16 de Outubro de 2020, Sexta-feira: Quem vos escuta, a mim escuta; e quem vos rejeita, a mim despreza; mas quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou (v. 16).

26ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Jó 38,1.12-21; 40,3-5

Depois de muitos diálogos e questionamentos do sofredor Jó com seus amigos (cap. 3-37), ouvimos hoje o início da resposta de Deus. Em total responde também em três discursos (cap. 38-39; 40,6-41,26; 42,7s) como todos os outros que discursaram.

O Senhor respondeu a Jó, do meio da tempestade, e disse: (38,1)

A partir desse capítulo até o 42, Javé dirige-se a Jó “do meio da tempestade”. Já no cap.3 (cf. leitura de terça-feira passada), Jó reclamou e queria falar com Deus para expor seu caso e obter seu direito (cf. também 13,3; 23,3-5; 31,35). Finalmente chegou a resposta de Deus num modo solene à maneira antiga das teofanias de Javé, que manifestava a sua terrível onipotência (Na 1,3; Ez 1,4, cf. Ex 19,16-20). O tema, sobretudo em forma de tempestade, é comum em salmos e profetas (p. ex. Sl 18,8-16; 50,3, pleito com o povo; 76; 77,17-20; 83,16; 97,2-5). A teofania presente é ordenada ao discurso.

  1. Rossi (A falsa Religião e a amizade enganadora, p. 181) comenta: Este tipo de manifestação de Deus apresenta-nos um Deus ao mesmo tempo poderoso em majestade e que agita a humanidade para levar adiante sua história da salvação. Que é a nossa visão senão um redemoinho permanente no centro do qual rodopiamos arrastados pelos acontecimentos e padecimentos da vida? É confortável sabemos que Deus está onde os redemoinhos se apresentam. Ninguém pode negar que a história humana seja uma grande e permanente convulsão. É, pois, aí que Deus está conduzindo a história para seus retos desígnios (38,2).

A resposta de Deus foi uma obsessão ao longo da discussão. Finalmente Deus “responde”, mas estranhamente não defende suas ações em relação a Jó, nem responde aos desafios de Jó no que se refere ao motivo por que sofre. Jó quis disputar com Deus. Deus opõe-lhe o mistério da sua sabedoria, expressa em suas obras, perguntando a Jó: “Onde tu estavas quando lancei os fundamentos da terra?” (38,4) e uma série de perguntas semelhantes (em soma são 53 perguntas a Jó; nossa liturgia saltou os vv. 2-11). Deus não responde diretamente às perguntas de Jó, mas faz que Jó veja a própria ignorância.

Javé cria e organiza o universo, mas não pelo princípio de justiça e retribuição que marcou o pensamento de Jó e seus amigos. Javé, que conhece intimamente o universo, a extensão da terra, o caminho para a morada da luz e das trevas, o sistema das estrelas, não tem a tarefa de garantir a ética, a economia e a justiça na sociedade. Este discurso se contrapõe ao lamento inicial de Jó, em 3,1-26.

Os autores deste texto concluem que a sabedoria tradicional (representada pelos amigos de Jó) e a teologia presa às estruturas do Templo e sob o poder dos sacerdotes, são incapazes de ampliar o sentido da vida e da justiça.

Alguma vez na vida deste ordens à manhã, ou indicaste à aurora o seu lugar, para que ela apanhe a terra pelos quatro cantos, e sejam dela sacudidos os malfeitores? A terra torna argila compacta, e tudo se apresenta em trajes de gala, mas recusa-se a luz aos malfeitores e quebra-se o braço rebelde (38,12-15).

Pode Jó enviar a luz da manhã para brilhar somente para os justos e deixar em trevas os malfeitores? (cf. Mt 5,45). A “aurora” é recriadora do mundo: como um pastor que sacode seu manto para limpá-lo, como um artesão que grava formas na argila, como um tingidor que colore os tecidos (lit. “veste”: subtendido: “trajes de gala”). A terra é comparada a uma cobertura que se “sacode” para expulsar os parasitas.

Recordam-se os habitantes das trevas descritos por Jó 24,13-17; a luz universal e generosa da aurora não é a deles: “Recusa-se a luz aos malfeitores”, lit. são privados de sua luz. A noite é chamada “luz dos maus” porque facilita os seus crimes, assim como o dia guia as ações dos outros homens. Corre um paralelismo entre o oceano descontrolado, as trevas noturnas, os perversos (cf. Sl 101,8; 104,22).

