07 de abril de 2017 – Sexta-feira, Quaresma 5ª semana

Leitura: Jr 20,10-13

A leitura de hoje mostra uma das páginas mais trágicas do livro de Jeremias, é a última das cinco confissões (11,18-12,6; 15,10.15-20; 17,14-18; 18,18-23; 20,7-18). O profeta sabe que foi chamado por Deus e não pode deixar de denunciar injustiças e anunciar calamidades, mas sofre com esta missão difícil.

Eu ouvi as injúrias de tantos homens e os vi espalhando o medo em redor: “Denunciai-o, denunciemo-lo.” Todos os amigos observavam minhas falhas: “Talvez ele cometa um engano e nós poderemos apanhá-lo e desforrar-nos dele” (v. 10).

Até os parentes de Jeremias (cf. 11,18-23; 12,6; a leitura de sábado da semana passada) e “todos os amigos (lit. ”os homens da minha paz”) observavam as falhas do profeta para apanhá-lo. Tantos homens o ameaçam “espalhando o medo em redor”, lit. “terror de todos os lados” (v. 10; 6,25; 46,5; 49,29; cf. Sl 31,14), querendo denunciar, prender, torturar e eliminar o profeta.

Mas o Senhor está ao meu lado, como forte guerreiro; por isso, os que me perseguem cairão vencidos. Por não terem tido êxito, eles se cobrirão de vergonha. Eterna infâmia, que nunca se apaga! O Senhor dos exércitos, que provas o homem justo e vês os sentimentos do coração, rogo-te me faças ver tua vingança sobre eles; pois eu te declarei a minha causa (vv. 11-12).

Jeremias se sente pressionado por dois lados: por um lado pelos homens a quem pode passar sua mensagem só sob perigo de morte; por outro lado pelo próprio Deus: “Tu me seduzistes Senhor e eu me deixei seduzir, tu me forçaste, me violaste” (v. 7; cf. as expressões à luz da legislação de Dt 22,23-29), como o Senhor tivesse atraído o profeta até seduzi-lo. Recorde-se que o Senhor tinha proibido o profeta de se casar (16,1). Jeremias seduzido por belas promessas, agora se encontra abandonado e feito zombaria do povo (cf. Sl 22).

Mas Jeremias espera no “Javé (Senhor) dos exércitos” (v. 12; 32,18; estes “exércitos” podem ser as estrelas ou o exército de Israel ligado à arca da aliança; cf. Gn 2,1; 1Sm 1,3; 4,4; 2Sm 6,2; Is 6,3 etc.). Que o Senhor não abandone seu mensageiro, mas o defenda como “forte guerreiro” (v. 11; Is 42,13; Sf 1,14), como já prometeu na sua vocação (1,19). Os seus inimigos “se cobrirão de vergonha. Eterna infâmia que nunca se apaga” (v. 11; 17,18; 23,40; Sl 40,15).

O Senhor também é justo juiz que “vê os rins (sentimentos) e o coração”, pois a ele Jeremias confia sua causa (v. 12; 11,20; 17,10; cf. 1Sm 16,7; Sl 7,10; 26,2; 1Cr 28,9; 2Cr 16,9; 1Ts 2,4; 1Pd 2,23; Ap 2,23).

A Tradição Ecumênica da Bíblia (p. 748) comenta: Jeremias sabe que todo crime deve ser punido e que toda ação será compensada por algum sofrimento… o princípio do equilíbrio das transações deve predominar sempre e em todo lugar nas interações entre os membros da sociedade. Jeremias, contudo, não executa uma ação punitiva por sua conta: deixa-a nas mãos do Senhor (cf. Dt 32,35; Rm 12,19). – Jesus e seu seguidor Estevão admitirão implicitamente este princípio, porém intercederão pelos seus carrascos (Lc 23,34; At 7,60…).

Cantai ao Senhor, louvai o Senhor, pois ele salvou a vida de um pobre homem das mãos dos maus (v. 13).

O pedido de justiça e canto de vitória se inspiram na linguagem dos salmos (cf. Sl 35,4,8-9.27; 37,5; 96,1; 97,10; 148,1 etc.). Mas o estado emocional de Jeremias sempre está entre esperança e desespero. Logo cai de novo em depressão e suas palavras seguintes são: “Maldito o dia em que nasci, o dia em que minha mãe me deu à luz não seja abençoado” (v. 14). No AT, os heróis são humanos demais e não escondem seus sentimentos.  Admirável é o fato de Jeremias aguentar esta situação por tantos anos sem esmorecer na sua missão.

 

Evangelho: Jo 10,31-42

O confronto entre Jesus e seus adversários se agrava cada vez mais. Em João, os “judeus” geralmente representam as autoridades judaicas que condenaram Jesus no ano 30 d.C. e excluíram os cristãos da sinagoga em 90 d.C, na época do autor do quarto evangelho, por sua fé em Jesus Cristo, Filho de Deus.

