18 de Julho de 2017 – Terça-Feira 15° Semana

Leitura: Ex 2,1-15c

Ouvimos ontem da opressão dos israelitas (hebreus) pelo faraó (Ramses II, 1290-1224 a.C.), rei do Egito. Hoje a leitura introduz Moisés, a figura central do êxodo e dos livros seguintes (até sua morte no final do Pentateuco em Dt 34). O faraó queria matar todos os meninos hebreus recém-nascidos mandando jogá-los no rio Nilo. Mas a mãe de Moisés colocou o menino num cesto no rio Nilo, onde a filha do faraó o encontrou e resolveu criá-lo.

O relato da infância de Moisés parece se com a lenda de Sargão (Sargon) de Akad, grande conquistador mesopotâmico do século XXV a.C. e fundador do império assírio. Sargão foi abandonado às escondidas por sua mãe, posto numa cesta de juncos calafetada com piche e levado pelo rio até o mundo divino, onde foi criado para ser jardineiro e foi amado pela deusa Ishtar que o instituiu como rei. Esta lenda conhecida no Antigo Oriente pôde ser utilizada como moldura para a tradição relativa a Moises, é porque se quis inscrever o libertador de Israel no rol dos grandes personagens da história.

Escrevendo para leitores judeu-cristãos (cerca de 80 d.C.), o evangelista Mateus narrará a infância de Jesus assemelhando-a à de Moisés: temendo pelo seu poder, um rei opressor (Herodes em Mt 2; Faraó em Ex 2) mata os recém-nascidos, mas o futuro Salvador (Moisés, Jesus) é salvo (fugindo com José e Maria ao Egito, cf. Mt 2).

Um homem da família de Levi casou-se com uma mulher da mesma tribo, e ela concebeu e deu à luz um filho. Ao ver que era um belo menino, manteve-o escondido durante três meses. Mas não podendo escondê-lo por mais tempo, tomou uma cesta de junco, calafetou-a com betume e piche, pôs dentro dela a criança e deixou-a entre os caniços na margem do rio Nilo. A irmã do menino ficou a certa distância para ver o que ia acontecer (vv. 1-4).

Surpreende-nos que a genealogia de Moisés é insignificante na Bíblia, só na redação sacerdotal nota-se os nomes dos pais Amram e Jocabed (Ex 6,20) e do irmão três anos mais velho, “Aarão” (já em 4,14; cf. 7,6); mais velha também é a “irmã do menino”, que cumpre aqui uma função narrativa: vigia, serve de enlace. Mais tarde ela chamada a “profetisa Miriam” (grego: Maria) em 15,20s (cf. Nm 12; 20,1; 26,59).

Levi era o terceiro filho de Jacó (1,2; cf. Gn 29,34). Enquanto os descendentes de Moisés não tinham importância, os do seu irmão Aarão (4,14) sim, porque determinavam o sacerdócio que é hereditário em Israel (só em Jerusalém, os descendentes de Sadoc dominaram o culto). Na reforma agrária de Josué, os levitas são a tribo que não recebeu terras como as outras tribos, mas viverá das ofertas do povo (Js 13,33).

A Bíblia do Peregrino (p. 108) comenta: Nasce o libertador: tarde demais? Quando já está em curso a opressão; quanto tempo se deve ainda esperar até que cresça e amadureça? Fica adscrito à tribo de Levi, talvez porque assim o exige seu irmão Aarão. A mãe confia no Nilo mais do que nos homens. E o rio tutelar dos egípcios se faz cúmplice seu para salvar o menino, conduzindo-o até o remanso exato do encontro… A cesta calafetada é uma como arca que navega com carga leve, mas carregada de futuro. A palavra “menino” se repete sete vezes.

“Cesta”, este termo em hebraico designa a arca de Noé e não aparece fora destes dois contextos.

A filha do Faraó desceu para se banhar no rio, enquanto suas companheiras passeavam pela margem. Vendo, então, a cesta no meio dos caniços, mandou uma das servas apanhá-la. Abrindo a cesta, viu a criança: era um menino, que chorava. Ela compadeceu-se dele e disse: “É um menino dos hebreus”. A irmã do menino disse, então, à filha do Faraó: ”Queres que te vá chamar uma mulher hebreia, que possa amamentar o menino?” A filha do Faraó respondeu: “Vai”. E a menina foi e chamou a mãe do menino. A filha do Faraó disse à mulher: “Leva este menino, amamenta-o para mim, e eu te pagarei o teu salário”. A mulher levou o menino e amamentou (vv. 5-9).

