5 de Agosto 2019, Segunda-feira: Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão. Encheu-se de compaixão por eles e curou os que estavam doentes (v. 14).

18ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Nm 11,4b-15

Depois de um recenseamento dos israelitas que deu o nome ao livro de Números, retomam-se as narrativas da caminhada dos israelitas pelo deserto durante quarenta anos (cf. 14,34; Ex 16,35). A partida do Sinai começa em cap. 10. A narrativa sobre o maná na leitura de hoje pode ser mais antiga por não estar relacionada ao sábado como em Ex 16.

A leitura de hoje nos apresenta um cansaço duplo: O povo cansou-se da comida monótona (vv. 4-9) e Moisés cansou do seu papel de líder deste povo (vv. 10-15). A continuação do capítulo (omitida pela nossa liturgia) apresenta a solução destes dois problemas: aves chamadas codornizes enriquecerão a dieta do deserto com carne (v. 13; cf. Ex 16,8.12) e a liderança de Moisés tornar-se-á menos pesada com a descentralização e colaboração de 70 anciãos ou juízes (vv. 16s.24b-30; cf. Ex 18,13-27). A narrativa de 11,4-34 combina estas duas tradições: uma sobre o maná e as codornizes (vv. 4-13; 18-24a; 31-34) e outra inserida sobre o dom do Espírito aos anciãos (vv. 14-17; 24b-30). No livro de Êxodo, os episódios separados do maná (Ex 16) e a instituição dos juízes (Ex 18) se situam entre a saída do Egito e a chegada ao Sinai, em Nm 11 são colocados juntos depois da partida do Sinai no caminho a Kades (cf. v. 35; 12,16; 13,26). Nos dois casos, elementos de tradição diferente foram agrupados num quadro geográfico artificial.

Já ouvimos do maná e das codornizes em Ex 16 em que um relato da “tradição sacerdotal” mesclou numa só narração a passagem das codornizes e o dom do maná (junto com a instituição do sábado; cf. a leitura e o comentário da 4ª feira da 16ª semana). O Maná e as codornizes reunidos na mesma narrativa de Ex 16 colocaram um problema: O maná é devido à secreção de insetos que vivem em certas tamargeiras, mas somente na região central do Sinai: ele é colhido em maio-junho. As codornizes, cansadas pela travessia do mediterrâneo na volta da sua migração para a Europa, por volta de setembro morrem em grande quantidade sobre a costa, ao norte da península, levadas pelo vento (cf. Nm 11,31). Estas narrativas podem combinar a lembrança de dois grupos que deixaram separadamente o Egito e cujos itinerários naturais servem para ilustrar a providência especial de Deus pelo seu povo.

Os filhos de Israel começaram a lamentar-se, dizendo: “Quem nos dará carne para comer? ” (v. 4b).

Esta “multidão” (v. 4a) dos filhos de Israel já consta na partida do Egito em Ex 12,38. São “seiscentos mil homens” (v. 21; Ex 12,37). Impossível um povo inteiro andar no deserto bem alimentado. A palavra hebraica êlef significa “mil”, mas também “família, clã, unidade militar” (assim se poderia reduzir para apenas 25.000 pessoas). Não há nenhum registro egípcio do êxodo. Historicamente é mais provável que vários grupos menores haviam fugido do Egito em etapas e depois se juntaram com pastores e camponeses formando o povo de Israel.

A queixa dos israelitas continua a série das murmurações de Ex 14,11-12; 15,23-25; 16,2-3; 17,2-7 e continuará com mais casos. A queixa supõe que não dispõem (mais) de rebanhos (cf. Ex 12,38).

Vêm-nos à memória os peixes que comíamos de graça no Egito, os pepinos e os melões, as verduras, as cebolas e os alhos. Aqui nada tem gosto ao nosso paladar, não vemos outra coisa a não ser o maná” (vv. 5-6).

A dieta egípcia está descrita corretamente, faltando só a cerveja (ainda sem o lúpulo que vem dos povos germânicos) que os construtores das pirâmides recebiam junto com pães, segundo arqueólogos.

O maná era parecido com a semente do coentro e amarelado como certa resina. O povo se dispersava para o recolher e o moía num moinho, ou socava num pilão. Depois o cozinhavam numa panela e faziam broas com gosto de pão amassado com azeite. À noite, quando o orvalho caía no acampamento, caía também o maná (vv. 7-9).

