15 de dezembro de 2016 – Quinta-feira, Advento 3ª semana

Leitura: Is 54,1-10

Na leitura de hoje, Jerusalém é descrita com a figura da mulher estéril que será mãe de muitos filhos. E a desolação aplica-se a uma cidade (cf. 49,8.10; Ez 36,4; Lm 1,13.16). Para descrever os contrastes entre as provações passadas de Jerusalém e o seu próprio restabelecimento, o Segundo Isaías emprega com coerência e intensidade as imagens matrimoniais de longa tradição profética (Os 2; Is 1,21-26; 5,1-6; Jr 3; 31,21-22; Ez 16): a da esposa estéril que se torna fecunda (cf. 1Sm 2,5; Sl 2,5; Sl 113,9), e da esposa repudiada e a seguir chamada de volta (cf. Os 1,16-17), mas ele insiste na recuperação da amizade (v. 8), enquanto os antigos profetas viam sobretudo o castigo (cf. Os 1-3; Jr 3,1.6-12; Ez 16,23). A nova Jerusalém do Apocalipse é inspirada no Segundo Isaías (Ap 21-22).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 988) comenta a estrutura do capítulo todo (nossa leitura omite os vv. 11-17):

O cap. 54 interpela – sem dizer o nome – Jerusalém, a Esposa do Senhor (cf. 49,14-21; 50,1; 51,1-3; 51,17-52,9). Deus pronuncia em relação a ela palavras das quais várias lembram as que acaba de dirigir ao Servo (comparar 53,10-12 e 54,1-3; 52,15 e 54,3; 53,4.11 e 54,11.14.17; 53,3 e 54,8; 53,8; 53,5 e 54,3); como este versículo, Sião, há pouco humilhada, vai ser glorificada: acaso não é ela a Cidade dos servos do Senhor (v. 17)?

A mensagem de salvação que ela ouve está assim estruturada: a) estéril, ela será mãe de uma posteridade inumerável (vv. 1-3); b) viúva, ela será novamente desposada pelo Senhor (vv. 4-6); c) abandonada, ela será reassumida na aliança, que do lado de Deus é indefectível (vv. 7-10); d) desmantelada, ela será reconstruída com magnificência (vv. 11-12); e) oprimida, ela estará doravante ao abrigo de todo ataque e poderá viver em paz na escuta do seu Senhor (vv. 13-17).

Alegra-te, ó estéril, que nunca foste mãe, exulta e regozija-te, tu que nunca deste à luz; os filhos da mulher abandonada são mais numerosos do que os filhos da bem-casada, diz o Senhor(v. 1).

Repete-se a experiência de Sara, a estéril fecunda (Gn 18; Is 51,2). Pode-se ver Sl 113,9; 1Sm 2,5: “A mulher estéril dá à luz sete vezes, a mãe de muitos filhos se exaure”. Em 47,8s, profetizou a ruina à cidade orgulhosa da Babilônia (viuvez, sem filhos). Agora Jerusalém será exaltada (cf. a mesma oposição em Ap 17-18; 21-22). O apóstolo Paulo cita este primeiro v. aplicando-o à Igreja, nova Jerusalém “livre e nossa mãe”(Gl 4,26-27)

Alarga o espaço de tua tenda e distende bastante as peles das tuas barracas; usa cordas bem longas e finca as estacas com segurança (v. 2).

Jeremias anunciou a destruição de Jerusalém e o exílio na Babilônia: “A minha tenda está devastada e todas as minhas cordas estão cortadas. Meus filhos deixaram-me: eles não existem mais; não há ninguém que possa estender novamente a minha tenda e levantar a lona” (Jr 10,20).

Farás expansão para um lado e para outro e tua posteridade receberá em herança as nações que povoarão cidades abandonadas (v. 3).

A expansão por todos os quatro cantos da terra corresponde a promessa ao patriarca Jacó-Israel (Gn 28,14).