A Bíblia do Peregrino (p. 108) comenta: A princesa se comove: não entende a razão de Estado que os homens invocam, não se dobra à política desapiedada de seu pai, não despreza a raça estrangeira; está em favor da vida. A mãe serve de ama-de-leite do seu próprio filho e o cria para a princesa.

Quando já estava crescido, ela levou-o à filha do Faraó, que o adotou como filho e lhe deu o nome de Moisés, porque, disse ela, “eu o tirei das águas” (v. 10).

O nome Moisés lembra os hebreus o verbo “tirar” (da água; 2,10; cf. Sl 18,16 = 2Sm 22,17). Unindo a lenda do rei Sargão (Sargon) de Akad, fundador do império assírio (retirado do rio num cesto), ao verbo hebraico “tirar” (mashah, cf. 2,19), busca-se dar uma origem hebraica para o nome de Moisés e incluí-lo no povo eleito. Utilizando-se desta explicação popular, o relato mostra que Moises é o primeiro que foi salvo.

Mas a filha do Faraó não falava hebraico. De fato, “Moisés” é nome egípcio e significa: “nasceu, filho de”. É conhecido na forma abreviada, mosés, ou na forma completa, cf. os nomes dos faraós Thutmosés (do deus Thot nasceu) e o próprio Ramsés= Ra-meses, “filho gerado de Ra” (deus solar do Egito).

O texto nada diz sobre a educação recebida por Moisés; 11,3 dirá simplesmente que ele havia se tornado um “grande homem”, e At 7,22 que ele “foi instruído em toda a sabedoria dos egípcios”. Josefo e Filon acrescentam pormenores legendários.

Um dia, quando já era adulto, Moisés saiu para visitar seus irmãos hebreus; viu sua aflição e como um egípcio maltratava um deles. Olhou para os lados e, não vendo ninguém, matou o egípcio e escondeu-o na areia. No dia seguinte, saiu de novo e viu dois hebreus brigando, e disse ao agressor: “Por que bates no teu companheiro?” E este replicou: “Quem te estabeleceu nosso chefe e nosso juiz? Acaso pretendes matar-me, como mataste o egípcio?” Moisés ficou com medo e disse consigo: “Com certeza, o fato se tornou conhecido”. O Faraó foi informado do que aconteceu, e procurava matar Moisés. Mas este, fugindo da sua vista, parou na terra de Madiã (vv. 11-15c).

Moisés recebeu a melhor formação egípcia, mas estava consciente da sua descendência hebreu. Quando viu um capataz maltratar um escravo israelita, brigou com ele e o matou. Então tinha que fugir ao deserto. Num Midrash (lenda judaica), os dois hebreus, que brigavam e não aceitaram a mediação de Moisés, são identificados com Datã e Abiram que se rebelaram depois no deserto (Nm 16,1-3).

A Bíblia do Peregrino (p. 108s) comenta: A primeira atuação de Moisés se poderia definir como o fracasso da violência, o que podemos seguir em três rápidas cenas: a) A primeira é um corte radical: Moisés sai. Sua primeira saída, seu êxodo prefigurado. Abandonado privilégios da corte, mas equipado com a cultura e relações ali adquiridas. Sai em ato de solidariedade com seus “irmãos” (a adoção da princesa não anulou nem substituiu definitivamente seus laços de sangue). A opressão redobra a consciência da fraternidade. b). Arrebatado pela indignação diante da injustiça, reage com a violência: o que consegue com esse ato singular? Não promove a libertação dos seus. c) Mais ainda, a sua violência o desacredita diante dos seus concidadãos, entre os quais também se aninham a injustiça e a opressão; inútil seu intento de usar a persuasão e apelar para a razão. Moises se lançou a agir sem encargo divino: por sua violência é rechaçado pelos irmãos e pode temer a polícia egípcia. Tem que escapar, e é sua segunda saída ou êxodo.

“Terra de Madiã” (ou Midian) designa tribos nômades, que vivem a leste e no sul da Palestina (hoje a divisa da Jordânia com a Arábia saudita). Os madianitas são nômades conhecedores de caminhos e poços do deserto ao sul e ao leste do mar Morto (cf. Gn 37,36; Nm 10,31; 1Rs 11,18).

Moises vai reencontrar ali o modo de vida dos patriarcas, seus ancestrais (nomadismo e pastoreio), como também as tradições patriarcais (segundo Gn 25,2, Madiã pertence aos filhos de Abraão). Desse modo, Moises estará apto a ouvir o chamado do Deus de seu pai Abraão (Ex 3,6).