Chegaste perto das nascentes do Mar, ou pousaste no fundo do Oceano? Foram-te franqueadas as portas da Morte, ou viste os portais das Sombras? Examinaste a extensão da Terra? Conta-me, se sabes tudo isso! (38,16-18).

As fontes do mar e do fundo (abismo, cf. Gn 1,2) são as profundezas oceânicas sobre as quais se suponha que descansava a criação. Trata-se do oceano subterrâneo: Gn 7,11; 49,25; Dt 33,13. Debaixo dele se encontra o mundo dos mortos, 26,5. Em alguns mitos antigos, figuras descem através de uma série de portas protegidas por guardiões monstruosos até a morada da própria morte; como uma viagem cósmica sobre a qual alguém informa ao voltar. É a mesma imagem que Eclo 24 aplica à sabedoria. Sobre “as portas da Morte” (cf. Is 38,10; Sl 9,14; 107,18; Sb 16,13).

A “terra da sombra” é o Xeol (grego: hades) um lugar escuro onde os mortos não têm relação com Deus (3,20; 6,4s; 9,3-6.10; cf. Gn 37,35; Nm 16,30-30.33; Dt 32,22; 1Sm 28,12-19; Is 14,9-11; 38,18; Ez 32,17-32; Sl 6,6; 30,10; 88,6.11-13; 89,49; 115,17). Contudo, o poder do Deus vivo se exerce mesmo nesta habitação desolada (1Sm 2,6; Sb 16,3; Am 9,2).

Qual é o caminho para a morada da luz, e onde fica o lugar das trevas? Poderias alcançá-las em seu domínio e reconhecer o acesso à sua morada? (38,19-20).

Continua a imagem da viagem cósmica. Luz e trevas são como dois personagens que se retiram alternadamente à sua morada, da mesma forma que homens e animais em Sl 104,20-23. A luz é personificada como uma entidade distinta do sol. Ela regressa todas as noites ao seu domicílio, e as trevas saem. Outra tradução: “De que lado mora a luz?” Só esta pergunta seria suficiente para mostrar que Jó não sabe de nada.

Deverias sabê-lo, pois já tinhas nascido e grande é o número dos teus anos! (38,21).

A sabedoria é proporcional à idade, só a sabedoria primordial abraça todo o saber do cosmo: (cf. 15,7; Pr 8; Eclo 1; 24).

Jó respondeu ao Senhor, dizendo: “Fui precipitado. Que te posso responder? Porei minha mão sobre a boca. Falei uma vez, não replicarei; uma segunda vez, mas não falarei mais” (40,3-5).

Nossa liturgia saltou todo o cap. 39 e passou à resposta de Jó. Jó recebeu uma reposta à sua acusação de que a terra esteja na mão do ímpio (9,24). Para as pessoas com fé, o universo não é produto de um acaso, mas da bondade do “Senhor, amigo da vida” (Sb 11,26).

Jó não conhece os segredos do universo que está nas mãos de Deus. Jó pedia um pleito com Deus, e conseguiu. A Bíblia do Peregrino (p. 1141) comenta: Jó tinha pedido a Deus uma resposta, agora Deus retorce a posição e pede uma resposta de Jó: entra nas regras do pleito, o acusador se expõe; que a crítica seja responsável. Jó pedia uma sentença, que ainda não chega. Jó se sente em sobressalto (13,11), consciente de que Deus está acima de toda crítica, e decide não insistir, contente com a meia vitória ganha: fazer que Deus fale. A essas alturas, Deus não aceita a retirada; resta-lhe algo importante a dizer.

Esta primeira resposta de Jó (40,3-5) serve de dobradiça. Assim funciona a dialética do processo: Deus interroga Jó; este reconhece e quer retirar-se da discussão; Deus não lhe permite, antes, insiste e continuará com um segundo discurso (40,6-41,26). Em 40,6 continua a resposta de Deus com a mesma introdução (“no meio da tempestade”) como em 38,1.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 655) comenta: As interrogações de Javé a Jô representam o questionamento ao mundo “civilizado”, incapaz de reconhecer o julgamento de Deus. Revelam um conceito de vida e justiça que não se enquadra na tradicional sabedoria da sociedade. Aqui os autores do livro colocam em xeque-mate a teologia da retribuição. 

