, porque Jesus tem experimentado a morte e tê-la vencido ressuscitando. “Ele morreu por todos a fim de que aqueles que vivem, não vivem mais para si, mas para aquele que morreu e ressuscitou por eles” (2Cor 5,15).

A pertença a Cristo é um dos traços mais importantes da vida cristã. O cristão se une profundamente ao amor de Cristo. Para expressar essa verdade, Paulo se vale da realidade social presente no seu tempo: a escravidão. O servo era propriedade do seu senhor. Nós somos “servos” de Deus, mas no sentido positivo (cf. 6,16-23). Somos seus filhos, somos e temos parte de sua propriedade (cf. 8,14-17). Isso deve se manifestar no agir. Em que sentido? Agimos livremente, segundo a nossa consciência, mas construindo as nossas ações somente para a glória de Deus. Se pertencermos ao Senhor, o nosso viver se transfigura, porque agiremos de acordo com as regras do amor. Já que estamos vivendo, vivamos para o Senhor (cf. 6,10; Gl 2,19s).

E tu, por que julgas o teu irmão? Ou, mesmo, por que desprezas o teu irmão? Pois é diante do tribunal de Deus que todos compareceremos.

Recomenda-se acolher, nunca desprezar ou julgar. O forte e o fraco são ambos, servos do Senhor (cf. v. 4) a quem é reservado o julgamento final (12,19). Ele vai julgar a nós todos com justiça e não com preconceitos (2,1-2; 1Cor 4,5; At 10,42). Nos evangelhos, Jesus também adverte de não julgar nem desprezar o outro (cf. Mt 7,11-5; Lc 6,37s; 18,9-14). Todos vão “comparecer” diante de Deus depois da morte (2Cor 5,10; Hb 9,27; At 17,31). Cristo ressuscitado, Senhor dos vivos e dos mortos, compartilha com o Pai a prerrogativa do juízo final (cf. 2,16; 12,19; 2Cor 5,10; Mt 25,31-46; At 17,31).

Com efeito, está escrito: “Por minha vida, diz o Senhor, todo joelho se dobrará diante de mim e toda língua glorificará a Deus”. Assim, cada um de nós prestará contas de si mesmo a Deus (vv. 11-12).

A imagem do servo e do patrão (senhor, v. 4) leva Paulo a lembrar aqui que foi em sua ressurreição dentre os mortos (v. 9) que Cristo se tornou Senhor glorioso “diante do qual todo joelho se deve dobrar”. Paulo citou a mesma frase de Is 45,23 já no hino de Fl 2,10-11.

Temos aqui a responsabilidade individual, “cada um de nós” (cf. Ez 18; cf. Mt 25,14-30p) em vista do bem comum de todos e do amor fraterno na comunidade.

Evangelho: Lc 15,1-10

No caminho de Jesus a Jerusalém, Lc insere uma série de parábolas, mas ampla que a do cap. 8. São três sobre a misericórdia (cap. 15) e mais duas sobres o uso de bens (cap. 16). No cap. 15, apresenta a misericórdia de Jesus numa sólida unidade literária por uma introdução e por três parábolas num paralelismo e progressão (de 99 ovelhas, uma perdida; de 10 moedas, uma perdida; de dois filhos, um pródigo). Hoje ouvimos as parábolas da ovelha e da moeda, a terceira do filho pródigo é lida na Quaresma (2ª semana, sábado; cf. comentário lá). Tema comum das três parábolas é a alegria de achar o que estava perdido (cf. as conclusões em vv. 6.9.24.32).

A Bíblia do Peregrino (p. 2507) comenta: As três falam do perdão de Deus para o pecador; por isso podemos encabeça-las com o texto clássico: “Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva” (Ez 18,23.32). Predominam nos três os sentimentos, e entre eles, a alegria; e a vantagem de falar com relatos, e não com teorias. Como a ovelha e a dracma, assim i homem, apesar de pecador, é propriedade de Deus: “Perdoas a todos porque são teus, Senhor, amiga da vida” (Sb 11,26).

Os publicanos e pecadores aproximaram-se de Jesus para o escutar. Os fariseus, porém, e os mestres da Lei criticavam Jesus. “Este homem acolhe os pecadores e faz refeição com eles” (vv. 1-2).

As três parábolas são provocadas por uma crítica dos fariseus: Jesus se mistura com gente não recomendável e até come junto com ela. Como em 5, 30 e 7,34, os coletores de impostos (“publicanos”) são mencionados com os “pecadores” (públicos) condenados pelos “fariseus” (cf. 5,29s; 18,9-14). Em face dos “justos” (5,32p) que se indignam como Jesus “acolhe os pecadores”, este acolhimento exprime a alegria que Deus sente ao reencontrar seus filhos perdidos, e convida os fariseus a participarem desta alegria (especialmente na parábola do filho pródigo na cena final de vv. 25-32).

Então Jesus contou-lhes esta parábola: Se um de vós tem cem ovelhas e perde uma, não deixa as noventa e nove no deserto, e vai atrás daquela que se perdeu, até encontrá-la? (vv. 3-4).

As duas primeiras parábolas são rigorosamente paralelas e têm inícios interrogativos, frequentes nas parábolas de Lc (cf. 11,5; 14,28.31; 15,4.8; 17,7; cf. 11,11; 12,25s; 14,5). Este método corresponde à pedagogia de Jesus (cf. 10,26; 20,3; 24,17.19).