A Bíblia de Jerusalém (p. 107) comenta: Geralmente se situa Madiã na Arábia, ao sul de Edom, a leste do golfo de Ácaba, e o folclore árabe guardou a lembrança de uma estadia de Moisés nessa região. Entretanto, essa localização é tardia. Alguns textos nos mostram os madianitas como grandes nômades que usavam os caminhos da Palestina (Gn 37,28.36), ou da península sinaítica (Nm 10,29-32) e faziam incursões em Moab (Gn 36,25; cf. também Nm 22,4.7; 25,6.18; 31,1-9; Js 13,21). É na Palestina central que eles serão derrotados por Gedeão (Jz 6-8; cf. Is 9,3; 10,26). Uma indicação mais precisa sobre o território deles é apresentada em 1Rs 11,18: um príncipe de Edom, fugindo para o Egito, atravessa Madiã e depois Farã (o sul do Negueb, entre Cades e o Egito). Portanto é na península do Sinai, a leste do deserto de Farã, e não na Arábia, que seria necessário situar Madiã, onde Deus se revelou a Moisés.

“Parou na terra de Madiã”, “retirou-se” (grego, sir.) ou “instalou-se” (hebraico). Nossa liturgia omitiu o final do v. 15: “e se assentou na beira do poço”. Este poço talvez fosse tradicionalmente conhecido, já que é designado pelo artigo definido. Ali Moisés vai conhecer as filhas de Raguel, sacerdote de Madiã, que lhe dará sua filha Séfora como esposa (cf. Gn 24,11; 29,1-3; Jo 4,6). Viagens e casamentos são artifícios redacionais para ligar tradições diferentes. A variação do nome do sogro de Moisés revela narrativas de diversas origens no Êxodo: Raguel, v. 18; Jetro 3,1; 4,18; 18,1; Hobab filho de Raguel, o madianita, Nm 10,29; Hobab, o quenita, Jz 1,16; 4,11. A influência do sacerdote Raguel-Jetro a Moisés (cf. cap. 18) poderia indicar a origem do culto a Javé em Madiã.

Pelo casamento e pelo trabalho (como pastor, não como sacerdote), Moisés se incorpora à vida destes nômades; só o nome do seu filho Gersom (=estrangeiro residente) lembra a sua origem (v. 22). Os relacionamentos de Moisés com mulheres estrangeiras (a madianita Séfora e a cuchita de Nm 12,1; cf. 1Rs 7,14; 11,1) mostram que são tradições anteriores à proibição dos casamentos mistos por Esdras (Esd 9-10; Ne 10,31; 13,23–30; cf. Ml 2,10-12) em 400 a.C., época da redação final.

Ao final, Moisés é uma pessoa histórica? As tradições mais antigas do êxodo falam da libertação da escravidão do Egito, mas sem mencionar Moisés; é o próprio Javé que fez sair (Dt 6,21; 26,7s; Am 2,10; Sl 136). O mais antigo texto que fala de Moisés indiretamente é Os 12,14: “Javé fez Israel subir do Egito por intermédio de um profeta” (cf. Mq 6,4). Os textos mais antigos datam do séc. 8-7 a.C., época do domínio dos assírios. A história da infância mostrar Moisés como personagem histórico tal importante quanto o rei legendário Sargon, fundador das dinastias na Mesopotâmia. É possível que escribas na corte do rei Josias (640-609) escreveram isso como reação à propaganda dos assírios, apresentando Moisés semelhante a um rei que promulga leis exigindo fidelidade aos vassalos. No exílio babilônico, este grupo e outro sacerdotal aprofundaram a imagem de Moisés como legislador e intermediário entre Deus e o povo.

Mas o nome egípcio de Moisés e outras palavras egípcias (cesto, papiro, margem do rio Nilo, juncos) fazem pensar numa pessoa histórica, mas não temos outros vestígios dele fora da Bíblia. Alguns (por. ex. S. Freud) pensaram que o Moisés histórico teria sido um discípulo do farão Amenófis IV (Akenaton 1374-1347) que introduziu o monoteísmo (adorar apenas o disco solar) no Egito, mas depois do seu reinado voltou tudo como era (politeísmo).

