15 de Janeiro de 2020, Quarta-feira: E ele se aproximou, segurou sua mão e ajudou-a a levantar-se. Então, a febre desapareceu; e ela começou a servi-los (vv. 30-31).

1ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: 1Sm 3,1-10.19-20

Continuamos ouvindo a história de Samuel que nasceu de uma mulher estéril e foi dado ao sacerdote Eli para ajudar no santuário de Silo. Este capítulo 3 narra a vocação de Samuel como “profeta” (v. 20), mas seu protagonista é a “palavra de Deus”. Aparece negativamente no v. 1, outra vez em relação com Samuel no v. 7 “ainda não”; no final do capítulo (4,1a) penetrou plenamente na história Samuel será seu mediador.

A Bíblia do Peregrino (p. 491) comenta: A mesma palavra cria para si este instrumento humano como chamado. A tríplice voz noturna, além de ser um recurso narrativo popular, ilumina um contraste: até agora Samuel esteve às ordens de Eli, escutou sua voz; doravante escutará a voz do Senhor, para cumprir e transmitir suas ordens.

O jovem Samuel servia ao Senhor na presença de Eli. Naquele tempo a palavra do Senhor era rara e as visões não eram frequentes (v. 1).

Não sendo de família sacerdotal, o menino ocupava-se de serviços secundários. A Nova Bíblia Pastoral (p.306) comenta: O velho representante de Deus em Silo começa a perder espaço para o jovem Samuel. A menção da rara manifestação da palavra de javé (v. 1) quer desacreditar o sacerdote Eli e a religiosidade camponesa do norte. Em contraposição, na nova ordem da cidade, a palavra de Deus se manifesta três vezes.

“Visões” e “palavra” podem ser duas formas ou dois componentes do saber profético (cf. Am 7; Jr 1 etc.). O profeta, homem da palavra, era chamado em outra época “vidente” (cf. 9,9.18s).

Aconteceu que, um dia, Eli estava dormindo no seu quarto. Seus olhos começavam a enfraquecer e já não conseguia enxergar. A lâmpada de Deus ainda não se tinha apagado e Samuel estava dormindo no templo do Senhor, onde se encontrava a arca de Deus (vv. 2-3).

Enquanto, não podendo encarregar-se da vigilância, o velho Eli dorme em um dos anexos, o jovem Samuel “estava dormindo no templo do Senhor” (não é ainda o templo propriamente dito que foi construído por Salomão 100 anos depois em Jerusalém, mas um santuário-tenda ou edifício). A “arca de Deus” é a arca da aliança onde Moisés depositou as tábuas da Lei (decálogo: os dez mandamentos). É acima da Arca da aliança que Javé se torna presente e comunica suas ordens (cf. Ex 25,22; Is 6). No tempo dos juízes, ou talvez já sob Josué (cf. Js 18,1; Jz 21), esta arca foi instalada no santuário de Silo. Davi a trouxe a Jerusalém (2Sm 6), Salomão a instalou no templo (1Rs 8,1-9) em 966 a.C. A “lâmpada de Deus” deve ser o candelabro de que fala Ex 25,31-40; 27,21; Lv 24,2-4; era talvez evolução de uma instituição mais antiga

Então o Senhor chamou: “Samuel, Samuel!” Ele respondeu: “Estou aqui” (v. 4).

Este primeiro chamado equivale a uma vocação, como no meio da sarça em Ex 3,4, ainda que não inclua todos os elementos de uma vocação profética (cf. Jr 1; Is 6). A vocação de Samuel não é uma visão nem um sonho, a voz divina o desperta.

E correu para junto de Eli e disse: “Tu me chamaste, aqui estou”. Eli respondeu: “Eu não te chamei. Volta a dormir!” E ele foi deitar-se. O Senhor chamou de novo: “Samuel, Samuel!” E Samuel levantou-se, foi ter com Eli e disse: “Tu me chamaste, aqui estou”. Ele respondeu: “Não te chamei, meu filho. Volta a dormir!” Samuel ainda não conhecia o Senhor, pois, até então, a palavra do Senhor não se lhe tinha manifestado (vv. 5-7).

