6 de Julho 2019, Sábado: ”Por acaso, os amigos do noivo podem estar de luto enquanto o noivo está com eles? Dias virão em que o noivo será tirado do meio deles. Então, sim, eles jejuarão (v. 15).

13ª semana sábado – Ano Ímpar

Leitura: Gn 27,1-5.15-29

Hoje ouvimos como a história dos patriarcas continua sem Abraão, que morreu aos cem anos após sair de Harã (cf. 12,4) e foi enterrado ao lado da sua esposa por seus dois filhos Isaac e Ismael (25,7-10; teve ainda outros filhos com a terceira mulher, cf. 25,1-6). Na leitura de hoje, a bênção passa para a terceira geração: Jacó suplantou seu irmão e tomou sua bênção do pai Isaac.

A história de Jacó e o conflito com seu irmão Esaú no bloco de 25,19-37,1 reúne tradições dos patriarcas e matriarcas das tribos da região montanhosa de Betel e Siquém (reino do Norte: Israel) que eram mais fortes e importantes do que as tribos do sul (reino do sul: Judá). Mas suas tradições (talvez mais antigas do que as do Sul) chegaram a nós subordinadas à tradições sulistas de Abraão e Isaac e a teologia javista davídica de Jerusalém, por meio de redações realizadas em momentos de fraqueza política do norte. Esse processo pode ter começado pelos Reis Davi, Salomão ou Ezequias, mas foi marcado mais fortemente por Josias e depois nas redações sacerdotais no exílio e pós-exílio.

Além da morte de Abraão, nossa liturgia pulou também o nascimento dos netos Jacó e Esaú, filhos gêmeos de Isaac com sua única esposa Rebeca, mas Esaú saiu primeiro, portanto é o primogênito com todos os direitos (25,20-34). No texto de hoje, com fina psicologia exalta-se a astúcia de Jacó e destaca a importância das mulheres nos caminhos de Deus, mesmo numa sociedade tão masculina como a dos patriarcas. Permite compreender o papel desempenhado por Betsabeia, uma das mulheres de Davi, na eleição do seu filho Salomão (1Rs 1,11-40).

Na narrativa dos patriarcas, as relações familiares refletem as relações entre grupos, tribos e nações, assim a característica dos dois irmãos.

Jacó (em hebraico Yaqob) recebe de Deus o apelido “Israel” em 32,29 (cf. 35,10), com seu nome se faz um jogo de palavra: aqab (“enganar”, cf. Jr 9,3; ou “calcanhar”, Gn 25,26), bekorah (“direito do primogênito”, cf. 25,31-34) e berakah (“bênção, cf. 27,36). Também ressoa no nome de Rebeca.

Esaú é tido como ancestral de Edom (admoni, “ruivo”, 25,25) e se assentava depois nesta região na montanha de Seir (sear, “pelos”, 25,25; 27,11.22s; 32,4; 33,14-16; 36,8s.21; cf. Js 24,4). Os edomitas ocupavam o sul do mar Morto, rico em cobre e ferro, rota de caravanas ligando Arábia, Palestina, Síria e Mesopotâmia, região várias vezes dominada por Judá (2Sm 8,14; 1Rs 22,48; 2Rs 8,20-22; 14,22; 16,6). Entre Israel (Jacó) e Edom (Esaú) havia relações de dominação ou de aliança (25,23; 2Rs 16,5s).

Quando Isaac ficou velho, seus olhos enfraqueceram e já não podia ver. Chamou, então, o filho mais velho Esaú, e lhe disse: “Meu filho! ” Este respondeu: “Aqui estou! ” Disse-lhe o pai: “Como vês, já estou velho e não sei qual será o dia da minha morte. Toma as tuas armas, as flechas e o arco, e sai para o campo. Se apanhares alguma caça, prepara-me um assado saboroso, como sabes que eu gosto, e traze-o para que o coma, e assim te dar a bênção antes de morrer”. Rebeca escutava o que Isaac dizia a seu filho Esaú. Esaú saiu para o campo à procura de caça para o pai (vv. 1-5).

Poupado do sacrifício (Gn 22, cf. leitura de quinta-feira passada), Isaac viveu ainda por muitos anos, aos quarenta casou-se com Rebecca (Gn 24; 25,20; cf. leitura de ontem) e teve dois filhos gêmeos que já lutaram no ventre materno (cf. 25,21-28). Quem saiu primeiro, foi Esaú, o segundo foi Jacó. Isaac preferiu Esaú, porque se tornou caçador hábil. Rebeca preferiu Jacó, que era mais tranquilo morando sob tendas.