Duas pessoas históricas poderiam ter inspirada a história de Moisés e o Êxodo: Uma foi Beia, um migrante do norte (Canaã?) com o nome egípcio Ra-Mses-ke-em-neteru; era mordomo e chanceler na corte do farão Seti II (1200-1194). Depois da morte do farão e do filho do faraó, montou com a mulher do farão um exército de cananeus que saquearam o ouro e prata do Egito, mas Beia não conseguiu fugir e foi executado ainda no Egito. Outra pessoa histórica foi Masesaya, um filho do faraó Seti II; era vice-rei em Cuch (Etiópia), iniciou um golpe contra seu pai e tinha que fugir. Mas a semelhanças são poucas (Moisés tinha uma mulher cuchita, cf. Nm 12,1).

Portanto, Moisés como pessoa histórica é difícil de provar ou descrever. Ele reúne “vestígios de memória” (J. Assmann) de várias épocas, vários grupos e suas tradições. Para Israel e o judaísmo, ele é um intermediário extraordinário, mas uma pessoa de transição: o que fica mesmo é a Torá (a “lei” de Moisés que orienta a vida do povo; chamada em grego o pentateuco, ou seja, os primeiros cinco livros da Bíblia).

  

Evangelho: Mt 11,20-24

No evangelho de hoje, Jesus lamenta a falta de fé nas cidades da Galileia onde pregava e operava milagres. A Bíblia do Peregrino (p. 2343) comenta: Esta perícope pertence ao gênero profético do oráculo contra nações pagãs, com sua exclamação “Ai de ti”. Concretamente deve-se ler esse julgamento comparativo sobre o pano de fundo de Ez 16,46-48, que compara Judá com Samaria e Sodoma: “superaste-as em conduta depravada”. O julgamento final será um julgamento comparativo aduzindo agravantes.

Jesus começou a censurar as cidades onde fora realizada a maior parte de seus milagres, porque não se tinham convertido: (v. 20).

O v. 20 é da redação de Mt, o resto (vv. 21-24) vem da fonte Q onde provavelmente fazia parte do envio (Lc 10,13-15). Em 9,35, Jesus ensinava em todas as cidades e povoados de Israel e curava as doenças. Quando Jesus começou morar em Cafarnaum, iniciou sua pregação como João Batista: “Convertei-vos…” (4,13.17; cf. 3,2). Em 10,11-15, Jesus enviou os apóstolos às cidades de Israel e se uma cidade não os acolhesse, deveriam sacudir a poeira dos pés e “no dia do julgamento, haverá menos rigor para Sodoma e Gomorra do que para aquela cidade” (11,15).

”Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se os milagres que se realizaram no meio de vós, tivessem sido feitos em Tiro e Sidônia, há muito tempo elas teriam feito penitência, vestindo-se de cilício e cobrindo-se de cinza. Pois bem! Eu vos digo: no dia do julgamento, Tiro e Sidônia serão tratadas com menos dureza do que vós (vv. 21-22).

A fórmula “Ai de ti” (cf. os sete ais no cap. 23; cf. 18,7; 24,19; 26,24; Lc 6,24-26) não exprime tanto uma maldição, mas uma dor profunda, ou uma indignação. É um gênero que já se encontra em série em textos proféticos (Is 5,8-23; 10,1; Hab 2,7-20; Os 7,13).

“Corazim” é nome desconhecido até o período do NT (Novo Testamento, só aparece aqui e em Lc 10,13); é cidade nomeada no Talmud (comentário judaico dos séc. II a VI) e em Eusébio (historiador cristão, 265-340) que a situa a 3 km de Cafarnaum.

“Betsaida”, cidade de origem dos apóstolos Pedro, André e Filipe (Jo 1,44), fica na embocadura do Jordão a norte do lago de Tiberíades (lago de Genesaré, “mar da Galileia”), reconstruída por Herodes Filipe (irmão de Herodes Antipas) com o nome de Júlias (em homenagem à filha de César Augusto).

“Tiro e Sidônia” são cidades litorais na Fenícia (atual Líbano) e representam o poderio comercial dos fenícios, além disso, Sidônia, como Bet-saida, traz no nome uma referência à pesca. Jezabel, era princesa da Sidônia, casou-se com o rei Acab de Israel e promoveu o culto a Baal (1 Rs 16,31s). Isaias e Ezequiel pronunciaram seus oráculos contra estas cidades pagãs (Is 23,1-8; Jr 25,22; 47,4; Ez 26-28; Jl 4,4; Am 1,9-10; Zc 9,2-4; Mc 7,24.31) que, em virtude das ameaças frequentes dos profetas, se tornaram tipos da impiedade.