Não tenhas medo, pois não sofrerás afronta alguma; nem te perturbes, pois não tens de que te envergonhar; esquecerás a vergonha sofrida na juventude e não te recordarás mais da humilhação da viuvez (v. 4).

Repete-se a história de mulheres estéreis que conceberam superando a humilhação por outras: de Sara diante de Agar (Gn 16), de Raquel diante de Lia (Gn 30), de Ana diante de Fenena (1Sm 1).

Mas Deus se lembrará da sua aliança que será restabelecida (cf. 55,3): a “vergonha sofrida na juventude” era o exílio/escravidão no Egito, Israel não tinha o seu esposo (aliança no Sinai); a “humilhação da viuvez” (lit. chacota sobre a tua viuvez) significa o exílio na Babilônia, quando não tinha mais o esposo (Javé).

Teu esposo é aquele que te criou, seu nome é Senhor dos exércitos; teu redentor, o Santo de Israel, chama-se Deus de toda a terra (v. 5).

No v. 5 aparecem seis títulos de Javé, dois deles novos: “Teu esposo” (cf. Os 2,18) e “Deus de toda a terra” (este era aplicado a deus da Babilônia, Marduc).

O “Senhor” (lit. Yhwh – Javé) tem um nome ilustre e único (cf. Is 6,3; 1Sm 1,3.11; 4,4 etc.: “dos exércitos” designa as estrelas, o universo, cf. Gn 2,1). O marido dá nome à mulher (Gn 3,20; Is 4,1). O “Deus de toda a terra” escolhe uma cidade, como escolheu um povo como propriedade particular (Ex 19,5; Dt 7,6). O Senhor é “santo” (cf. 40,25; cf. 6,3), “Santo de Israel” é título favorito de Is (1,4; 5,19; 10,17.20; 41,14.16.20 etc.), e santa será a cidade (52,1), como o povo devia ser (Ex 19,6).

O Senhor te chamou, como a mulher abandonada e de alma aflita; como a esposa repudiada na mocidade, falou o teu Deus (v. 6).

“Mulher abandonada e de alma aflita”. O Segundo Isaías quer reanimar seu povo que se sente abandonado no exílio, cf. 49,14: “Sião dizia: ‘Javé me abandonou, o Senhor se esqueceu de mim’”, mas Javé se lembra, se houver conversão (cf. Jr 2,2; 3,1-13).

Por um breve instante eu te abandonei, mas com imensa compaixão volto a acolher-te. Num momento de indignação, por um pouco ocultei de ti minha face, mas com misericórdia eterna compadeci-me de ti, diz teu salvador, o Senhor (vv. 7-8).

O amor incondicional (cf. Os 2; Rm 5,5-8; 1Jo 4,8-10) pode mais do que rancor. As mesmas palavras hebraicas são traduzidas de várias maneiras: “com imensa compaixão” ou “grande amor”, “sem trégua de ternura” (em contraste com o breve instante); a palavra hesed (cf. Sl 143,12; 144,2) aqui “misericórdia eterna”, é também “amizade sem fim“, como no v. 10; em 40,6, a mesma palavra é traduzida por “constância”; daí: “bondade fiel, amor leal, indefectível”, e também no plural, os frutos deste amor, os “benefícios” (55,3; cf. 63,7).

A Bíblia de Jerusalém (p. 1451) a traduz por “amor” e comenta: O “amor eterno” de Deus por seu povo (cf. 43,4; Dt 4,37; 10,15; Jr 31,3; Sf 3,17; Ml 1,2), semelhante ao amor de um pai por seus filhos (Is 1,2; 49,14-16; Jr 31,20; Os 2,25; 11,1s) e a paixão de um homem por uma mulher (Is 62,4-5; Jr 2,2; 31,21-22; Ez 16,8.60; Os 2,26-17.21-22; 3,1) é aqui expresso em toda a sua gratuidade (cf. 1Jo 4,10-19), e fidelidade indefectível (cf. Rm 11,29) e poder criador (cf. 1Jo 3,1-2).