A Bíblia do Peregrino (p. 491) comenta: Samuel ainda não tem trato e familiar com o Senhor, como o têm os profetas (Am 3); a palavra não se revelou ou manifestou a ele pessoalmente, porque é necessária uma atualização com a força do Espírito, para que o homem capte essa palavra em seu caráter único de palavra de Deus.

O Senhor chamou pela terceira vez: “Samuel, Samuel!” Ele levantou-se, foi para junto de Eli e disse: “Tu me chamaste, aqui estou”. Eli compreendeu que era o Senhor que estava chamando o menino. Então disse a Samuel: “Volta a deitar-te e, se alguém te chamar, responderás: “Senhor, fala, que teu servo escuta! ” E Samuel voltou ao seu lugar para dormir. O Senhor veio, pôs-se junto dele e chamou-o como das outras vezes: “Samuel! Samuel! ” E ele respondeu: “Fala, que teu servo escuta” (vv. 8-10).

O fato de o Senhor apresentar-se seria uma visão (cf. Jó 4,16: visão de Elifaz). A nossa liturgia de hoje omite o conteúdo da mensagem que Samuel ouve em seguida (vv. 11-14), porque não é uma boa nova (para Eli, cf. v.11: “o ouvido vai ficar zunindo”). O Senhor fará cumprir o que um profeta anônimo já anunciou a Eli (2,27-36): o fim da família de Eli, a morte dos filhos do sacerdote Eli que se comportavam mal no santuário desviando as oferendas (2,12-17) e o fim de Eli que não os repreendeu o bastante (cf. 2,22-25). O pano de fundo na época do autor é a reforma do rei Josias (640-609 a.C.) que destituiu os levitas das aldeias do interior e concentrou o culto em Jerusalém (2Rs 23,8s).

Na manhã seguinte, Eli insiste em ouvir a mensagem e a reconhece como autêntica (3,15-18). Também hoje, o representante da instituição divina (templo, Igreja) ajuda ao jovem vocacionado (seminarista) a discernir o chamado sentido.

Samuel crescia, e o Senhor estava com ele. E não deixava cair por terra nenhuma de suas palavras. Todo Israel, desde Dã até Bersabeia, reconheceu que Samuel era um profeta do Senhor (vv. 19-20).

No final, o ofício profético de Samuel está afirmado: “o Senhor estava com ele” (cf. Jr 1), suas palavras são “do Senhor”; também em hebraico é ambíguo o possessivo “suas”: “não deixava cair nenhuma das suas palavras” quer dizer sem cumprimento, sem produzir frutos (mesma expressão em 2Rs 10,10; cf. Is 55,10s; Mc 4,4.15p).

O povo o reconhece como “profeta”. Samuel será o último dos Juízes (cf. 7,15-17) e ungirá os primeiros reis (1Sm 8-9; 16). Mas também já Moisés e sua irmã Miriam (Maria) foram chamados de profeta e profetisa (cf. Ex 15,20; Nm 12).

“Todo Israel”, de norte ao sul, está descrito segundo os limites do reino unido sobre Davi: “desde Dã até Bersabeia” (Jz 20,1; 2Sm 3,10; 1Rs 5,5 etc.), e pode esconder o projeto expansionista do rei Josias.

Os versículos resumem globalmente toda uma etapa, pois Samuel por certo tempo desaparece do cenário no qual sua palavra profética vai atuar (4,1-7,3).

Evangelho: Mc 1,29-39

Continuamos ouvindo o relato do dia de sábado em Cafarnaum, em que Jesus, depois de curar um homem possuído no espaço público da sinagoga (1,21-28, evangelho do domingo passado), cura uma mulher no espaço privado de uma casa.