Assim também Corazim e Cafarnaum representam as cidades que recusaram a ocasião oferecida de arrepender-se; pois os “milagres” eram sinais que induziam ao arrependimento como preparação para acolher o anúncio do Evangelho do Reino (cf. 4,17).

“Vestindo-se de cilício e cobrindo-se de cinza” era expressão de confissão pública encenada por meio da qual as pessoas se reconheciam pecadores (cf. Js 7,6; Jó 2,8; Jr 6,26; Ez 27,30; e Jn 3,5-8 na cidade pagã de Nínive).

E tu, Cafarnaum! Acaso serás erguida até o céu? Não! Serás jogada no inferno! Porque, se os milagres que foram realizados no meio de ti tivessem sido feitos em Sodoma, ela existiria até hoje! Eu, porém, vos digo: no dia do juízo, Sodoma será tratada com menos dureza do que vós!” (vv. 23-24).

“Cafarnaum”, cidade que Jesus escolheu como centro de suas operações (cf. Mt 4,13), atrai o oráculo contra Babilônia. Não é sem ironia dizer de uma cidade costeira que ela tenta “elevar-se até o céu” (cf. a torre de Babel em Gn 11,1-9 e os prédios arranha-céus de Manhattan em Nova York, etc.), mas “serás jogada no inferno” (Is 14,13-15; cf. Am 9,2; Ab 4; Ez 26,20; 28,2-8.17; 31,14).

“Sodoma” é a principal cidade da Pentápole (cinco cidades gregas no litoral do Mar Morto), destruída (junto com Gomorra) pelo fogo por causa de seu delito contra a hospitalidade de Ló (Gn 18,20; 19; cf. Sb 19,13-17). Sodoma e Gomorra se tornaram símbolos de perversão e destruição (cf. Mt 10,15; Rm 9,29; cf. Dt 29,22; Is 1,9-10; 13,19; Sf 2,9; Lm 4,6; Ez 16,46-56).

Estas três cidades no litoral do lago Genesaré, em ordem crescente, haviam recebido um tratamento preferencial por parte de Jesus. Preferidas à Jerusalém, a cidade preferida de Javé Deus em outros tempos. Translada-se a um julgamento definitivo e comparativo. A má resposta à graça abundante é agravante; por isso sua condenação será mais grave.

Para os leitores de Mt, esta sentença de Jesus devia ter causado certa surpresa. Mt não havia narrado nenhum milagre em Corazim e Betsaida, mas em “sua cidade” Cafarnaum, Jesus realizou milagres (8,5-17; 9,1-34). Mt, porém, não dizia que esta cidade inteira teria rejeitado Jesus (cf. a intercessão de Abraão em Gn 18,18-33).

Os leitores de Mt eram judeu-cristãos na Síria (Antioquia podia ser o lugar da autoria de Mt, cf. At 11,19-26) e já experimentaram o fracasso da evangelização na Palestina: Israel não queria se converter. Por isso, esta sentença de Jesus já visa o final do evangelho (28,15.19) e inverte os valores bíblicos até então aceitos: os pagãos se sairão melhor no juízo final do que os próprios judeus (cf. 21,43; o centurião em 8,11s; a sirofenícia em 15,21-28). Mas o julgamento está apenas anunciado, e Jesus continuará a percorrer as cidades e povoados da Galileia (cap. 12-15).

Há de insistir na diferença entre anúncio do julgamento (que pode inspirar a conduta, cf. Lc 16,1-8) e sentença irreversível. Na história da Igreja, o texto de hoje não foi usado para anti-semitismo, ou seja, para polemizar contra os judeus, porque se reconheceu logo que o julgamento sobre as próprias comunidades cristãs devia ser bem mais duro ainda: Europa e América têm ouvido o evangelho durante séculos, e não apenas por dois anos como as cidades na Galileia. Lutero concluiu: “Nada mais horrível do que ter a palavra de Deus e negligenciá-la”

O site da CNBB comenta: É comum nós vermos diversas pessoas que participam da vida da Igreja lamentando a incredulidade que existe no mundo moderno e os graves problemas que encontramos na humanidade que são, na maioria das vezes, consequências do pecado. Mas nós não paramos para pensar que isso acontece por causa da nossa falta de fé. Se todos nós tivéssemos de fato uma fé verdadeira, esta fé nos lançaria para o trabalho evangelizador e de transformação social ao invés de ficarmos lamentando a situação do mundo. Quem crê sabe que a única resposta plausível para os problemas do mundo se chama Evangelho e, por isso, sempre tem um renovado ardor missionário que o impele constantemente ao trabalho evangelizador.

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