No Antigo Oriente, a bênção do pai envelhecido é ato testamental “na presença do Senhor” (v. 7; cf. Gn 49; Dt 33), decisivo, eficaz e irrevogável (cf. v. 33). A comida serve para fortalecer o pai e assim tornar a bênção mais forte (cf. Pr 29,17). Isaac mantém a iniciativa, Esaú lhe obedece sem hesitar.

Rebeca, a mãe, que estava escutando às escondidas, se rebela contra uma lei para impor sua preferência; toma iniciativa, aceita a responsabilidade e o risco, ou está certa do êxito; mas não apela ao oráculo de anunciação, segundo o qual “o mais velho servirá ao mais novo” (25,23; cf. 4,5; Ml 1,2s; Rm 9,10-13). Na conversa com sua mãe (vv. 4-13; omitida pela nossa liturgia), Jacó interpõe uma grave objeção, não contra o plano, mas contra seus perigos, como se não lhes importasse a fraude (vv. 11-12; tampouco apela para a sua compra dos direitos (v. 36; 25,29-34). A mãe assume a maldição (em vez da bênção) se o pai descobrisse, e Jacó obedece à mãe.

Rebeca tomou, então, as melhores roupas que o filho mais velho tinha em casa, e vestiu com elas o filho mais novo, Jacó. Cobriu-lhe as mãos e a parte lisa do pescoço com peles de cabrito. Pôs nas mãos do filho Jacó o assado e o pão que havia preparado (vv. 15-17).

O traje guardado no baú com plantas aromáticas é traje festivo; serve agora para suplantar a personalidade. Em hebraico, o nome “Esaú” é relacionado com “peludo”, enquanto o nome “Jacó (b) ” significava “Que (Deus) proteja”, mas se relaciona com “calcanhar” e “suplantar” (v. 36; Jr 9,3), em português seria “embusteiro, arteiro, trapaceiro”. Com sua esperteza, Rebeca e Jacó conseguem enganar o pai Isaac cego (outros casos de cegueira: Gn 48,10; 1Sm 3,12; 1Rs 14,1; do contrário Moisés em Dt 33,7).

O encontro enganador entre Jacó e Isaac articula-se em cinco fases: petição da bênção (vv. 18s); dúvidas e identificação (vv. 20-24); refeição (v. 25); beijo (v. 26); formula da bênção (vv. 27-29)

Este levou-os ao pai, dizendo: “Meu pai! ” “Estou ouvindo”, respondeu Isaac. “Quem és tu, meu filho? ” E disse Jacó a seu pai: “Eu sou Esaú, teu filho primogênito; fiz como me ordenaste. Levanta-te, senta-te e come da minha caça, para me abençoares”. Isaac replicou-lhe: “Como conseguiste achar assim depressa, meu filho? ” Ele respondeu: “É o Senhor teu Deus que fez que isso acontecesse” (vv. 18-20).

Jacó serve ao pai o assado de cabrito como se fosse carne da caça. Isaac ficou surpreso pela rapidez com que se conseguiu a caça, mas Jacó responde: “É o Senhor teu Deus que fez que isso acontecesse” (v. 21). Esta referência a Deus na mentira nos parece blasfêmia, mas a mentalidade oriental não via nenhum mal, relacionando o conjunto todo com Deus e negligenciando as causas segundas. Numa moral ainda imperfeita, a mentira aqui referida, serve misteriosamente à ação de Deus, cuja livre escolha preferiu Jacó a Esaú (25,23; cf. Ml 1,2s; Rm 9,13).

Isaac disse a Jacó: “Vem cá, meu filho, para que eu te apalpe e veja se és ou não meu filho Esaú”. Jacó achegou-se a seu pai Isaac, que o apalpou e disse: “A voz, é a voz de Jacó, mas as mãos são as mãos de Esaú”. E não o reconheceu, pois, suas mãos estavam peludas como as do seu filho Esaú. Então, decidiu abençoá-lo. Perguntou-lhe ainda: “Tu és, de fato, meu filho Esaú? ” Ele respondeu: “Sou”. Isaac continuou: “Meu filho, serve-me da tua caça para eu comer e te abençoar”. Jacó serviu-o e ele comeu; trouxe-lhe depois vinho e ele bebeu (vv. 21-25).