Jesus saiu da sinagoga e foi, com Tiago e João, para a casa de Simão e André (v. 29).

Hoje as ruínas da sinagoga daquela época e os restos da casa de Simão Pedro são sítios arqueológicos em Cafarnaum. A primeira comunidade está se formando nessa cidade e nessa casa. Isso reflete a missão cristã nos primeiros séculos quando se evangelizava nas casas que serviam para catequese e cultos da assembleia e catequese (Jesus ensina nas casas em 7,7.17; 9,28.33; 10,10).

Tiago e João já haviam deixado a família (o pai em v. 20). Simão (chamado de Pedro só partir de em 3,16; cf. Mt 16,18) parece ter sido chefe da “casa” que serve de apoio para a missão de Jesus nesta cidade (cf. 2,1; 3,20.31; 4,10?; 9,33).

A sogra de Simão estava de cama, com febre, e eles logo contaram a Jesus. E ele se aproximou, segurou sua mão e ajudou-a a levantar-se. Então, a febre desapareceu; e ela começou a servi-los (vv. 30-31).

Este é o milagre mais breve nos evangelhos, mas contém todos os elementos do gênero. Os relatos de cura seguem um esquema simples: apresentação/descrição da doença e pedido de cura (“a sogra de Simão estava de cama, com febre, e eles logo contaram a Jesus”), depois aproximação e gesto e/ou palavra daquele que cura (“ele se aproximou, segurou sua mão e ajudou-a a levantar-se”; cf. 9,27; 5,41; em Lc 5,39, Jesus “ameaçou a febre”, porque pela medicina antiga eram os demônios que causaram a febre) e finalmente a demonstração da saúde recuperada (“a febre desapareceu, e ela começou servi-los”). Muitas vezes segue ainda a reação do povo admirado, aclamando ou assustado. Aqui, a reação do povo é descrita nos vv. 32ss.

O fato de Simão Pedro ter uma sogra demonstra claramente que ele era casado. Sendo natural de Betsaida (Jo 1,44), ao casar provavelmente tinha se mudado para casa dos sogros me Cafarnaum. Alguns acham que Pedro já era viúvo, mas a Bíblia não esclarece o assunto. Paulo diz que todos os outros apóstolos e Cefas (Pedro) levaram consigo uma mulher na missão, só Paulo não fez (1Cor 9,5). Em Mc 10,28s, Pedro diz que deixou tudo para seguir Jesus. Jesus promete recompensa para quem tenha deixado “casa, irmãos, irmãs, mãe e filhos e terras” por sua causa (Lc 18,29 acrescenta “mulher”).

À tarde, depois do pôr-do-sol, levaram a Jesus todos os doentes e os possuídos pelo demônio. A cidade inteira se reuniu em frente da casa. Jesus curou muitas pessoas de diversas doenças e expulsou muitos demônios (vv. 32-34a).

A cena se alarga: da cura de indivíduos à cura em massa, da casa de família à “cidade inteira”.

Mc especifica o tempo para seus leitores naõ-judeus: “à tarde, depois do pôr do sol” quer dizer que o sábado terminou para os judeus. No sábado, dia sagrado dos judeus, era proibido trabalhar e curar (cf. Mc 2,23-3,6p; Lc 13,14; Jo 5,10.16-18; 9,14-16; no AT: Gn 2,3; Ex 16,23-30; 20,8-11; 23,12; 31,12-17 etc.). Mas para os judeus, o próximo dia já começa com o brilho da primeira estrela na véspera, então agora permitido carregar a Jesus “todos os doentes e possuídos pelo demônio” (cf. 6,55-56).

Jesus não curou “todos os doentes” que trouxeram, mas “muitas pessoas” (como depois os missionários cristãos). Mc quer relatar com credibilidade. É o primeiro sumário das curas em Mc: o que narrou antes, as curas da sogra doente e do possuído na sinagoga, agora é atividade geral. O dia em Cafarnaum é paradigmático para Mc.