A descrição do maná não coincide com a de Ex 16,31. Segundo Ex 16,21, o calor solar o dissolvia, aqui o calor do fogo o cozinha. A etimologia popular do termo “maná”, cuja significação exata é desconhecida, é a aclamação dos israelitas ao encontrar o maná: “man-hu = o que é isso?” (Ex 16,15). A seiva de um arbusto do deserto que ressuda e se solidifica, pode servir de alimento complementar.

A reflexão de Israel interpretou esse fato de várias maneiras. Para Nm 11,4-6 e 21,5, o maná é apenas um alimento desprezível, uma simples guloseima para enganar a fome. Para textos mais tardios (Sl 105,40; 78,24-25: Ne 9,15.20; Sb 16,20-21), o maná aparece como um alimento maravilhoso, sinal da solicitude de Deus, “trigo celeste” (Sl 78,24) ou “pão celeste” (Sl 105,4; cf. o discurso de Jo 6). Para Ex 16 (como para Dt 8,3), provém de Deus, mas como uma “prova”; é na verdade, uma comida misteriosa e frágil (Ex 16,15.21) através da qual se passa a exigir a obediência à lei do sábado (Ex 16,27-30). Só quando terminar o tempo do deserto, tempo de prova, o maná dará lugar aos produtos da terra prometida (Ex 16,35; cf. Js 5,12). Celebrado nos Salmos e na Sabedoria, o alimento do maná torna-se para a tradição cristã (cf. Jo 6,26-58), a figura da eucaristia, alimento espiritual da Igreja, verdadeiro Israel, durante seu êxodo terreno (viático) Sobre o maná no NT, cf. Jo 6,32; 1Cor 10,3; Mc 6,30-44p.

Moisés ouviu, pois, o povo lamentar-se em cada família, cada um à entrada de sua tenda (v. 10).

Javé Deus ouvia o clamor do seu povo oprimido na escravidão (cf. Ex 3,7) e acabou de libertá-lo com grandes sinais e prodígios (Ex 7-14) e deu a lei da liberdade (os dez mandamentos em Ex 20). Após esta libertação surgem as dificuldades e obstáculos que desafiam a coragem do povo para construir uma nova realidade. Surge a tentação de se acomodar numa simples lembrança do passado, onde a falta de liberdade era compensada pela possibilidade de consumir bens variados. O povo apagou da memória a imagem da opressão (cf. Ex 1,11-14; 5,6-14) e recorda somente a abundância dos alimentos. Ao invés de dar passos para conseguir o novo alimento, o leite e mel prometidos na terra de Canaã (cf. Ex 3,8), quer voltar para a escravidão do Egito. Incrível que exercem maior atração os bens da escravidão do que a liberdade que custa sacrifício e exige renúncia. Ser livre é uma conquista contínua, e a maior tentação é a de vender a liberdade “a preço de banana”.

Então o Senhor tomou-se de uma cólera violenta, e Moisés, achando também tal coisa intolerável, disse ao Senhor: ”Por que maltrataste assim o teu povo? Por que gozo tão pouco do teu favor, a ponte de descarregares sobre mim o peso de todo este povo? Acaso fui eu quem concebeu e deu à luz todo este povo, para que me digas: “Carrega-o ao colo, como a ama costuma fazer com a criança; e leva-o à terra que juraste dar a seus pais! Onde conseguirei carne para dar a toda esta gente? Pois se lamentam contra mim, dizendo: ”Dá-nos carne para comer!” (vv. 11-13).

Estas queixas do povo provocaram a ira de Javé e o desgosto de Moisés. O povo não pode jogar nas costas do líder a responsabilidade pelo próprio destino, nem o líder, em sã consciência, pode assumir tal responsabilidade, por isso Moisés se queixa também a Javé.

A súplica de Moisés é admirável pela intimidade revelada. É queixa amorosa e audácia comedida. O Senhor maltrata um servo que o tem servido fielmente e o amo sai perdendo. O servo não alcança o favor esperado (Ex 33,12.13.16). O povo é uma carga imposta por Deus, não escolhida ambiciosamente por Moisés. Moisés não está obrigado a levar a carga; não é mãe do povo nem a nutriz. Quem é a mãe? A ela compete alimentar o povo menino, ainda que seja manhoso; que mostre nele o seu carinho (sobre a imagem materna, cf. Is 49,14s; 66,12; Sl 131). Embora a imagem materna não se costuma aplicar a Deus, ele carregou o seu povo (Ex 19,4; Dt 32,11). O Papa Francisco compara a Igreja como mãe que deve ficar próxima das pessoas, e não se comunicar só por cartas, documentos ou digitalmente.