Evangelho: Lc 10,13-16

Lc encontrou a maldição das três cidades da Galileia na fonte de palavras (chamada Q, comum com Mt; cf. Mt 11,21-24). No contexto de Lc, os vv. 12-15 são um lamento profético sobre toda cidade que não acolhe a mensagem dos seus enviados (apóstolos e discípulos)

Ai de ti, Corazim! Aí de ti, Betsaida! (v. 13a)

Corazim, nome desconhecido até o período do NT (só aparece aqui e em Mt 10,21), cidade situada a 3km de Cafarnaum. Os apóstolos Pedro, André e Filipe eram naturais de Betsaida (Jo 1,44), na embocadura do rio Jordão, reconstruída por Herodes Filipe com o nome de Júlia.

Porque se em Tiro e Sidônia tivessem sido realizados os milagres que foram feitos no vosso meio, há muito tempo teriam feito penitência, vestindo-se de cilício e sentando-se sobre cinzas. Pois bem: no dia do julgamento, Tiro e Sidônia terão uma sentença menos dura do que vós (vv. 13b-14).

Atraída pela figura das cidades fechadas à mensagem (vv. 10-12), soa aqui essa maldição contra povoados da Galileia, onde Jesus tinha pregado e feito milagres. Na verdade, não se trata de uma maldição, mas de uma lamentação e de um último apelo (cf. 6,24-26; Mt 23,13). O estilo é dos ais pronunciados por profetas contra nações ou impérios pagãos. Isaias e Ezequiel pronunciaram seus oráculos contra as cidades pagãs no litoral do Líbano, Tiro e Sidônia (Is 23,1-8; Jr 25,22; 47,4; Ez 26-28; cf. Jl 4,4; Am 1,9-10; Zc 9,2-4; Mc 7,24.31). “Vestindo-se de cilício e sentando-se sobre cinzas” (cf. Js 7,6; Jó 2,8; Jr 6,26; Ez 27,30 e Jn 3,5-8 na cidade pagã de Nínive) é uma espécie de confissão pública encenada, por meio da qual os participantes se reconhecem pecadores.

Mas as três cidades no litoral do lago Genesaré (mar da Galileia), em ordem crescente, haviam recebido um tratamento preferencial por parte de Jesus. Preferidas à Jerusalém, a cidade preferida de Javé Deus em outros tempos. A má resposta a graça abundante é agravante; por isso sua condenação será mais grave.

Ai de ti, Cafarnaum! Serás elevada até o céu? Não, tu serás atirada no inferno (v. 15).

Cafarnaum, cidade de Jesus e centro de suas operações (cf. Mt 4,13), atrai o oráculo contra Babilônia (Is 14,13-15; cf. Ez 26,20; 28,8.17). Não é sem ironia dizer de uma cidade costeira que ela tenta elevar-se até o céu (cf. os prédios arranha-céus de Manhattan em Nova York e a torre de Babel em Gn 11).

Quem vos escuta, a mim escuta; e quem vos rejeita, a mim despreza; mas quem me rejeita, rejeita aquele que me enviou (v. 16).

A leitura de hoje termina com uma frase de Jesus referindo-se a missão dos discípulos (v. 3; cf. Mc 9,37). O discípulo enviado representará Jesus que o envia (cf. At 9,4), como Jesus representa o Pai que o enviou: “Como o Pai me enviou, eu vos envio” (Jo 20,21). É o princípio clássico da representação aplicada à missão dos discípulos (cf. Moisés em Nm 12,6-8). Lc inclui todos os cristãos na missão e evangelização ressaltando a grandeza da tarefa dos missionários, participantes da missão de Jesus. Esta sentença se encontra também sob várias formas nos evangelhos: positiva em v. 16a; Mt 10,40; 18,5p; Jo 13,20; negativa em v. 16b e em Jo 5,23 (por causa do contexto polêmico).

O site da CNBB comenta: Existem pessoas que vivem profundamente uma religião, mas na verdade essas pessoas não possuem fé. Fazem da religião um ritualismo e um cumprimento de preceitos e conhecem todos os seus dogmas e suas normativas morais, porém não possuem fé, porque não se sentem interpelados por Deus para a mudança de vida tanto em nível pessoal como comunitário. São pessoas que como diz o profeta Isaías, louvam a Deus com os lábios, mas seus corações estão longe dele, porque na verdade, não compreenderam que Deus é amor. O coração que se aproxima de Deus é o coração que é capaz de amar, não com romantismo, mas com compromisso de solidariedade, de busca de libertação, de luta contra a exclusão. Este sim é o verdadeiro amor, e esta é a verdadeira conversão.

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