A primeira parábola toma uma imagem clássica do pastor e seu rebanho (cf. 12,32). Deus como bom pastor é motivo frequente (cf. Ez 34,11s; 20,34; Sl 23; 79,13; 95,7; 199,3; Is 40,11; cf. Mt 9,36; 15,24; 26,31; Jo 10). O rei-pastor vai à luta para resgatar uma ovelha (1Sm 17,34-36; cf. Mq 4,6s; Jr 23,1-4; Ez 34,11-16). As noventa e nove ficam em lugar seguro, o “deserto” é pastagem usual na Palestina, corresponde às montanhas de Mt 18,12.

Quando a encontra, coloca-a nos ombros com alegria, e, chegando a casa, reúne os amigos e vizinhos, e diz: “Alegrai-vos comigo! Encontrei a minha ovelha que estava perdida!” (vv. 5-6).

Esta parábola tem seu paralelo em Mt 18,12-14 (Mt e Lc a tomaram da fonte Q), mas enquanto Mt a aplica à responsabilidade dos chefes da Igreja em relação aos pequenos das suas comunidades, Lc mostra Deus procurando o pecador e descreve uma alegria maior. Leva a ovelha nos ombros (como em Is 40,11). Ela representa apenas 1% da sua propriedade, mas alegra-se com uma alegria incontida e comunicativa, como se tivesse uma relação pessoal e não simplesmente econômica (cf. a parábola de Natã em 1Sm 12,1-4). O convite a participar da sua alegria (cf. Mt 25,21.23) se encontra também nos vv. 9.23s.32 e é para Lc um traço capital. Ele prepara a reposta final de Jesus às murmurações dos fariseus (vv. 7.10; cf. v. 32).

Eu vos digo: Assim haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão (v. 7).

A alegria sobe ao “céu” (provavelmente significa o próprio Deus, cf. v. 10; Mt 16,19; 18,18). A frase é audaz: no céu se festeja o acontecimento da conversão de um só pecador. Os rabinos contemporâneos falavam da alegria de Deus sobre a ressurreição dos justos e o declínio dos pecadores.

A frase lembra a justificativa de Jesus em 5,31s: “Os sãos não tem necessidade de médico e sim os doentes. Não vim chamar os justos, mas sim os pecadores, ao arrependimento.” O contexto que Lc atribui a esta parábola e as suas críticas contra a “justiça” dos fariseus (5,32; 16,15; 18,9; cf. 20,20) sugerem que Lc pensa em falsos justos que deveriam reconhecer a necessidade de se converter.

E se uma mulher tem dez moedas de prata e perde uma, não acende uma lâmpada, varre a casa e a procura cuidadosamente, até encontrá-la? (v. 8).

Novamente, Lc inicia a parábola com uma pergunta. Desta vez, o caso parece mais modesto à primeira vista. Mas a mulher é bem mais pobre, só tem dez moedas de prata (lit. dez “dracmas”; esta moeda grega corresponde ao denário romano que equivale uma diária de um lavrador; cf. 7,41; Mt 20,2) e perde um décimo de seus bens (a ovelha de vv. 4-6 era só 1%). Sua casa não tem janelas, precisa acender uma lâmpada para procurar a moeda.

Quando a encontra, reúne as amigas e vizinhas, e diz: “Alegrai-vos comigo! Encontrei a moeda que tinha perdido!” Por isso, eu vos digo, haverá alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se converte (vv. 9-10).

Não se fala mais da alegria comparativa (com os “justos”, como em v. 7). A Bíblia do Peregrino (p. 2508) comenta: Contudo, a alegria acusa um sofrimento precedente: a perda dói. A pessoa do pecador convertido é algo valioso que os anjos de Deus recuperam.

Como em v. 7 trata-se da alegria de Deus que ele compartilha com seus anjos. Deus é só designado implicitamente, segundo o uso palestinense (cf. 9,26; 12,8). Um pecador morto não traz alegria para Deus (cf. Ez 18,12.32), mas sua conversão (cf. Lc 15,22-24).

Os escribas e fariseus não fizeram nada para atrair os pecadores. Ao contrário, eles os abandonavam e excluíam. É nós da Igreja? O amor de Deus é abundante, não é proporcional aos méritos de alguém, mas às suas misérias. Deus não quer a morte do pecador, mas que ele viva de maneira abundante (cf. Ez 18,23 etc.). O pastor e a mulher se colocaram à procura e quando encontraram a ovelha e a moeda, fizeram grandes festas, inclusive, com a participação dos vizinhos. O Papa Francisco nos convida para ir à procura dos outros nas periferias etc., para sermos “pastores com cheiro de ovelhas”.

O site da CNBB comenta: Todos nós somos pecadores, mas Deus nos ama tanto que age sempre com misericórdia para conosco, perdoando o que nos pesa na consciência e sempre dando-nos condições para que nos convertamos e possamos viver na sua amizade, afinal de contas, o verdadeiro Pai não quer vier os seus filhos e filhas dispersos pelo mundo e entregues ao poder do pecado e da morte. Tudo isso faz com que uma das maiores alegrias de Deus seja a conversão dos pecadores. Como Deus, também nós devemos agir com misericórdia para com os que erram e dar-lhes condições para que possam converter-se e, assim, vivam a plena alegria de quem se sente eternamente amado por Deus.

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