Já não posso suportar sozinho o peso de todo este povo: é grande demais para mim. Se queres continuar a tratar-me assim, peço-te que me tires a vida, se achei graça a teus olhos, para que eu não veja mais tamanha desgraça” (vv. 14-15).

Além do mais, Moisés não pode carregar este povo porque não tem forças para tanto, o povo chora sempre descontente. Oprimido (deprimido) pelo peso da responsabilidade, Moisés pede a Deus que o faça morrer (cf. Elias em 1Rs 19,4 e Jonas em Jn 4,3).

A intercessão de Moisés (cf. 12,13; 14,10-19; Ex 32,6-14; 33,12-23) prepara a inserção da narrativa sobre os 70 anciãos. À queixa de Moisés responde o Senhor, bifurcando sua ação: para o povo, codornizes até se fartar e provocar náuseas (cf. vv.19-20), para Moisés, colaboradores experientes, os 70 anciãos que receberão uma parte do espírito profético de Moisés (vv. 16-17.24-30), possivelmente justificando a instituição pós-exílica que dará origem ao Sinédrio (2Cr 19,8-11; Esd 10,8; 1Mc 12,6; cf. Mt 26,3; Jo 11,47 etc.).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 165) comenta o bloco de 9,15-20,29 (leituras desta semana): Este bloco, semelhante a Ex 15,22-18,27, unindo diversas narrativas de murmurações no deserto, rebeliões, pecados e novo tributos, reforça a concentração da autoridade e da direção política e religiosa nas mãos da teocracia sacerdotal judaíta, que exige total obediência.

Evangelho: Mt 14,13-21 Ano B e C (Ano A: Mt 14,22-36)

O evangelho de Mt segue o roteiro de Mc 6,30-44 que narra o banquete da vida (multiplicação dos pães após o banquete da morte (de João Batista por Herodes; cf. evangelho de sábado passado). O evangelho de hoje se divide em três partes: introdução, diálogo, milagre.

Quando soube da morte de João Batista, Jesus partiu e foi de barco para um lugar deserto e afastado. Mas quando as multidões souberam disso, saíram das cidades e o seguiram a pé (v. 13).

Em Mc 6,30, os doze discípulos voltaram da sua missão nos povoados e contaram a Jesus sobre seus feitos. Ele os convidou para descansarem num passeio de “barco para um lugar deserto e afastado” (Mc 6,31s). Mas a multidão os seguia e muitas pessoas chegaram lá antes deles (Mc 6,30-33).

Mt, porém, já apresentou o envio dos apóstolos e o discurso sobre a missão no cap. 10, motivado pela compaixão de Jesus com o povo em 9,36. Aqui Mt salienta o comportamento de Jesus que talvez queira se retirar em luto e oração. Não é fanático, querendo enfrentar imediatamente Herodes, mas se retira e parte de barco (não de Nazaré, onde estava em 13,53-58; Nazaré não tem acesso ao mar da Galileia como Cafarnaum). Mas também não é fatalista, deixando as coisas correr como estão. Ele continua fiel à missão de servir ao seu povo. O povo ainda segue Jesus, é Igreja em potencial.

Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão. Encheu-se de compaixão por eles e curou os que estavam doentes (v. 14).

Como em Mc 6, Jesus não foge da multidão, mas “encheu-se de compaixão por eles”. Mt já a descreveu “como rebanho sem pastor” em 9,36 (cf. Mc 6,34; Nm 27,17; 1Rs 22,17; Jr 10,21; 23,1-2; Ez 34,5-6.15; Zc 10,2). O ofício do pastor é feito de cuidado e compaixão. Em Mt, sem ensinamentos (cf. Mc 6,34), Jesus logo cura os doentes, porque sua misericórdia e sua compaixão se manifestam nas curas (cf. 9,27.35s; 15,22.29-32; 17,15; 20,30s.34). Depois destas curas, a multiplicação dos pães não deve ser entendida somente simbólica ou sacramental, mas como algo mais concreto.

Ao entardecer, os discípulos aproximaram-se de Jesus e disseram: “Este lugar é deserto e a hora já está adiantada. Despede as multidões, para que possam ir aos povoados comprar comida!” (v. 15)

Em Mt, a multidão não parece ser tal pobre, porque se supõe que as pessoas possam comprar seu alimento. Talvez o horário “ao entardecer” indica que o evangelista vivia numa cidade, porque lá havia mais o costume do jantar como refeição principal.

Jesus porém lhes disse: “Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer!” Os discípulos responderam: “Só temos aqui cinco pães e dois peixes” (vv. 16-17).