Como fiz nos dias de Noé, a quem jurei nunca mais inundar a terra, assim juro que não me irritarei contra ti nem te farei ameaças. Podem os montes recuar e as colinas abalar-se, mas minha misericórdia não se apartará de ti, nada fará mudar a aliança de minha paz, diz o teu misericordioso Senhor (vv. 9-10).

A evocação de Noé abre-se a um horizonte universal. Em Gn 9,8-17, Deus prometeu a Noé: “Tudo o que existe não será mais destruído pelas águas do dilúvio… Quando o arco estiver na nuvem, eu o verei e me lembrarei da aliança eterna que há entre Deus e os seres vivos com toda carne que existe sobre a terra” (cf. 2Pd 3,10-12: o fim do mundo chegará através do fogo, não da água).

Retomando esta tradição, o autor reafirma a promessa de que Javé nunca mais abandonará Jerusalém e os opressores não prevalecerão contra ela. A promessa de Deus é mais confiável do que a rocha das montanhas (cf. Sl 46,3 Hab 3,6; Jó 14,18) e perdura para sempre.

“Minha misericórdia não se apartará de ti, nada fará mudar a aliança de minha paz”. O Segundo Isaías anuncia um Deus misericordioso com um amor incondicional, semelhante ao Pai que Jesus anunciará. Este anúncio é bem diferente do Deus que ameaça com castigos como os outros profetas (e João Batista) apresentaram. Com razão, o Segundo Isaías pode ser chamado o “evangelista” do Antigo Testamento (cf. 40,9 grego).

Evangelho: Lc 7,24-30

O evangelho de hoje continua aprofundando o personagem de João Batista, o profeta do Advento (vinda do messias). Jesus esclarece a identidade de João e seu grande valor, como profeta que com seu exemplo e palavra denuncia o luxo e arrogância dos poderosos. Mt e Lc usaram a fonte Q (coleção de palavras que se perdeu na história, mas pode se reconstruir a partir destes dois evangelistas, cf. o paralelo Mt 11,2-15; evangelho de 5ª feira da 2ª semana do Advento).

Depois que os mensageiros de João partiram, Jesus começou a falar sobre João às multidões: “O que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento? O que fostes ver? Um homem vestido com roupas finas? Ora, os que se vestem com roupas preciosas e vivem no luxo estão nos palácios dos reis (vv. 24-25).

João Batista já se encontrava na prisão e, através de seus discípulos, perguntou a Jesus: “Es tu aquele que há de vir ou devemos esperar outro?” (vv. 18-20; Mt11,2-3). Jesus respondeu alegando suas curas como sinais do reino (vv. 22s; Mt 11,4-6; cf. Is 29,18; 35,5s; 61,1; cf. evangelho de ontem). Em seguida, “começou a falar sobre de João Batista às multidões”. Precisa esclarecer que a pergunta de João, que expressava dúvidas sobre a missão ou o tempo de ação do messias, nãodiminui sua importância.

“O que fostes ver no deserto? Um caniço agitado pelo vento?” No deserto ou lugares solitários, o vento balança os bambus, é um espetáculo atraente digno de uma viagem? “O que fostes ver? Um homem vestido com roupas finas?” Na corte há desfiles, danças e grandes banquetes: podem ser espetáculo atraente “nos palácios dos reis”. Mas o povo não procurou isso. A figura austera e a voz profética foram a atração. João é uma asceta (1,15.80; 7,33), não um cortesão. Por seu estilo de vida, João atraiu o povo, e não por luxo ostensivo ou por volubilidade caprichosa como era a fama de Herodes Antipas. Por sua exigência inflexível de justiça que João está na cadeia; não é um bambu que se dobra ao vento. Todavia há alguém maior que João. Jesus tampouco habita um palácio real, rodeado de comodidades.

Então, o que fostes ver? Um profeta? Eu vos afirmo que sim, e alguém que é mais do que um profeta. É de João que está escrito: ‘Eis que eu envio o meu mensageiro à tua frente; ele vai preparar o meu caminho diante de ti’. Eu vos digo: entre os nascidos de mulher, ninguém é maior do que João. No entanto, o menor no Reino de Deus é maior do que ele (vv. 26-28).