Enquanto o diálogo em Gn 22,6-7 expressava união entre Abraão e Isaac e se dizia nenhuma mentira, o de Isaac e Jacó é enganoso. Isaac queria suas dúvidas, o apalpou Jacó e disse: ”A voz é de Jacó, mas as mãos são de Esaú” (v. 22).

Disse-lhe então seu pai Isaac: “Aproxima-te, meu filho, e beija-me”. Jacó aproximou-se e o beijou. Quando Isaac sentiu o cheiro das suas roupas, abençoou-o, dizendo: “Este é o cheiro do meu filho: é como o aroma de um campo fértil que o Senhor abençoou! (vv. 26-27).

Depois de comer, beijou Jacó e cheirando as roupas de Esaú, abençoou-o, dizendo; “Este é o cheiro do meu filho; é como o aroma de um campo fértil que o Senhor abençoou…“. É curioso que está bênção não combina com Esaú, não há nada para o pastor e o caçador. Esta benção que promete a Jacó, o pastor, uma felicidade camponesa, bem como a de Esaú (vv. 39-40), não se aplica a esses patriarcas, mas aos povos deles saídos.

Que Deus te conceda o orvalho do céu, e a fertilidade da terra, a abundância de trigo e de vinho. Que os povos te sirvam e se prostrem as nações em tua presença. Sê o senhor de teus irmãos, e diante de ti se inclinem os filhos de tua mãe. Maldito seja quem te amaldiçoar, e quem te abençoar, seja bendito! ” (vv. 28-29).

A primeira parte desta bênção é de e para lavradores: “orvalho do céu e fertilidade da terra, a abundância de trigo e de vinho” (v. 28; cf. Jó 29,19; Sl 4,8). A segunda é política (soberano e vassalo): “Que os povos te sirvam…” (v. 29a; cf. 22,17; as bênçãos de Judá e de José em 49,8-12.22-24; Dt 33,12-17 também contêm um aspecto agrícola e outro político). A terceira é de âmbito familiar: “Sê o senhor de teus irmãos…” (v. 29a). A quarta torna o herdeiro canal de bênção: “Maldito seja quem te amaldiçoar, e quem te abençoar seja bendito” (v. 29b; cf. Abraão em 12,3).

Toda esta narrativa é comédia e tragédia ao mesmo tempo. Os detalhes burlescos fazem rir, ex. como o ancião cego e guloso é enganado pela esperteza da mulher e como a astúcia do mais fraco triunfa da força do mais bruto. Mas a burla se encarniça, corta e dilacera tecidos familiares e vitais. O grito de Esaú afoga o sorriso (v. 34), ele recebe a benção de segunda categoria (vv. 38-40; Jacó e Moisés abençoam cada filho em Gn 49; Dt 33) e será visto como ancestral do povo vizinho Edom (cf. a origem/divisão de povos através dos seus ancestrais: Abraão e Lot em Gn 13 e 19,30-38; Ismael e Isaac em Gn 21). Em consequência, Jacó tem que fugir da vingança do irmão para longe (cf. 27,41-28,5), será “enganado” por sua vez pelo tio Labão (Gn 29) e só poderá voltar e reconciliar-se com Esaú depois de muito tempo (Gn 33).

 

Evangelho: Mt 9,14-17

Após o perdão e a cura do paralitico (vv. 1-12) e o banquete na casa do publicano Mateus (vv. 9-13), ouvimos uma terceira controvérsia.

Os discípulos de João aproximaram-se de Jesus e perguntaram: ”Por que razão nós e os fariseus praticamos jejuns, mas os teus discípulos não? ” (v. 14).

Desta vez a controvérsia não é com os mestres da lei nem com os fariseus, mas os discípulos de João Batista se surpreenderam com o estilo de vida de Jesus e seus discípulos.

Mt continua copiando do evangelho de Mc (cf. Mc 2,18-20; Lc 5,33-35), mas pode resumir mais. Os seus leitores já sabem que João Batista era um asceta (3,4; cf. 11,18) e seus discípulos (cf. 11,2-3; 14,12), igual aos fariseus, costumavam praticar jejuns particulares (cf. Zc 7 uma consulta sobre um jejum particular). O jejum era tradicionalmente praticado por lei ou por devoção, como expressão de arrependimento, humildade ou luto (cf. Zc 7,3-5 e a crítica em Is 58).