Desta vez, Jesus encontra-se em Jerusalém na ocasião da festa da dedicação (cf. 10,22) na qual se comemora a consagração do templo por Judas Macabeus em 164 a.C., depois da perseguição e profanação pelo rei Antíoco IV Epifanes (cf. 1Mc 4,36-39; 2Mc 1,9-18; 10,1-8).

Os judeus pegaram pedras para apedrejar Jesus. E ele lhes disse: “Por ordem do Pai, mostrei-vos muitas obras boas. Por qual delas me quereis apedrejar?” Os judeus responderam: “Não queremos te apedrejar por causa das obras boas, mas por causa de blasfêmia, porque sendo apenas um homem, tu te fazes Deus!” (vv. 30-33).

Mais claramente do que nunca (cf. 2,18; 5,16; 8,25), as autoridades judaicas exigem de Jesus uma definição clara e pública do caráter messiânico da sua missão: “Se és o Cristo, dize-nos abertamente” (v. 24). Nos evangelhos sinóticos (Mt, Mc,  Lc), o sumo sacerdote fez pergunta semelhante no processo diante do Sinédrio (Mc 14,61; Mt 26,63; Lc 22,67). Jo parece situar o processo já no discurso de toda a vida de Jesus; desde agora já ressoa a acusação de blasfêmia (Mc 14,64; Mt 26,65).

Jesus acabou de dizer: “Eu e o Pai somos um” (v. 30; cf. v. 38), e os judeus pegaram pedras para apedrejar Jesus (v. 31; cf. 8,59). Em Lv 24,16 prescreveu-se: “Aquele que blasfema o nome de Javé (Senhor) será morto; a comunidade inteira o apedrejará” (cf. At 7,58); só havia blasfêmia no momento em que se pronuncia o nome divino, mas a condição divina que Jesus reivindica implicitamente, explica esta grave acusação: “Blasfêmia, porque, sendo apenas homem, tu te fazes Deus!” (v. 33). Mas Jesus não se faz Deus, é a palavra de Deus que se fez homem (cf. 1,1.14).

 

Jesus disse: “Acaso não está escrito na vossa Lei: ‘Eu disse: vós sois deuses’? Ora, ninguém pode anular a Escritura: se a Lei chama deuses as pessoas às quais se dirigiu a palavra de Deus, por que então me acusais de blasfêmia, quando eu digo que sou Filho de Deus, eu a quem o Pai consagrou e enviou ao mundo? (vv. 34-36).

Jesus responde citando da Escritura (“Lei” significa aqui o conjunto do AT; cf. 7,49; 12,34; 15,25) a frase de Sl 82,6: “Eu disse, vós sois deuses”. O texto original deste Salmo se refere às divindades inferiores chamados a prestar contas diante do Deus supremo. Mais tarde, abolido todo traço de politeísmo (crença em muitos deuses), os deuses foram identificados com juízes ou governantes “pela graça de Deus”. Neste sentido, a exegese judaica aplicava essa palavra também ao conjunto dos israelitas. Jesus quer dizer: se eles recebem o título de “deuses” por terem recebido ou transmitido a palavra de Deus, quanto mais poderá receber o título aquele “Filho de Deus”, a “quem o Pai consagrou e enviou ao mundo” (v. 36). Não há, portanto, motivo para falar em blasfêmia.

Se não faço as obras do meu Pai, não acrediteis em mim. Mas, se eu as faço, mesmo que não queirais acreditar em mim, acreditai nas minhas obras, para que saibais e reconheçais que o Pai está em mim e eu no Pai” (vv. 37-38).

Jesus ainda fala das suas boas obras, que são as “obras do meu Pai, … para que saibais e reconheceis que o Pai está em mim e eu no Pai” (cf. v. 30); mas onde falta a disposição para crer e dominam preconceitos e desconfianças, nem palavras nem obras conseguem convencer os críticos.

Outra vez procuravam prender Jesus, mas ele escapou das mãos deles. Jesus passou para o outro lado do Jordão, e foi para o lugar onde, antes, João tinha batizado. E permaneceu ali. Muitos foram ter com ele, e diziam: “João não realizou nenhum sinal, mas tudo o que ele disse a respeito deste homem, é verdade.” E muitos, ali, acreditaram nele (vv. 39-42).

Às vésperas da fase decisiva, Jesus se retira para o “outro lado do Jordão” (Pereia), é uma volta ao começo, aos lugares do testemunho de João Batista (cf. 1,19-35; 3,22-30; 5,33-36). De novo, “muitos, ali, acreditaram nele” (vv. 40-42; cf. 2,23; 7,31; 8,30).

O site da CNBB comenta: Quando a gente não está com o coração aberto, não está disposto a acolher a palavra de Jesus, não querendo de fato assumir um compromisso de fé com Deus e com os irmãos, não buscando novos valores e não querendo uma constante mudança de vida para cada vez mais procurar uma união mais íntima e profunda com Deus, qualquer coisa torna-se motivo para a crítica e para a rejeição de Jesus.

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