E não deixava que os demônios falassem, pois sabiam quem ele era (v. 34).

Temos aqui outra vez o “segredo messiânico”. Como em v. 25, Jesus não só acalma os possuídos desequilibrados, mas manda calar. Não deixava que os demônios falassem, pois sabiam quem Ele era (v. 35; cf. v. 24; 5,6s). Quem é Jesus? Mc responde isso ao longo do seu evangelho (cf. 1,1.11.24 etc.), não precisa explicitar aqui no sumário. Os homens ainda não sabem que Jesus é o messias. Os demônios, porém, como espíritos (mesmo maus e impuros) têm conhecimento sobrenatural, mas Jesus quer manter sua identidade messiânica em segredo (cf. vv. 24s.44; 3,11s; 7,36; 8,30; 9,9) para não ser confundido com um messias guerreiro e nacionalista. Este “segredo messiânico” é típico para o evangelho de Mc que foi escrito no meio da Guerra Judaica (66-70 d.C.).

De madrugada, quando ainda estava escuro, Jesus se levantou e foi rezar num lugar deserto. Simão e seus companheiros foram à procura de Jesus. Quando o encontraram, disseram: “Todos estão te procurando”. Jesus respondeu: “Vamos a outros lugares, às aldeias da redondeza! Devo pregar também ali, pois foi para isso que eu vim” (vv. 35-39).

Aqui encontramos pela primeira vez outro traço característico na narração de Mc: a falta de compreensão por parte dos discípulos. Jesus começa a afastar-se das multidões (cf. 3,9; 4,10; 7,24) e, “de madrugada… rezar num lugar deserto” (v. 35, cf. 6,31-46; 14,32ss). Oração, anúncio do reino e sua prática de curar os males pertencem juntos.

Os discípulos “procuraram”, a palavra grega (lit. “perseguiram”) revela um desejo egoísta (cf. 3,22; Jo 6,24), querem segurá-lo para si e para essa cidade, dizendo: “Todos estão te procurando”.  Mas Jesus responde: “Vamos a outros lugares…, devo pregar também ali, pois foi para isso que vim” (v. 38). Também isso pode refletira a prática missionária dos primeiros cristãos, escolher uma cidade como centro e depois ir aos lugares do redor, às comunidades da periferia, hoje o Papa Francisco chama isso “Igreja em saída”.

Jesus não veio para ser um médico bem-sucedido (cf. 2,17; Lc 4,23) prolongando a vida das pessoas por mais alguns anos, mas para pregar os valores do reino de Deus, praticá-los curando e, depois, salvar-nos do pecado e da morte através da doação de sua própria vida (cf. 2,5.17; 10,45). O evangelista mais novo, Jo, desenvolverá uma teologia profunda sobre Jesus como “enviado” (cf. Jo 3,17.34 etc.).

E andava por toda a Galileia, pregando em suas sinagogas e expulsando os demônios (v. 39).

Neste pequeno sumário termina a sequência paradigmática do primeiro dia, estendendo a atividade de Jesus de Cafarnaum “por toda a Galileia. Como em 1,21, Jesus prega nas sinagogas (e os missionários cristãos, cf. Paulo nos At 9,20; 13,5.14ss etc.) e liberta os seres humanos da alienação, das entidades que não nos deixam ser humanos.

O site da CNBB resume: A centralidade da missão de Jesus encontra-se na revelação do Reino de Deus, de modo que para ele é mais importante à pregação do que a realização de curas e outros tipos de milagres. Os milagres estão relacionados com a revelação, pois explicitam o conteúdo principal da pregação de Jesus que é o amor que Deus tem por todos nós e o bem que ele concede a nós como manifestação desse amor. Sendo assim, o mais importante não é o milagre em si, mas a revelação que ele traz junto de si: Deus ama a todos nós com amor eterno e tudo faz pela nossa felicidade, e isso deve ser anunciado a todos os povos.

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