A resposta de Jesus já deixa sentir o que vai fazer, porque o povo não precisa sair. Ele é o soberano que parece exigir coisa impossível. O diálogo não apresenta a falta de compreensão dos discípulos (falando do salário de 200 dias em Mc 6,37), mas sua falta de fé, ou seja, apenas duvidam: “Só temos aqui cinco pães e dois peixes” (v. 17). Mt alude com frequência à fé fraca dos discípulos (ou da comunidade) em diálogos antes de realizar um milagre (8,26; 9,22.28s; cf. 14,31; 16,8). A fé não se fundamenta em milagres, mas por eles se espera e pede. Não é com a lógica do mercado, mas com a colaboração e partilha dos discípulos que Jesus sacia a multidão.

Jesus disse: “Trazei-os aqui.” Jesus mandou que as multidões se sentassem na grama. Então pegou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu e pronunciou a bênção. Em seguida partiu os pães, e os deu aos discípulos. Os discípulos os distribuíram às multidões (vv. 18-19).

Conforme sua tendência de resumir, Mt omitiu a acomodação do povo em grupos de cinquenta (Mc 6,40). Para ele, esta alusão ao povo de Israel no deserto organizado por Moisés (cf. Ex 18,21.25; Nm 31,14; Dt 1,15) não tem tanta importância aqui. Como todo judeu piedoso, Jesus reza antes da refeição dando graças e distribui os pães. Num ambiente judaico, a bênção não é benzer os pães, mas um louvor a Deus (benção = bem-dizer). Os leitores judeu-cristãos de Mt se lembram das suas próprias refeições (o pai de família reza e parte o pão para todos da sua casa) e também da comunhão com o Senhor na Eucaristia. Este sentido sacramental já se encontrava em Mc 6,40 e Mt o reforça não falando mais da distribuição dos peixes. Obviamente Jesus precisa da colaboração dos discípulos ao partir e distribuir os pães para esta multidão.

Todos comeram e ficaram satisfeitos, e dos pedaços que sobraram, recolheram ainda doze cestos cheios. E os que haviam comido eram mais ou menos cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças (vv. 20-21).

Apesar da sua tendência de resumir, Mt acrescenta aqui as mulheres e crianças. Os números são simbólicos: cinco pães para 5000 pessoas lembram o pentateuco (cinco livros de Moisés, os primeiros livros da Bíblia) e os 12 cestos que sobram, lembram as 12 tribos de Israel. Em 15,32-39 e Mc 8,1-9 conta-se outra multiplicação dos pães, desta vez para os pagãos fora da terra de Israel e com outros números: sete pães, sete cestos e 4000 pessoas lembram os sete dias da criação (cf. sete diáconos para os helenistas em At 6,1-6; sete povos pagãos em Canaã; cf. Dt 7,1) e os quatro pontos cardeais (norte, sul, leste e oeste). No AT, há de considerar o pastor que dá descanso e comida às ovelhas (Sl 23), o maná no deserto (Ex 16), os milagres de Elias e Eliseu (1Rs 17,1-16; 2Rs 4,1-7.42-44) e os banquetes em Isaías (Is 25,6-8; 55,1-2; 65,13-14). Um milagre semelhante nos é contado em Jo 2,1-12, com o vinho no casamento em Caná.

Para Mt, o mais importante aqui é a soberania e a compaixão de Jesus que faz experimentar seu poder de curar e saciar o povo. Assim a comunidade cristã pode também fazer suas experiências com Jesus ressuscitado que se faz presente nela no seu dia a dia (cf. “Emanuel” em 1,23; 28,20; o pedido do Pai Nosso e a providência divina em 6,11.25-34).

Ao total temos seis relatos da multiplicação de pães nos quatro evangelhos. Isto mostra a importância que os primeiros cristãos deram, provavelmente nas suas assembleias eucarísticas. Apesar da separação da eucaristia da refeição comum (cf. 1Cor 11,17-34), fica para nós o incentivo de partilhar e não desperdiçar os alimentos. Se todos dessem o que têm, ninguém passaria fome (cf. At 2,44s; 4,32.34s).

O site a CNBB comenta: Uma das coisas mais importantes que nos são apresentadas a partir do sacramento da Eucaristia é a sua dimensão apostólica. A Eucaristia está intimamente ligada ao seguimento de Jesus e ao nosso agir apostólico. Quando os discípulos indagam Jesus sobre a situação da fome do povo, Jesus responde: “Dai-lhes vós mesmos de comer”. Em seguida, ele multiplica os pães. Assim, nós vemos a necessidade que existe de todos nós participarmos da missão de Jesus para podermos participar do verdadeiro pão multiplicado que é o sacramento da Eucarística.

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