Disse-lhes Jesus: ”Por acaso, os amigos do noivo podem estar de luto enquanto o noivo está com eles? Dias virão em que o noivo será tirado do meio deles. Então, sim, eles jejuarão (v. 15).

Bem no estilo dos mestres do judaísmo (rabinos), Jesus responde com outra pergunta comparando-se com o noivo na festa de casamento (v. 15a; cf. Ct 5,1). No AT (Antigo Testamento), Javé Deus é o esposo de Israel, com que selou aliança (cf. Os 2; 3,16-25; Is 49; 54; 62; Ez 16 etc., aplicado a Jesus no NT em Ef 5,22-32). O casamento é tempo de alegria partilhada (Jr 16,8-9; Ct 3,11; 5,1; Sl 45). O messias é o noivo (cf. Mt 22,1-14; 25,1-13), esposa da nova aliança. Os discípulos de João Batista ainda estão na velha mentalidade da penitência e não descobrem que a festa já começou (cf. At 19,1-7). João não é o esposo nem o messias de Israel (cf. Jo 3,28-29).

Mas “dias virão em que o noivo será tirado do meio deles” (v. 15b), ou seja, o fim trágico da morte de Jesus (cf. Is 53,8). É o primeiro anúncio, ainda indireto, da paixão (cf. 16,21; 17,12.22-23;20,17-19), além da alusão ao servo do Senhor (8,17; Is 53,4). “Então, sim, eles jejuarão” (v. 15c). E como jejuarão? Jesus já se pronunciou em 6,16-18. Na Igreja Católica, a sexta-feira santa, “dia em que o noivo foi tirado”, é dia de jejum e abstinência da carne (como também é a quarta-feira de cinzas no início da quaresma).

Ninguém coloca remendo de pano novo em roupa velha, porque o remendo repuxa a roupa e o rasgão fica maior ainda. Também não se coloca vinho novo em odres velhos, senão os odres se arrebentam, o vinho se derrama e os odres se perdem. Mas vinho novo se coloca em odres novos, e assim os dois se conservam” (vv. 16-17).

O casamento inaugura uma vida nova, não é um tapa-buraco, por isso “ninguém coloca remendo de pano novo em roupa velha” (v. 16) e “não se coloca vinho novo em odres velhos” (v. 17; cf. Jó 32,19). Como imagem do casamento podem-se conciliar a da roupa e do vinho. Ambas têm associações nupciais (p. ex. Is 52,1; 61,10; Sl 45, 9; Ct 2,4; 8,2) e servem para explicar a “novidade” (“renovando seu amor” diz Sf 3,17; e o português “noivo” vem do latim novus). “Antigo”, velho, é o adjetivo que Paulo aplica à aliança de Israel (2Cor 3,14). As instituições velhas não podem conter o amor do noivo Jesus (cf. Gn 2,24). Ele não é um mestre judaico a mais, mas traz algo novo que tornará “antiquada” a antiga aliança: “o antigo passou, chegou o novo” (cf. 2Cor 5,17; Hb 8,13 e as antíteses em Mt 5,21-48: “Vós ouvistes dos antigos, … Eu, porém vos digo…”). Será o Novo Testamento (NT), a “nova aliança” no sangue de Jesus (cf. 26,28p; Ex 24,8; Jr 31,31). No evangelho de hoje, aos poucos, a ruptura entre o antigo Israel e o novo povo de Deus, a Igreja, se faz sentir.

O site da CNBB comenta: Muitas vezes somos totalmente incapazes de compreender o momento que estamos vivendo e a graça que Deus está nos proporcionando. Assim aconteceu com os judeus no tempo de Jesus e acontece hoje. Enquanto Jesus estava mostrando a presença do Reino e a atuação de Deus na vida do povo, os judeus estavam mais preocupados com práticas religiosas tradicionais como o jejum. É claro que a história e a tradição, assim como as práticas religiosas em geral possuem seus valores, mas é importante que não nos fixemos na tradição pela tradição ou na prática religiosa pela prática em si ou por ser costume, mas é necessário que saibamos descobrir os valores do Reino presentes, pois caso contrário podemos reduzir até mesmo a eucaristia a uma prática religiosa como as demais, sendo apenas remendo novo em pano velho.

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