É pouco esse título “profeta” para João. Certos meios do judaísmo da época esperam o profeta precursor do dia do Senhor (Jo 1,21; 6,14; 7,40). Moises anunciou o envio de um profeta como ele (Dt 18,15), João não se identifica com ele (Jo 1,21).

No AT (na sequência cristã), Malaquias é o último dos profetas. Ele encerrou a série predizendo a chegada daquele que prepararia o caminho para a vinda do Senhor: “Eis que eu envio o meu mensageiro à tua frente; ele vai preparar o meu caminho diante de ti” (Ml 3,1; cf. Ex 23,20). Aqui Jesus cita este texto para se referir ao seu próprio percursor (cf. 1,17). Na cadeia profética de predições o último anel não prediz, mas assinala o cumprimento. Este é identificado com o Batista e esta a sua grandeza: “mais do que um profeta”.

“Nenhum é maior do que João”; numerosos manuscritos acrescentam aqui a palavra profeta, que não se encontra no paralelo de Mt 11,11. Contudo existe algo superior: “o menor no Reino de Deus é maior do que ele”, ou seja, qualquer um que pertença a nova comunidade de Jesus na qual o próprio Deus reina (Sl 145,13), é maior que João (cf. 1,15-17).

Entre João e seus discípulos e Jesus com seus discípulos há uma ruptura, uma novidade radical (cf. 5,33-39p). A atividade do Batista supera todos os anúncios proféticos, mas não se iguala a pertencer ao novo, ao “Reino de Deus” (cf. a segunda parte do Benedictus em 1,76-79). Essas palavras opõem duas épocas da obra divina, duas “economias”, sem depreciar em nada a pessoa de João: os termos do Reino transcendem inteiramente aqueles que os precedem e preparam. Em Lc, esta antítese adquire toda a sua força pela distinção entre o tempo de João e o tempo de Jesus (mencionando a prisão de João já antes do batismo de Jesus em 3,20; cf. 16,16: “A Lei e os profetas vão até João”).

Todo o povo ouviu e até mesmo os cobradores de impostos reconheceram a justiça de Deus, e receberam o batismo de João. Mas os fariseus e os mestres da Lei, rejeitando o batismo de João, tornaram inútil para si mesmos o projeto de Deus (vv. 29-30).

Esses dois vv. soam como inserção (cf. Mt 21.31s), talvez comentário antecipado da parábola seguinte (crianças tocando flauta, vv. 31-35; Mt 11,16-19).

A Bíblia do Peregrino (p. 2477) comenta: O batismo de João operou uma divisão clara. Os que se confessaram arrependidos seus pecados, gente do povo e até publicanos, “deram razão” a Deus reconhecendo sua justiça. Segundo o clássico esquema penitencial: És inocente e nós somos culpados”, “tu Senhor, es justo/ inocente, nos oprime a vergonha (do pecado)” (Ne 9,33; Dn 9,7; Sl 51,6). Os fariseus e letrados, que se tinham por justos (18,9-14), recusaram o batismo de João desprezando o desígnio de Deus. Deus queria que se dispusessem a receber o Messias, mas para isso teriam primeiramente de reconhecer-se os pecadores e arrepender-se. O batismo de João exigia seria revisão e mudança de vida e de mentalidade.

O site da CNBB comenta: João é muito mais do que um profeta. Foi ele o único profeta que não apenas anunciou o Messias como testemunhou a sua presença no meio dos homens. É ele o mensageiro que foi enviado à frente do Messias e preparou o seu caminho. Mas o maior dentre os nascidos de mulher é menor do que os que pertencem ao Reino de Deus. João, como todos os profetas do Antigo Testamento, anuncia a salvação que deverá acontecer com a vinda do Messias, mas quem pertence ao Reino de Deus não vive a promessa, mas a realidade da salvação messiânica, e testemunha esta salvação já realizada para todas as pessoas.

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